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Autor do tiro que matou professora na Marechal é condenado por homicídio culposo

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Parentes e amigos de Fabiana marcaram presença desde o início da manhã no Fórum (Foto: Leonardo Costa)
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O sargento reformado da Polícia Militar, Vanderson da Silva Chaves, de 48 anos, foi condenado por homicídio culposo, quando não há intenção de matar, pela morte da professora Fabiana Filipino Coelho, 44, baleada no abdômen na manhã do dia 20 de novembro de 2019, na Rua Marechal Deodoro, no Centro de Juiz de Fora. O caso foi julgado nesta quinta-feira (20), no Tribunal do Júri, e a sessão foi presidida pela juíza Joyce Souza de Paula. O período de reclusão ainda não foi definido, mas a pena para o crime no qual o réu foi condenado varia de um a três anos de detenção. A família da vítima, por meio do Ministério Público, pedia pela condenação do PM por homicídio por dolo eventual, ou seja, quando o agente não tem a intenção direta de causar a morte, mas assume o risco de produzir esse resultado ao realizar uma conduta perigosa. Se fosse condenado por esse crime, o réu poderia pegar até 20 anos de prisão.

À Tribuna, o promotor que acompanha o caso, Pedro Henrique Guimarães Costa, explicou que, em caso de crime culposo, há a possibilidade de oferecimento de benefícios para o réu. Entretanto, ele considera provável que o Ministério Público interponha recurso. “Essa decisão deve aguardar o trânsito em julgado, quando o Ministério Público vai examinar e provavelmente interpor o recurso cabível contra a própria decisão do Tribunal do Júri, pleiteando que o acusado seja submetido a um novo júri, entendendo que o julgamento foi arbitrário e não correspondeu à prova que foi produzida durante a instrução”, afirma.

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Caso o pedido de recurso seja negado, caberá ao Ministério Público avaliar se o réu terá algum benefício processual. “Caso não seja ofertado o benefício processual, a pena vai de um a três anos (de prisão) e vai ser deliberada por um juiz da vara criminal comum aqui de Juiz de Fora”, afirma Dias, lembrando que a decisão pela classificação como homicídio culposo teve a maioria mínima de 4 a 3. O réu continuará respondendo em liberdade até que a Justiça defina os próximos passos.

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Por meio de nota, o advogado da defesa Ulisses Sanches da Gama informou que “o Tribunal do Júri é um tribunal constitucional e soberano, que as decisões são respeitadas e que a tese defensiva acatada é a mais justa para o caso.”

A morte de Fabiana aconteceu enquanto ela fazia compras na véspera do aniversário do filho de 5 anos na parte baixa da Rua Marechal Deodoro. Para Daniel Marchi, marido da vítima, é preciso acreditar que, por hora, a justiça foi feita, mas ele afirma que a família continuará lutando pela condenação do PM dentro do quadro de homicídio doloso. “Só perdemos uma batalha, a guerra continua. Existe a possibilidade de ter um novo júri, então vamos seguir em frente.[…] Nosso objetivo é que o Estado dê a resposta necessária para uma situação dessas. Ainda mais considerando que os alunos da Fabiana estavam aqui, o que nós estamos negando é uma satisfação para uma geração de jovens que acompanharam o caso, que a conheceram, e que ficam, de certa forma, desesperançoso com o futuro do país e de como se aplica a legislação nesses casos.”

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Julgamento começou pela manhã

Na parte da manhã, foram ouvidas oito testemunhas e o réu, o qual foi pronunciado por homicídio com dolo eventual e responde em liberdade. Ele disparou contra um infrator em fuga naquela manhã, mas o tiro acertou a docente, que chegou a ser socorrida, mas não resistiu.

O marido de Fabiana foi uma das testemunhas a prestar declarações e conversou com a Tribuna no intervalo. “Estou muito confiante no trabalho do promotor e da defensoria pública, que está como assistente de acusação. É um trabalho arrojado e já reparamos que há inconsistência no depoimento (do réu). Temos que aguardar a deliberação dos jurados”. Para ele, o Ministério Público não insistiria em fatos que não tivessem acontecido. “Isso foi até objeto de recurso dentro do processo. Eles (defesa) queriam descaracterizar o homicídio com dolo eventual (para culposo), mas o Tribunal de Justiça de Minas confirmou. Estamos trabalhando em cima de fatos concretos, e não de uma vontade particular nossa.” Segundo ele, também houve tentativa de desaforamento do processo, por conta do clamor social causado pela morte de Fabiana. “O Tribunal entendeu que o júri de Juiz de Fora era competente para julgar o caso.”

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O réu, em seu depoimento, confirmou ter efetuado o disparo que causou o óbito da docente e relembrou os momentos daquele dia. Ele afirmou ter derrubado o infrator ao colocar o pé para interromper a trajetória de fuga dele pela Marechal, entrando em luta corporal e sendo esfaqueado no braço esquerdo pelo jovem. “Efetuei o disparo, até que ele soltou a faca, e um segurança pulou em cima dele.” O policial alegou que o rapaz corria com a faca na mão. “Minha intenção era detê-lo, porque iria esfaquear mais alguém. Jamais faria o disparo se não houvesse esse risco. Tinha tanta certeza que não iria errar. Foi uma fatalidade.” Atualmente, o então infrator está preso por outro delito, de tentativa de homicídio.

A sessão é presidida pela juíza Joyce Souza de Paula. Enquanto a acusação sustenta a tese de homicídio com dolo eventual, a defesa alega legítima defesa do réu e de terceiros, pedindo a reclassificação para homicídio culposo, quando não há intenção de matar. O delegado Rodrigo Rolli, responsável pelo inquérito que indiciou o sargento por homicídio culposo, foi ouvido e lembrou ter promovido a reconstituição do crime. “Não havia a intenção de retirar a vida da vítima” reafirmou.

