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Clínica de Direitos oferece assistência para grupos vulneráveis

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Colocar a universidade na vanguarda de ações que envolvam a garantia e a proteção de direitos fundamentais, com olhar multidisciplinar sobre as questões e priorizando demandas que terão impacto social. Esse é o mote que deverá seguir a Clínica de Direitos Fundamentais e Transparência, criada como projeto de extensão da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que irá trabalhar para ofertar assistência jurídica a grupos vulneráveis, a fim de que este público tenha acesso aos próprios direitos. O coordenador do projeto e professor da Faculdade de Direito, Bruno Stigert, pontua que, ao partir para a defesa das minorias pelas vias legislativas ou judiciais, a clínica vai monitorar os poderes públicos, principalmente o Executivo e o Legislativo, no que diz respeito às suas decisões acerca dos direitos fundamentais.

Grupo é formado por universitários que atuam no atendimento e na orientação ao público-alvo; estudantes têm a oportunidade de se aprofundarem no conhecimento dos direitos fundamentais por meio do projeto (Foto: Olavo Prazeres)

Esse tipo de atuação já existe em outras universidades, como nas federais de Minas Gerais (UFMG) e do Rio de Janeiro (UFRJ) e também na Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), nas quais as clínicas vêm exercendo seu papel em grandes casos no país. “O monitoramento que pretendemos fazer acontece na produção legislativa, onde a clínica fica atenta aos atos do Poder Legislativo local, estadual e federal, com a eventual propositura de ajuste ao que está sendo proposto. Caso isso não seja possível, poderemos demandar, judicialmente, solicitando a declaração de inconstitucionalidade da lei”, explica Stigert. Os atos do Poder Executivo também serão alvo dessa fiscalização, sobretudo no que tange as execuções de políticas públicas locais. “Num primeiro momento, visamos a um diálogo com as instituições, uma vez que temos material humano extremamente qualificado, plural e competente. Esse material humano são os acadêmicos de Direito, de Psicologia, de História e de Medicina, que se debruçam sobre as questões e oferecem pareceres, memoriais e manifestações técnicas sobre questões relevantes de direitos fundamentais”, destaca o professor.

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Os grupos vulneráveis são o público-alvo para o qual a clínica pretende direcionar seus atendimentos. “Percebemos como grupo vulnerável aquelas pessoas que possuem direitos previstos na Constituição e que possuem características subjetivas peculiares, como os negros, as mulheres, os LGBTTI, os quilombolas, os índios e as pessoas de determinados cultos religiosos. Apesar de haver proteção desses direitos na Constituição, eles não são garantidos numa dimensão adequada, porque compõem uma esfera de minorias culturais. Todos os poderes são majoritários. O Legislativo e o Executivo são eleitos por voto majoritário, o Judiciário nem é eleito. Então, de um modo geral, a política funciona atendendo interesse das maiorias, e as minorias acabam sendo deixadas de lado no processo legislativo e na execução das políticas públicas. Nosso maior objetivo é fazer uma intervenção nesse cenário”.

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Impacto social e atendimento multidisciplinar

Na visão da coordenadoria do projeto e dos acadêmicos que fazem parte dele, é preciso ter o entendimento de que a Clínica de Direitos Fundamentais e Transparência irá dar prioridade para as demandas que terão impacto social em média e larga escala. Isso significa dizer que o projeto pretende atuar em casos que possam reproduzir os mesmos direitos para pessoas que estejam vivenciando a mesma situação. “Ou seja, para todos os idosos que têm direitos violados, para todas as crianças portadoras de necessidades especiais e assim por diante. Nossa prioridade é compreender a dimensão de uma violação de direitos fundamentais em escala média ou grande, que chamamos de massiva, e, a partir dessa constatação, atuar”, afirma Bruno Stigert.

Ele adianta que o grupo, atualmente, trabalha na prestação de auxílio jurídico a uma mulher transexual, que tem a sua mudança de registro civil negada por um cartório. “Mesmo havendo resolução do Conselho Nacional de Justiça e decisão do Supremo Tribunal Federal, o aparato burocrático dificulta o acesso dessas pessoas aos direitos que elas possuem”, destaca o professor.

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Segundo Stigert, para o atendimento do caso que envolve uma pessoa transexual, a clínica conta com um quadro multidisciplinar. “Nossa abordagem precisa de pessoas com competências médicas, psicológicas e outras competências para receber esse público da forma que merece. Tendo em vista o seu sofrimento, a sua dor, o dano que lhe foi causado e, a partir dessa abordagem, deixar essa pessoa à vontade para dizer como se sente, como percebe a violação de seu direito e até mesmo para sabermos até que ponto podemos ajudá-la. Por esta razão, essa abordagem multidisciplinar é fundamental, porque cada indivíduo é um e tem a percepção do seu sofrimento e da sua dor e, muitas vezes, o Direito sozinho não dá resposta adequada para essas questões”.

