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HPS atende mais de mil acidentados por moto em um ano

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Diariamente, o Hospital de Pronto Socorro (HPS) de Juiz de Fora atende, em média, três vítimas de acidentes de motos. Conforme levantamento divulgado pela Secretaria de Saúde, a pedido do jornal, foram 1.098 pacientes em 2017, e 361 até o dia 9 de maio deste ano. Embora não seja possível estimar quanto se gasta de recursos públicos para tratar estas pessoas, sabe-se que o investimento é alto. Na lista dos 25 procedimentos mais comuns a estes feridos, estão custos que variam de R$ 607 à R$ 1.817,45, sem contar a ocupação da UTI adulta, que exige dos cofres públicos R$ 478,72 por dia (ver quadro). De acordo com a pasta, cada acidentado pode se submeter a um procedimento, ou passar por uma dezena, de acordo com seu quadro clínico.

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O número de acidentados de motos em Juiz de Fora deve ser analisado de duas formas. Se de um lado existe imprudência de parte dos motociclistas, do outro a falta de respeito de condutores de outros veículos também é flagrante. Para mostrar isso, a Tribuna percorreu, de moto, os principais corredores de tráfego do município no início deste mês, registrando todos os momentos através de duas câmeras. Em horário considerado de pico, o repórter e o fotojornalista trafegaram por avenidas como a Itamar Franco, Getúlio Vargas, Francisco Bernardino, Olegário Maciel e Rio Branco, além das ruas São Mateus, Barão de Cataguases e Padre Café.

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A experiência da equipe do jornal, sobre a moto, foi feita entre os dias 9 e 10 de maio, em horários distintos. Neste período, chamaram atenção as ocasiões em que os motociclistas se colocaram em risco ao trafegar entre veículos maiores, com constantes trocas de pista sem a devida indicação e o uso dos corredores nitidamente estreitos.

Espaço entre carros de passeio é disputado por outros modais, como as bicicletas, cujos ciclistas se arriscam em meio ao tráfego confuso (Foto: Fernando Priamo)

Mais do que se colocar em risco, o condutor da moto também é um observador das infrações de trânsito, que ocorrem a todo o momento, por outros modais. Bicicletas e carros avançando sobre pedestres em faixas de circulação, avanço de semáforo praticado por automóveis foram alguns dos flagrantes feitos pela reportagem.

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Embora as vias da cidade sejam muitas delas estreitas, os corredores imaginários de motos, entre as duas faixas de circulação, são explorados até mesmo em áreas nitidamente inseguras. Segundo o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), usar este espaço entre veículos não é uma infração de trânsito, desde que as medidas de segurança sejam adotadas. Porém, não existe um espaço regulamentar caracterizado como seguro. Na prática, qualquer área, até a mais estreita, é considerada oportunidade por muitos motociclistas, como a reportagem constatou. Adotando critério de segurança, durante o percurso, a equipe usou dos corredores somente quando não havia veículos em movimento.

Na Avenida Itamar Franco, moto da reportagem para na travessia de pedestres, enquanto carro avança sobre a faixa (Foto: Fernando Priamo)

Gastos em 2018

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De acordo com a subsecretária de Urgência e Emergência da Secretaria de Saúde, Adriana Fagundes, o acidentado de moto, que chega ao HPS, fica, em média, internado por cinco dias, totalizando um custo estimado de R$ 1.500. No entanto, há os extremos, como o caso do paciente que, em 2016, precisou ficar na unidade hospitalar por quatro meses, custando quase R$ 30 mil aos cofres públicos. “Se levarmos em conta esta média, e os 361 atendimentos (até 9 de maio), estamos falando de R$ 541.500, valor que pode ser ainda maior. E não estamos considerando o tratamento com fisioterapia, que é posterior, nem os gastos sociais, como é o caso do auxílio-doença.”

Adriana explicou que a média de três atendimentos, por dia, também se mostra fora da realidade em muitos momentos. “Nos horários de pico, quando o trânsito está cheio e os corredores de motos mais utilizados, chegamos a atender três ou mais simultaneamente.”

O atendimento ao acidentado de moto, no HPS, exige esforços de toda uma equipe de saúde, que poderia estar sendo utilizada para desafogar filas e reduzir o tempo de espera na porta de entrada. Entre estes profissionais, Adriana destacou, além dos médicos, os enfermeiros, técnicos de raio-x, nutricionistas e funcionários dos laboratórios e de higiene e limpeza. “O HPS precisa estar disponível, 24 horas por dia, para receber este tipo de acidentado, com cirurgiões e ortopedistas de plantão, além de clínicos. É um custo alto, que poderia ser reduzido se o trânsito fosse mais seguro e se todos os atores praticassem direção defensiva e seguissem as regras.”

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Tragédias

No cruzamento das avenidas Rio Branco com Floriano Peixoto, carros avançam sinal para fazer conversão, mostrando que abusos vêm de todos os lados (Foto: Fernando Priamo)

Foi no corredor de circulação de motos que uma jovem, de 22 anos, perdeu a vida no último dia 2, em plena Avenida Rio Branco, quase na interseção com a Rua Doutor Romualdo. De acordo com as informações policiais no boletim de ocorrência, ela teria se desequilibrado enquanto dirigia entre um carro e um caminhão.

O veículo mais pesado passou pela roda traseira sobre seu corpo, provocando o óbito. Em outro acidente emblemático, mas registrado ano passado, dois motociclistas bateram de frente, resultando na morte de um deles.

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A ocorrência foi registrada na noite do dia 24 de agosto, na Rua Luiz Rocha, Bairro Eldorado, Zona Nordeste. A Tribuna solicitou à PM, com antecedência, informações sobre os registros de acidentes e mortes envolvendo motos na cidade a partir de 2017, mas não obteve retorno.

