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Submoradias na região central de JF evidenciam condições de vida da população de rua

MORADIAS VULNERAVEIS VAGAO NO DNAR ROCHA 2 Felipe Couri

Vagão do "Trem de Prata", que já abrigou o Museu do Rádio na antiga Estação Mariano Procópio, é moradia de pessoas em situação de rua há anos (Fotos: Felipe Couri)

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Vagão do "Trem de Prata", que já abrigou o Museu do Rádio na antiga Estação Mariano Procópio, é moradia de pessoas em situação de rua há anos (Fotos: Felipe Couri)
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Entre a rua e as casas, muitas vezes em calçadas, debaixo de viadutos ou na beira do rio, vive uma população que sobra. Não conseguiram lugar no sistema produtivo e, sem renda, também não têm onde morar. É recorrente ver em qualquer região de Juiz de Fora pessoas vivendo em situação de rua. Segundo o censo divulgado pela Prefeitura (PJF), em parceria com a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), atualmente 805 cidadãos estão nessas condições na cidade.

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A ausência de moradia afeta cada sujeito de forma única, como mostram dados do censo. A maior parte dessa população, 46,3%, dorme nos equipamentos de acolhimento oferecidos pela Prefeitura. Os demais, ou dormem esporadicamente nos abrigos oficiais, ou ficam pelas ruas. Há também os que se fixam em um lugar e constroem moradias vulneráveis para sobreviver.

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A Tribuna percorreu, na última semana de outubro, a região central de Juiz de Fora e encontrou, ao menos, seis situações do tipo. São pessoas que levantaram tendas no passeio público, nas margens do Rio Paraibuna, ou construíram um barraco precário em uma encosta na beira da estrada. Há também aqueles que se instalam sob viadutos ou em terrenos públicos, como no vagão de trem estacionado no Centro Cultural Dnar Rocha.

Por mais que esses sujeitos sejam considerados pessoas em situação de rua, eles possuem hábitos particulares. Há um certo apego e pertencimento ao local. Alguns estão há anos na mesma habitação. Para a professora da Faculdade de Serviço Social responsável pelo censo, Viviane Pereira, as pessoas que constroem submoradias nas ruas possuem um padrão diferente de comportamento, pois tentam reproduzir algum modelo de normalidade. “Eles procuram uma certa rotina, saem, fazem seus ‘corres’, trabalhos informais, voltam, se alimentam naquela tenda. Existe toda uma vida padronizada dentro do que você consegue reconstruir na rua.”

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Viviane ainda afirma que esse tipo de comportamento é mais comum em pessoas em situação de rua que estão há mais tempo fora de casa. Conforme explica, estudos mostram que a possibilidade de sair da vida das ruas é maior para os recém-chegados. “Os que estão nessa condição há mais de cinco anos dificilmente conseguem fazer o caminho de volta. Porque quanto mais ela fica na rua, pior é a condição de vida dela, de saúde física e mental. Provavelmente esse é o caso dessa população que vive em submoradias, vão criando novas relações e fazendo uso da rua de forma privada.”

 

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Menos de 29% da população de Juiz de Fora é ocupada

Dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2020, apontam que, em Juiz de Fora, a população ocupada representa 28,8% da força de trabalho, ou seja, pessoas que têm idade para trabalhar a partir de 14 anos _ nesse número entram empregados com e sem carteira, dos setores privado e público, e também trabalhadores por conta própria. O valor está abaixo da média nacional, que é estimado em 57,1%, conforme dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua).

Conforme a pesquisadora e professora da Faculdade de Serviço Social, Elizete Menegat, esses números evidenciam uma grande massa de pessoas desocupadas em Juiz de Fora. A diferença, para o IBGE, entre pessoas desocupadas e desempregadas é que a pessoa desempregada ainda está dentro da força de trabalho, ou seja, à procura de emprego. Já os desocupados são aqueles que desistiram ou não têm condições de procurar uma vaga no mercado.

Elizete, que vem acompanhando os dados da população desocupada em Juiz de Fora, afirma que nos últimos anos o percentual de inativos cresceu de maneira exponencial. “Essa população, sem acesso ao trabalho, vai procurar possibilidade de sobrevivência nas periferias. Mas com esse crescimento, é de se esperar que essa população, inclusive, ‘vaze’ das favelas.” O aumento da pobreza ocasiona o inchaço desses complexos habitacionais mais vulneráveis, fazendo com que surjam “favelas dentro das favelas”. “Áreas onde a escassez é ainda mais evidente, o que ocasiona uma maior violência e vulnerabilidade. Ir para a rua e se instalar nos centros urbanos acaba sendo uma opção para parte dessas pessoas que se encontram no limite.”