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O professor também lembra que, quando a clínica estava em processo de criação, numa fase de experimentação, ainda em 2018, um caso teve a atenção do grupo. “A situação já vinha sendo objeto de monitoramento da imprensa local, especialmente da Tribuna de Minas, e tinha relação com o projeto Infância sem Pornografia proposto por um vereador local e já estava em situação de apreciação de veto ou não pelo prefeito. Dialogamos com o corpo jurídico da Prefeitura no sentido de entender que em tal projeto havia dispositivos que violavam a Constituição. A partir desse diálogo, a Procuradoria Geral do Município produziu um parecer pedindo veto de quatro artigos. O veto foi derrubado, mas o autor do projeto fez um substitutivo tirando os artigos controversos e deixando só os incontroversos”, lembra o coordenador, acrescentando: “O interessante neste caso é que o diálogo institucional proporcionado pela clínica, lá no seu surgimento, fez com que o Executivo tivesse atenção especial com aquela demanda e desempenhasse a sua função de controle externo aos atos do Poder Legislativo, fazendo com que um projeto de lei, nitidamente, inconstitucional fosse transformado em constitucional e aprovado sem os artigos que violavam direitos fundamentais de professores, de grupos culturais e religiosos específicos.”

Como ter acesso à clínica
Pessoas que tenham demandas e que percebam que sua situação é vivenciada por um grupo podem procurar a clínica, que funciona na Avenida Itamar Franco 998. O atendimento acontece às terças e quinta-feiras, de 13h às 17h. O telefone para contato é 3215-5654 e existe a possibilidade de agendamento. A clínica também está no Instagram e no Facebook. “Estamos ligados e atentos a qualquer tipo de manifestação, de denúncia, de questionamento, de dúvida, de possível agendamento, tendo em vista que o atendimento será de acordo com a demanda da pessoa e suas características subjetivas e identitárias. É importante que a gente faça essa marcação adequada, para que nosso grupo multidisciplinar se mobilize para esse atendimento diferenciado”, enfatiza Stigert.

Prática e garantia dos direitos

O projeto de extensão conta com a participação de 20 estagiários que se mostram comprometidos com os direitos fundamentais dos grupos minoritários. Para o professor Bruno Stigert, esses estudantes possuem ideais e enxergam na Clínica de Direitos Fundamentais e Transparência a possibilidade de colocar em prática todo o discurso jurídico que aprendem na faculdade. “Percebo que o único espaço possível para isso acontecer são as universidades públicas. E sou audacioso ao dizer isso porque nenhuma universidade privada vai querer se indispor com o Poder Público. Então, a universidade pública, pela autonomia que possui, pode oferecer esse tipo de projeto onde jovens corajosos e com ideal se unem ao requisito técnico e aprendem a trabalhar tecnicamente. Mas, acima de tudo, estão preocupados com um país mais justo, mais solidário, menos desigual e que, portanto, seja uma comunidade política boa para todos os seus membros”, orgulha-se o coordenador do projeto.

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Felipe Kelly, de 22 anos, estudante do 3º período de Direito, conta que se interessou por sua participação na clínica pelo fato de poder se aprofundar no direito constitucional com foco nos direitos fundamentais. “Temos a possibilidade de conversar com as pessoas que são as responsáveis por fazer funcionar o que está escrito no papel. Temos o objetivo de trabalhar em todos os níveis, desde a criação da lei e até a sua efetivação por parte do Executivo. Nossa Constituição abrange diversos grupos e, por isso, seu nome é Constituição Cidadã, mas, na realidade, ela não é assim. Está escrito e, quando a pessoa vai buscar o direito, não consegue. Assim, é bom poder colaborar para que os cidadãos tenham esse acesso”, afirma o universitário.

Já a aluna Taís Alvim Vasconcellos, 19, também do 3º período de Direito, diz que ampliar vozes abafadas é o que a levou escolher o curso de Direito e a ingressar no grupo. “É uma forma de a gente conseguir dar voz a grupos que nem sempre são ouvidos ou nem sempre estão em posição de conseguir falar. Como mulher, acho que é uma forma de buscar voz neste mundo onde, geralmente, quem fala são os homens. Acho que estou numa posição de privilégio, porque consigo colocar minha opinião política e debater, pois, quem está no poder nas instituições públicas também são homens. Então eu consigo debater e expor minhas necessidades como mulher no mundo e, assim, dar voz a muitas outras também.”

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