Mãe do Leo, hoje com dois anos, e da Lis, com quatro, Jana estava no puerpério quando soube da notícia. As crianças eram ainda menores na época. “Na gravidez, eu percebi um nódulo no seio enquanto passava creme para não ter estria”, conta. Ela chegou a fazer uma ultrassonografia que, naquele momento, não apontou riscos. No entanto, após o nascimento do filho, como o nódulo não desapareceu, ela voltou a investigar. “Uma segunda ultrassonografia apontou para a suspeita de câncer de mama.”
“Foi como perder o chão”, lembra. A carga da notícia ficou ainda mais pesada ao pensar que os dois filhos, na época com um mês e outro com dois anos, dependiam dela para tudo. “Fiquei muito perdida no início. Eu olhei para a médica e pensei, ‘meu Deus, eu vou morrer com os meus dois filhos pequenos’, porque é isso que a gente pensa quando recebe um diagnóstico como esse.”
No entanto, a força veio justamente daquilo que a afligiu no início. “Por conta dos meus filhos, eu tirei uma força que eu nem sabia que tinha. Eu não tinha a opção de morrer, eu tinha que fazer o que fosse preciso para ser forte por eles. Eles foram minha fortaleza.”
Jana começou o tratamento e, mesmo nos dias de quimioterapia, acordava de madrugada para dar mamadeira ao filho pequeno. “Eu coloquei na minha cabeça que eu não ia passar mal porque tinha que cuidar das crianças. E eu realmente não passei mal.” Mais do que necessidade, foi a vontade de estar junto do bebê em seus primeiros meses que a motivava. De acordo com ela, a família forneceu um apoio crucial. “Minha mãe, minha sogra, meu marido, eles faziam tudo por mim. Meu marido marcava as consultas, me levava em todas.”
Jana conta que, quando raspou o cabelo, seu maior medo era que a filha a estranhasse. Porém, o que aconteceu foi exatamente o contrário. “A Lis dizia ‘mamãe, você está tão linda com o cabelo curtinho, deixa ele assim’. Ela contava para todo mundo que o cabelo da mamãe estava dodói e, por isso, ficava guardado no guarda-roupa, porque na época eu usava peruca.”
Questionada sobre qual recado deixaria para uma mãe que passa pela mesma situação, Jana é enfática ao dizer: “Acreditar e se apegar aos nossos filhos, porque eles são nossa fortaleza. Eles precisam da gente, e a gente, deles. Quando a gente olha para as crianças, consegue força para lutar e permitir que vença essa batalha. É o amor deles que nos supre nessa situação.”
‘Saber que poderia engravidar de novo me trouxe conforto’
O sonho da maternidade na vida da médica Luana Fontes se realizou com a chegada do primeiro filho, Lucca. Os planos para o segundo bebê, no entanto, precisaram ser adiados quando, aos 37 anos, ela recebeu o diagnóstico de câncer de mama. “Meu diagnóstico foi em março de 2020. Na época, eu tinha um filho de um ano e nenhum fator de risco.”
Foi o mastologista que a acompanhava que a questionou sobre a vontade de ter mais filhos. De acordo com ele, o tratamento poderia prejudicar os óvulos. “Tinha também a questão da idade, pois, após o tratamento do câncer que eu tive, o recomendado é não engravidar nos próximos cinco anos.”
Foi, então, que Luana optou pelo congelamento dos óvulos. Entrou em contato com uma clínica especializada e iniciou o tratamento para realizar a coleta. “Saber que meus óvulos estão congelados é saber que eu tenho a possibilidade de ser mãe novamente. No momento, ainda não sei ao certo se vou querer engravidar, mas saber que existe essa possibilidade me deixa tranquila.”
Para ela, o congelamento dos óvulos trouxe conforto em um momento tumultuado. “O plano de ter um segundo filho foi apenas adiado. Hoje eu posso decidir se quero ou não, com muito mais chances de sucesso, caso queira tentar.”
Quando a maternidade é um sonho, questão reprodutiva deve ser abordada
Não é o câncer de mama que afeta a fertilidade da mulher, mas sim o seu tratamento. A médica oncologista, Milena Ribeiral Matos, explica que a quimioterapia atua de forma não seletiva, atingindo células que se dividem rapidamente, incluindo células cancerígenas e algumas células saudáveis, como as responsáveis pela fertilidade.
O aumento da incidência de câncer de mama em mulheres mais jovens também acende o alerta para que a questão reprodutiva seja abordada durante o tratamento. Conforme o Panorama do Câncer de Mama, feito pela Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), cerca de 30,5% dos novos casos da doença acometeram mulheres na faixa etária de 30 a 49 anos. Historicamente, a idade de risco para o câncer de mama é a partir dos 50. “Para muitas mulheres mais novas, a maternidade é um sonho, e o diagnóstico de câncer pode trazer à tona dúvidas e ansiedade sobre o futuro. É fundamental que essas mulheres tenham acesso a informações claras e suporte durante esse período desafiador”, afirma Milena.
