A Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF) deflagraram, na manhã desta quarta-feira (21), a operação “Editor”, com a finalidade de apurar fraudes em licitação, falsidade ideológica em documentos públicos, concessão de vantagens contratuais indevidas, superfaturamento e peculato envolvendo as obras do Hospital Universitário (HU) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Os crimes investigados teriam resultado em prejuízo de R$ 19 milhões aos cofres públicos. De acordo com a PF, são cumpridos cinco mandados judiciais de prisão preventiva contra ex-servidores da UFJF e empresários vinculados a uma empresa de engenharia, dez mandados judiciais de busca e apreensão e um mandado judicial de suspensão do exercício de função pública, além do sequestro de bens dos envolvidos. Todas as medidas foram decretadas pela 3ª Vara Federal de Juiz de Fora. A operação atua ainda nas cidades Belo Horizonte e em Porto Alegre (RS). Em nota à imprensa, a UFJF esclareceu que operação da Polícia Federal não se refere a atos da atual gestão do reitor Marcus Vinícius David e da vice-reitora Girlene Alves da Silva, que assumiram a Reitoria em abril de 2016.
A Tribuna conversou com o ex-reitor Henrique Duque, uma vez que as obras de ampliação do HU se deram no período em que o professor comandou a UFJF por dois mandatos, entre 2006 e 2014, mas ele preferiu não dar detalhes. “Estou envolvido nessa operação. Então, prefiro aguardar os desdobramentos, mas tenho a consciência tranquila de que fiz o trabalho correto”, disse.
Os mandados de busca e apreensão e de prisão foram cumpridos em casas, escritórios e empresas. O titular da delegacia da Polícia Federal em Juiz de Fora, Ronaldo Campos, conversou com a imprensa, mas preferiu não gravar entrevista, porque a operação ainda está em curso. Ele informou que um servidor e um empresário foram presos em Juiz de Fora, onde 26 policiais federais participam da operação. Um terceiro suspeito ainda estaria sendo conduzido pela PF. Outras duas prisões ocorreram em Belo Horizonte. Já em Porto Alegre (RS), a Polícia Federal cumpriu apenas mandados de busca e apreensão. Em cada um desses dois municípios, oito policiais federais atuam na ação desta quarta.
Em nota, a assessoria de imprensa da UFJF informou que a Administração Superior tomou conhecimento da operação sobre fraudes nas obras do HU/UFJF, contratadas em agosto de 2012, por meio de nota oficial da imprensa da Polícia Federal. “A atual Administração Superior da UFJF reforça seu compromisso com os princípios da moralidade, da transparência e da ética na gestão pública. Desde quando assumiu a Reitoria, a atual gestão tem se colocado à disposição dos órgãos de controle para qualquer informação que contribuísse para a apuração dos fatos. Quanto a determinação de afastamento de servidor de suas funções, até o momento a UFJF não recebeu qualquer informação e, tão logo seja notificada, tomará a providência necessária.”
Valor da obra passou de R$ 149 milhões para mais de R$ 244 milhões
A investigação originou-se de auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) na obra de ampliação do HU da UFJF, cujo preço saltou de cerca de R$ 149 milhões para mais de R$ 244 milhões, conforme nota enviada pelo MPF. “Além da prática de sobrepreço, a auditoria chamou a atenção para a presença de restrições ao caráter competitivo do certame, consistentes na proibição à participação de consórcios e na exigência de comprovação de capacidade técnica para a execução de serviços sem maior relevância no contexto geral da obra, em afronta, aliás, a advertência que o próprio TCU fizera à UFJF alguns meses antes.”
Segundo o MPF, apenas três empresas compareceram à concorrência, sendo que uma não ofereceu qualquer desconto em relação ao orçamento original; outra ofereceu desconto de irrisórios 0,025% e, ainda, ausentou-se da sessão de julgamento; e a terceira, a Tratenge Engenharia, sagrou-se vencedora com desconto de apenas 0,38%.
No curso da investigação criminal, a PF e o MPF apuraram ter havido coincidência da ordem de 80,7% entre os itens mais relevantes cujos preços a primeira e a segunda colocada reproduziram do orçamento de referência. “Além disso, verificou-se existir vínculo estreito entre representantes das duas empresas, que, num período de quatro meses, abrangendo a data do certame, falaram-se ao telefone por mais de 800 vezes, tendo, ainda, em outro momento, conspirado para fraudar licitação por meio da apresentação de proposta cobertura”, informou o MPF, em nota.
Conforme o órgão federal, constatou-se que a justificativa para as cláusulas restritivas do edital somente veio a ser enxertada no processo licitatório, com data falsa, após a concorrência, em documento editado para dissimular a ilegalidade dos auditores do TCU.
“Após a celebração do contrato, foram firmados termos aditivos que proporcionaram vantagens indevidas à Tratenge, tendo por objeto a elaboração do projeto executivo, do qual a UFJF só veio a cogitar quando as obras, contraditoriamente, já estavam em execução, bem como numerosos itens novos, que extrapolaram em muito o limite legal de 25% para acréscimos e supressões em contratações públicas.”
Como justificativa para o excesso, as investigações apontaram que representantes da UFJF e da empresa contratada teriam editado, de forma clandestina, a quatro mãos, documentos com datas retroativas, que vieram a ser assinados por técnicos da universidade, sustentando a tese de que muitas das alterações contratuais teriam natureza qualitativa e, por isso, não se sujeitariam àquele limite.
Equipe técnica do TCU concluiu ter havido, ao longo da execução do contrato, superfaturamento superior a R$ 9 milhões, em razão da prática de preços superiores aos correntes no mercado, abrangendo itens como cimbramento em madeira e a administração local da obra. Mas o prejuízo aos cofres públicos atingiu total superior a R$ 19 milhões.
A investigação criminal revelou que, no apagar das luzes da gestão responsável pelo contrato, a pretexto do ressarcimento de despesas notadamente com a administração local da obra, item que já continha sobrepreço, representantes da UFJF e da Tratenge, bem como consultor do MEC/EBSERH, teriam editado novos documentos públicos antedatados que forneceram, artificialmente, respaldo para a assinatura de novo termo aditivo, no valor de quase R$ 10 milhões.
“A edição clandestina de documentos, com datas falsas e subscritos por terceiros, tantas vezes efetuada, a quatro mãos, por representantes do Poder Público e da empresa privada interessada, inspirou o nome atribuído à Operação: EDITOR”, informou o MPF.
O órgão afirmou que as medidas cautelares decretadas não importam condenação antecipada nem afastam a presunção de inocência dos investigados. “Não obstante, a edição de tantos documentos com a finalidade de induzir a erro órgãos de fiscalização e controle fundamentaram a decretação das prisões preventivas, que têm por finalidade impedir a manipulação de provas e o falseamento da verdade. Aliás, conforme revelaram as investigações em outro processo criminal, mesmo já estando o grupo afastado da gestão da UFJF, alguns dos investigados valeram-se de sua influência junto a outros servidores da Universidade para montar todo um processo administrativo que veio a ser apresentado à Justiça como suposta prova de inocência”, encerra a nota do MPF.