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Acompanhando a história, ‘a cerveja mais gelada’ do Mercado Municipal

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O Complexo Mascarenhas envolve o Mercado Municipal, o Centro Cultural Bernardo Mascarenhas e a Biblioteca Municipal Murilo Mendes. A construção, que serviu à Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas de fins do século XIX e até 1984, tem um estilo que lembra as antigas indústrias inglesas, com muitos tijolos expostos, madeira e ferro. Como explica Carine Muglet, mestre em história social e supervisora de pesquisa e educação patrimonial da Funalfa, a criação do Complexo Mascarenhas foi um marco na preservação de bens culturais na cidade. Com o encerramento das atividades da fábrica na década de 1980, houve grande comoção popular que culminou em movimentos preservacionistas como o ‘Mascarenhas meu amor’, em 1983. “Na mesma década, as instalações foram adquiridas pela Prefeitura de Juiz de Fora, em atendimento ao anseio da comunidade”, explica a especialista.

Ao longo dessa história, o Mercado Municipal, um dos entes do Complexo Mascarenhas, enfrentou muitas mudanças – sejam sociais, tecnológicas ou da estrutura da sociedade. Quem frequenta o Mercado como um lugar de encontro, de passagem e de compras semanais geralmente conhece um bar que fica por ali, onde é possível encontrar “a cerveja mais gelada”, como se anuncia, servida com trio mineiro, jiló e batata em conserva. É um pequeno empreendimento que participou de boa parte dos anos de existência do complexo. Se o Mercado representa um pedaço da história da cidade, para a dona do bar em questão, é mais da metade da vida inteira. “Aqui eu me fiz Sidneia”, diz.

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Sidneia Terra é uma mulher de 73 anos, dos quais 35 passou à frente do seu próprio negócio. Antes de abrir o Bar da Sidneia, conta que não entrava em bar para nada, até que sua vida “mudou da água pro vinho”. Ela, que é moradora de Benfica, veio trabalhar no Mercado Municipal junto com uma amiga para vender biscoitos. “Com o passar do tempo, ela saiu e eu modifiquei o que fazia. E aí comecei a vender umas coisas a mais, uma cervejinha, fazer um tira-gosto, e aí transformei em bar. O meu é o mais antigo aqui”, conta. Essa mudança também aconteceu em um período decisivo de sua vida, quando se separou e precisou mesmo encontrar uma atividade rentável que lhe trouxesse independência financeira. Mas ela gostou do bar e de estar perto das pessoas, e por isso nunca mais quis sair. “Eu gosto de estar em contato com o povo, com os meus fregueses. Gosto de brincar, conversar, elogiar. Gosto de chamar a atenção também, quando, por exemplo, a pessoa está bebendo um pouquinho demais, e aí eu já falo ‘encerrou, acabou’. E me respeitam aqui”, conta.

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Sidneia Terra passou 35 dos seus 73 anos à frente do tradicional bar do Mercado Municipal (Foto: Leonardo Costa)

O incêndio de 12 de setembro de 1991

Essa relação próxima com os clientes fez com que ela, inclusive, tivesse apoio no que afirma ter sido um dos momentos mais difíceis de sua vida, quando o incêndio aconteceu, em 12 de setembro de 1991. Nessa data, o piso do segundo andar caiu sobre o Mercado, devido à explosão de um reator de lâmpada fluorescente, e todos os 150 comerciantes que ocupavam os 66 boxes e as 54 lojas da pronta-entrega perderam tudo. Como explica Carine Muglet, na ocasião alguns servidores da Funalfa trabalhavam na área onde atualmente funciona o Centro de Formação de Professores, e contam que auxiliaram os Bombeiros a apagar o fogo. O incidente gerou grandes perdas para os comerciantes, que tiveram suas atividades retomadas parcialmente só em 1997, após as obras de recuperação do espaço, cuja reforma completa foi entregue e reinaugurada apenas em 2000.