O próprio fato de ser mãe pode impactar no diagnóstico, explica a médica. “Algumas mães podem não perceber sintomas da doença por estarem focadas em suas responsabilidades maternas e pelas próprias mudanças corporais e hormonais decorrentes da gravidez.” A sobrecarga de serviços executados por uma mulher, principalmente quando ela é mãe, segue durante o tratamento. “As mães podem enfrentar desafios adicionais, como a necessidade de conciliar cuidados com os filhos e tratamentos médicos. O medo da doença não ser curada ou de não haver controle traz um impacto emocional devastador na mulher, pois antecipa muitas questões referentes aos cuidados atuais e futuros com os filhos.”
Se a gravidez, para muitas mulheres, é um dos momentos mais especiais da vida, cheio de esperanças e sonhos, o câncer de mama pode aparecer como uma notícia devastadora. “É como se o mundo desmoronasse. Informação sobre o seu câncer, seu tratamento, perspectivas, prognóstico, assim como acolhimento, apoio familiar e psicológico são fundamentais”, finaliza a Milena.
Formas de preservar a fertilidade
As estratégias para preservação de fertilidade devem ser feitas antes que a mulher inicie o tratamento do câncer. Como explica a médica Fernanda Polisseni, a mais comum é o congelamento dos óvulos. Todo mês uma mulher perde em torno de mil óvulos, o ovário disponibiliza essa quantidade para que um deles amadureça e seja liberado na ovulação, o restante sofre morte celular programada. “Antes do tratamento do câncer, a gente pode estimular o ovário com medicamentos específicos para que mais óvulos amadureçam dentro de um ciclo.” Para isso, são injetados hormônios subcutâneos que fazem com que vários óvulos amadureçam e não apenas um, como é o natural.
Depois de maduros, os óvulos são retirados com uma agulha por via transvaginal guiada por ultrassom. “A paciente fica sedada e é feita a aspiração dos óvulos. Eles são avaliados e os que estiverem maduros são congelados através de um método que se chama vitrificação.” Os óvulos têm a atividade celular paralisada e podem permanecer congelados até serem utilizados. A médica ainda explica que não existe um prazo máximo para que eles permaneçam congelados e que seguirão sempre com a mesma idade, visto que a atividade celular é paralisada.
Outra alternativa é o congelamento de embrião. A diferença é que, ao invés de congelar apenas o óvulo, faz-se o armazenamento do óvulo já fertilizado com o espermatozoide do parceiro. Há, também, o congelamento do tecido ovariano. Ele é indicado para pacientes ainda mais jovens, que não tiveram a primeira menstruação, ou para aquelas que não possuem tempo para esperar o amadurecimento dos óvulos – que leva cerca de 10 dias. “Esse procedimento possibilita que esse fragmento de tecido seja reimplantado posteriormente, para que o ovário volte a funcionar ou que a mulher tenha uma gestação por estímulo”, afirma Fernanda.
Alto valor afasta tratamento do púbico geral
O tratamento, no entanto, não é amplamente disponibilizado no serviço público de saúde. Ele é oferecido pelo SUS apenas em alguns hospitais universitários (HUs) do país. Em Juiz de Fora, o procedimento ainda não está disponível para o público geral. Conforme explica a médica Fernanda, a preservação dos óvulos também não é autorizada na Agência Nacional da Saúde (ANS) para que seja coberta de forma universal pelos planos. “O tratamento é feito de forma privada, o que obviamente restringe o acesso.”
Sonho e desafio
A médica Fernanda Polisseni ressalta a importância da conversa sobre a fertilidade da mulher ainda no início de diagnóstico de câncer, seja ele qual for. “Mesmo mulheres que já têm filhos devem ser orientadas quanto a essa possibilidade, porque depois que a lesão ovariana já aconteceu, a gente não consegue mais reverter a situação ou fornecer um tratamento com os próprios óvulos da paciente.” O que pode ser feito nesses casos é a doação de óvulos, explica. Esse procedimento é permitido no Brasil e feito, inclusive, com um pareamento de características físicas para que a doadora se assemelhe, o máximo possível, da receptora desses óvulos. “Pode ser feita a doação por parentes também, de até quarto grau. Uma irmã, prima, sobrinha, por exemplo.”
Fernanda aponta que a possibilidade de ter filhos é um fator crucial para o bem-estar e os planos de vida de uma paciente que deseja ser mãe. “A gente precisa respeitar a decisão dela. Se ela decidir que não deseja preservar, que não é o momento ou o objetivo dela, ok. Se ela decidir que sim, que faz parte do projeto de vida, para que, depois de curada, ela possa construir uma família, temos que ajudar no que for possível.” Poder sonhar e fazer planos para o futuro ajuda, inclusive, no tratamento. A médica aponta que, com a evolução das terapias, a taxa de cura tem crescido significativamente. “Depois de curada, essa mulher precisa seguir a vida, e ter a possibilidade de formar uma família, quando esse é o projeto de vida dela, é um fator que motiva o tratamento, dá forças para essa paciente seguir em frente.”