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Diferente dos desempregados, parte da população desocupada não possui recursos que a possibilite procurar uma oportunidade de emprego. “O desempregado ainda tem algum recurso, vindo da família, por exemplo, que o permite ter dinheiro para pegar um ônibus, entregar currículo, tomar banho, fazer uma refeição. Coisas que, para um segmento cada vez maior, tem se tornado escasso.”

Produtos do sistema

Para Elizete, as pessoas em situação de rua são produtos do sistema vigente que alcançou seu nível máximo de expansão. “Não há mais espaço para essas pessoas serem absorvidas pelo sistema. Não há emprego, fonte de renda, e com isso elas não conseguem se inserir novamente no contexto social.” A pesquisadora ainda aponta que os programas sociais, apesar de necessários, não dão conta de resolver o problema.

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“Não tem nenhum lugar do mundo em que os programas sociais deem conta dessa situação. O Brasil é um dos países com formas mais interessantes de oferecer recursos monetários à população carente, como o Bolsa Família, por exemplo. Mas são programas insuficientes. Vivemos em uma época de crise e temos que começar a perceber nossa época como uma época de crise. Uma crise cujos horizontes de resolução estão muito distantes, se é que existem.”

Aumento de 110% da população em situação de rua

O número de 805 pessoas em situação de rua representa 6,7% da população total de Juiz de Fora. No entanto, o dado mais alarmante divulgado pelo censo foi a taxa de crescimento de 110% observada em comparação a 2016, último ano no qual a pesquisa foi realizada. Para a professora do departamento de geociências da UFJF e coordenadora do Núcleo de Pesquisa Geografia, Espaço e Ação (NuGea/UFJF), Clarice Cassab, esse aumento significa mais pessoas que estão sujeitas a condições extremas de violação de direitos.

“Especialmente daqueles ligados ao direito de habitar. O que implica não apenas ter um teto, mas ter direito a acessar os benefícios e oportunidades existentes na cidade. Esse crescimento indica a necessidade de um olhar atento a essa situação, assim como a realização de políticas públicas, nas mais variadas escalas, que possam frear esse crescimento.”

Clarice ainda aponta que a presença de pessoas na rua é um produto das desigualdades estruturais da sociedade e que para resolver essa situação não basta apenas construir novas casas. “É preciso garantir uma série de direitos que garantam o habitar digno. Implica, portanto, uma atuação multissetorial, integrada e multiescalar, que passa pela geração de emprego e renda, acesso à saúde, ao lazer e à cultura, à educação, ao direito à mobilidade urbana, à alimentação e a tantos outros direitos.” Sendo assim, a pesquisadora ressalta a importância de uma política habitacional que dê conta de todos esses setores, e que seja integrada para incorporar realidades distintas da cidade.

Plano de Habitação desatualizado há 16 anos

Com objetivo de pensar políticas públicas em um viés mais amplo, entre 2006 e 2007, um grupo de pesquisadores do Centro de Pesquisas Sociais da UFJF levantou dados para elaboração de um diagnóstico habitacional da cidade. Desta pesquisa foi elaborado o Plano Municipal de Habitação de Juiz de Fora. Em 2009, ele foi aprovado pelo Conselho Municipal de Habitação (CMH), mas não chegou a ser homologado.

Na época, o déficit habitacional básico do município era de mais de dez mil moradias. Dados mais recentes do IBGE, de 2019, dão conta que na cidade existem 16.112 famílias em situação de déficit habitacional. Para além da população em situação de rua, o índice leva em conta pessoas em moradias precárias, em coabitação e em habitações com altos custos de aluguel em relação à renda dos moradores. Clarice Cassab reforça a importância de atualização da pesquisa para que políticas eficientes sejam propostas. “A atualização desse dado é imprescindível para o melhor reconhecimento da situação habitacional do município, bem como para a elaboração de políticas públicas de enfrentamento à questão habitacional e seus desdobramentos.”

Questionada sobre esse aumento da população em situação de rua na cidade, a Prefeitura de Juiz de Fora afirmou, em nota, que a presente Administração vem priorizando o tema da população em situação de rua na cidade. O novo censo, segundo a PJF, é uma ferramenta fundamental para a “proposição de políticas”. Sobre a atualização do Plano Municipal de Habitação, o Executivo afirmou que está em processo de avaliação no Conselho Municipal de Assistência Social um novo plano para tratar especificamente da população em situação de rua e que, quando aprovado, terá o cronograma de implementação divulgado.

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