As declarações prestadas no julgamento começaram pela mulher assaltada naquela manhã e pelo então adolescente de 16 anos, suspeito do roubo e que seria alvo do tiro disparado pelo policial em via pública, que atingiu Fabiana. Na sequência, também prestaram depoimento o marido da docente, dois policiais militares mobilizados na ocorrência, um terceiro PM aposentado que teria se encontrado com o réu naquela manhã e uma mulher que também fazia compras na Marechal.

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Alunos da Escola Normal comparecem a julgamento

Julgamento começou pouco depois das 9h no Fórum Benjamin Colucci (Foto: Leonardo Costa)

O plenário do Tribunal do Júri ficou bem movimentado durante o julgamento, e jovens alunos do Instituto Estadual de Educação (Escola Normal), onde Fabiana lecionava, ocupavam boa parte das cadeiras. A aluna Karen Maria, 18 anos, não chegou a ter aulas com a professora vítima de homicídio, mas teve conhecimento do caso e decidiu acompanhar a sessão com suas colegas. “É tudo muito misterioso, porque cada um fala uma coisa.”

O professor de História da mesma instituição, Fábio Augusto Machado, trabalhou com Fabiana entre 2016 e 2019 e falou da importância de mobilizar os estudantes. “A principal questão, que não está sendo abordada no julgamento, é sobre a conduta policial: como usam arma de fogo em local público, apontam em direção à população e puxam o gatilho. Enquanto professores de escola pública, pensamos muito sobre isso, em relação ao cotidiano que nossos alunos vivem na periferia. Desta vez, pegou uma colega de trabalho, uma professora, mas normalmente pega pobre e negro de periferia.”

Por coincidência, no dia da morte de Fabiana, a escola fazia um trabalho pelo Dia da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro. “Discutíamos o tema ‘Da Senzala ao Caveirão’, por conta da violência policial na periferia. Naquele dia, a Fabiana participou da atividade, despediu, por volta das 11h, e foi para a rua. Logo depois, chegou a notícia de que ela havia sido baleada.” O trabalho incluía flores de camélia branca, símbolo abolicionista do país. “Tínhamos confeccionado camélias para cobrir todos os corredores da escola, e cada aluno usava uma camélia na lapela. No outro dia, quando encerramos as atividades, os alunos recolheram as flores e fomos em passeata até a Marechal”, recorda Fábio, sobre a homenagem prestada. “Deixamos todas as camélia lá. A comoção foi total. Não só pelo motivo de ser uma vida, de uma professora, que tinha uma relação afetiva com eles, mas pelo o que estava acontecendo na escola. Para mim, foi a primeira vez que vi uma pessoa ser vítima de bala perdida da Polícia. Para os meus alunos, não.”

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Parentes e amigos usam blusa e pedem por justiça

Parentes e amigos de Fabiana chegaram ao Fórum Benjamin Colucci pela manhã usando camisas com a foto da professora estampada e o pedido de justiça. Uma prima da vítima, Raquel Souza Lima, era uma delas. “Nossos pais são primos, e nós éramos muito amigas, quase irmãs. Hoje é um dia aguardado, porque demorou muito, e é muito difícil, porque rememoramos tudo. Mas estamos na luta, a família tenta seguir em frente, aguardando que a justiça seja feita.” Ela classifica o caso como absurdo. “O militar reformado deveria ter conhecimento do risco que assumia quando sacou a arma em plena Marechal Deodoro.”

Outra prima de Fabiana, Carla Silveira Moreira, reflete que o crime “infelizmente, acabou com a vida da família toda”: “A mãe dela (de 81 anos) ficou arrasada e não conseguiu mais se recuperar. Nem consegue vir ao julgamento. Elas eram muito parceiras, moravam juntas. Esperamos por justiça.”

Para o Ministério Público, o réu assumiu o risco de matar ao ter efetuado o disparo que atingiu a docente em via pública, alvejando sua região lombar esquerda. Conforme a denúncia, momentos antes do crime, teriam ocorrido gritos de “pega ladrão”, e o sargento conseguiu derrubar o adolescente, mas acabou esfaqueado no braço esquerdo pelo infrator na tentativa de contê-lo. Já ferido, o PM acusado alega ter disparado para impedir a fuga do jovem, que conseguiu correr até ser novamente obstruído com um cone de sinalização utilizado por outro policial que estava junto com o denunciado. Nesse momento, o réu disparou com seu revólver calibre 32. No entanto, o tiro, em meio ao movimentado centro comercial, atingiu a docente, que lecionava no Instituto Estadual de Educação, no Centro, e na Escola Municipal Clotilde Peixoto Hargreaves, no Linhares, Zona Leste.

Debates

Na fase de debates, o defensor expôs ao júri popular, formado por seis mulheres e um homem, os argumentos sustentados pela acusação de que o réu deveria assumir a responsabilidade pela morte de Fabiana. “Não foi dolo direto. Naquele dia, o Vanderson não saiu de casa para matar Fabiana, mas, no momento em que fez o disparo, assumiu o risco de matar alguém. Se não fosse ela, poderia ser qualquer um de nós. Hoje, ao invés dos alunos de Fabiana e seus familiares, aqui poderiam estar os nossos. Aquele tiro poderia ter acertado qualquer um.”

Já a defesa reconheceu a culpa de Vanderson na morte da professora e alegou que ele irá pagar pelo crime cometido. “O que está em discussão aqui é o dolo que, de acordo com a lei, é a intenção de praticar ato criminoso, com consciência e vontade. Isso nunca ocorreu. Foi uma fatalidade, um erro de execução.”

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