“Quando vi as chamas, foi me dando pânico. Quando cheguei em frente, tinha um sargento que me avisou que não tinha mais nada lá dentro, tinha perdido tudo. Achei que tinham restado pelo menos as garrafas, achava que não queimava. Disse que queria ver, acho que precisava ver pra entender. Perdi tudo no incêndio, tudo, tudo. Só restou eu”, relembra Sidneia. Depois do fogaréu, ficaram de pé apenas as paredes externas do Mercado Municipal, e assim permaneceu até 1995, quando diversos segmentos, especialmente artísticos e intelectuais da cidade, se mobilizaram novamente para ajudar na recuperação do local, que em 2000 enfim recuperou sua estrutura completa. Sidneia, nesse tempo, sobreviveu como pôde: trabalhou com pratos feitos, fez porções para vender na praça e aceitou o público reduzido. Foi a última entre os comerciantes a voltar para o seu espaço tradicional, mas assim que a oportunidade surgiu, abraçou-a por completo.

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Um lugar para todos

A área de todas as edificações do Complexo Mascarenhas envolve mais de 8 mil metros quadrados. Por também estar localizado no Centro da cidade, próximo da Praça da Estação, em que diversos ônibus chegam de cidades próximas para Juiz de Fora, e também perto da Praça Antônio Carlos – em fase final de revitalização -, onde há grande movimentação de pessoas, o local é lembrado por ter um público bem variado. É o que também relata Sidneia, sobre o que mais valoriza em seu bar: “O meu público é de todos os níveis, porque eu não recrimino ninguém, seja presidiário, traficante, agentes, advogados, médicos, engenheiros, policiais. Sabendo me respeitar, porque eu sempre fui uma mulher à frente aqui, está tudo bem. Eu já passei por muitas coisas aqui, foi difícil, mas consegui”, conta.

O Mercado chama a atenção de todos, e prova disso é quem Sidneia conta já ter atendido. “Sady, o baterista da banda Nenhum de Nós, sentava aqui, comia um jiló, bolinho de chuchu, mas eu nunca imaginava quem ele era. Zeca Pagodinho também já veio, mas eu não reconheci. Já atendi o Milton Nascimento também, e tenho até foto com ele”, conta. Mais que passagem, o lugar é ponto de encontro. “Muita gente vem aqui se encontrar, desabafar comigo. Outro dia mesmo brinquei: ‘Gente, eu não sou psicóloga, entendeu? Eu já tenho meus problemas’. Mas o que posso ajudar, faço por todos”.

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Em reconstrução

Na última terça-feira (16), foi anunciado que a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) vai contratar uma empresa especializada para reformar o Mercado Municipal, visando modernizar a estrutura, com custo inicial previsto de mais de R$ 10 milhões. Os serviços serão feitos em 12 meses, com previsão de início dos trabalhos ainda no segundo semestre de 2023. Durante a reforma, as atividades comerciais do local serão transferidas para uma estrutura provisória, no estacionamento do Mercado. O espaço atual, no entanto, não é lembrado por Sidneia como um lugar que precisa de reformas, apesar de ela concordar que é a renovação é necessária. Em sua experiência, o Mercado é lembrado como o lugar onde criou seus filhos, onde levou os netos para ficar estudando enquanto ela assistia e também o local para onde, mais tarde, um deles veio acompanhá-la atrás do balcão.

Ao mesmo tempo, foi lá onde ela viu casamentos sendo feitos e desfeitos, e foi também o espaço que a ajudou durante o período em que sua filha teve um câncer. “Agora, com essa reconstrução, está todo mundo desesperado com a ideia de ficar no estacionamento. Mas eu não estou desesperada. Vai ser difícil sair daqui, mas a gente não pode ir contra a lei municipal. Eu passei por momentos piores, perdi tudo e continuei. Então vamos em frente mais uma vez”, diz. “Em frente”, no caso dela, não significa necessariamente continuar no mesmo lugar. Assim como o Mercado, sua vida também passa por mais uma reconstrução. “Eu já não pretendo mais voltar. O aluguel vai ser um preço muito alto e eu teria que começar tudo de novo. Acho que a reforma vai ficar muito boa, pelos planos, mas é uma vida, né? Nessa licitação, vou encerrar minha carreira. Mas vou sentir muita falta, muita mesmo”, diz.

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