Frota de motos mais que dobra em dez anos

A frota de motos em Juiz de Fora está em crescimento exponencial. Nos últimos dez anos, conforme dado do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), o aumento foi de 116,9%, saltando de 16.458 para 34.744 o número de emplacamentos registrados no município. Em igual período, a frota como um todo cresceu 81%, chegando aos atuais 262.851 veículos. Se considerar que o município tem aproximadamente 559 mil habitantes, conforme dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existe praticamente um veículo motorizado para cada dois moradores. A falta de espaço para todos no trânsito é evidente, tornando a condução em duas rodas um atrativo, mas ao mesmo tempo com perigo potencializado.

Na avaliação do gerente do setor de Fiscalização da Settra, Paulo Perón, a impressão é que há, em circulação, ainda mais motos no município, em razão da chamada frota flutuante, formada por veículos emplacados em outros municípios, mas que usufruem do trânsito local. Segundo ele, a questão do corredor de tráfego impede uma ação mais enérgica dos agentes, uma vez que não existe proibição da prática pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB). A regra, aliás, já esteve ativa, mas foi revogada após mudança de lei assinada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Mesmo assim, ele considera que outras autuações são possíveis. “Existem outras infrações que eles podem estar cometendo e nos atentamos, como são os casos da mudança de faixa de circulação sem a sinalização com antecedência e a conduzir ameaçando motoristas e pedestres.”

A relação entre motoristas de carros e motociclistas é outro ponto destacado por Perón. Segundo ele, existe um conflito, mesmo que velado, entre os diferentes atores no trânsito, o que é um equívoco. “É uma tremenda bobagem, porque estamos falando de pessoas. Não é a moto contra o carro, e nem o motociclista contra o motorista. São dois atores do trânsito, que necessitam do deslocamento para suas atividades e, por isso, não há porquê existir disputa de espaços. Falta respeito entre todos.”

Para a doutora em ciências sociais Andréia Santos, especialista em violência no trânsito, esta disputa entre modais existe. “As pessoas são individualistas. Quando estou a pé, quero meus direitos garantidos. Quando estou de carro, os meus direitos de condutor, e assim por diante. Não agimos no aspecto coletivo, pois isso não é ensinado. Na autoescola, não aprendemos as regras de respeitabilidade, e o resultado é um trânsito egoísta.”

Imprudência x motociclistas

Outro mito que deve ser derrubado, conforme Perón, é o fato de generalizar o motociclista como imprudente. Isso porque existem aqueles que fazem a condução de modo consciente e adotam as medidas de segurança necessárias. “Existem aqueles que, por exemplo, ocupam o seu espaço na faixa e só fazem o uso dos corredores quando não há veículos em movimento. Esta é uma atitude de direção defensiva, que deveria ser mais explorada.” Neste caso, ele cita o acidente da jovem na Avenida Rio Branco, no início do mês, que estava no corredor quando teria desequilibrado e esbarrado no caminhão. “Muitas vezes, não é maldade do motorista, mas sim não observar a presença de uma moto por estar em ponto cego no retrovisor. Se respeitarmos o espaço de cada um, vamos ter um trânsito mais seguro.”

Impacto na saúde é ‘ponta do iceberg’

Para a doutora em sociologia e especialista em violência no trânsito Andreia Santos, que é professora da Pontifícia Universidade Católica em Belo Horizonte (PUC/MG), as despesas na área da saúde, em razão de acidentes com motos, são apenas uma das que devem ser consideradas nos gastos públicos. Segundo ela, é preciso avaliar, também, outros impactos, como das demandas judiciais e os gastos no sistema de seguridade social. “A saúde é uma pontinha de um iceberg muito mais extenso. Quando não trabalhamos com a administração pública de forma eficiente, para trazer estes cálculos, não resolveremos o problema. É preciso considerar a necessidade de investir em educação no trânsito, afinal, mais de mil vítimas das motocicletas, apenas em JF, não pode ser algo chamado de acidente. Não é possível que tenhamos tantos eventos aleatórios que resultem nesta estatística”, avaliou. De acordo com a especialista, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê ações efetivas e preventivas contra acidentes, com campanhas e outros investimentos, mas isso não é feito. “Para isso, o código não está defasado, só não é aplicado.”

Andreia, que é de Juiz de Fora, mas vive em Belo Horizonte, disse que esteve na cidade há um mês e ficou impressionada com a saturação dos principais corredores viários. Segundo ela, em poucos minutos no Centro, soube de dois acidentes na Avenida Rio Branco. “A Rio Branco está saturada como corredor, e defasada em termos de engenharia de tráfego há pelo menos 15 anos, e isso sendo muito generosa.”

Investimento em educação

Na avaliação da especialista, para reduzir o número de acidentes, o investimento em educação no trânsito é necessário, assim como o incentivo ao transporte público de qualidade. Para ela, enquanto for mais atrativo conduzir uma moto a sair de casa de ônibus, não será possível reverter o quadro. Entretanto, é preciso, segundo Andreia, colocar outros quesitos nesta conta, como o risco à vida quando a condução é perigosa e o motociclista não investe em equipamentos de segurança de qualidade. “A Colômbia resolveu questões de trânsito com educação e vontade política, por que a gente não consegue seguir este caminho? Na Europa, por exemplo, as pessoas não compram mais carro, porque custa caro. Em Juiz de Fora, acho um absurdo as pessoas irem ao Centro de outra forma senão de ônibus, mas isso mostra que o transporte não agrada.”

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