Ícone do site Tribuna de Minas

Marcha lembra o Dia da Consciência Negra e clama por visibilidade e respeito

Foto: Leonardo Costa
Foto: Leonardo Costa
PUBLICIDADE

Corrigido em 22/11, às 14h53 

 

PUBLICIDADE

Dalmaci Oliveira faria outra coisa na manhã deste sábado (19), mas logo cedo vestiu-se de branco, colocou seu colar de contas laranjas no pescoço, um lenço em vermelho e azul na cabeça e saiu à luta. Do alto do pequeno carro de som da 5ª Marcha Axé Zumbi, era Dalmaci de Oyá, a ialorixá que comanda um terreiro em Santa Luzia. Ainda que a agenda lhe convidasse para outros destinos, desceu a Rua Halfeld, ao som de batuques e tambores, bradando por sua existência, tanto como a negra Dalmaci Oliveira quanto como a mãe de santo filha de Oyá. “Não cobramos nada, não estamos brigando, apenas dizendo que existimos e também temos Deus no coração. O mesmo Deus dos católicos, dos evangélicos e de todas as outras religiões”, defende a mulher que fazia coro por respeito e dignidade numa esvaziada marcha que precede o dia de Zumbi dos Palmares, sancionado pelo prefeito como feriado, revogado na última semana de setembro, após ação movida pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg).

PUBLICIDADE

“Minha surpresa foi aprovar essa lei, tanto na Câmara dos Vereadores quanto na Prefeitura. Retirá-la de cena não me assusta, porque é a cara de uma cidade que não promove a igualdade racial. Juiz de Fora prefere a Belle Époque a assumir seu passado colonialista, que fez daqui um dos maiores entrepostos de escravos no Brasil. A colonização europeia, como destaca a história oficial, é só mais uma forma de optar pelo silenciamento de alguns”, reflete a militante Giane Elisa Sales de Almeida, integrante do coletivo Candaces, de mulheres negras. Uma das pouco mais de 50 pessoas que se reuniram para a marcha, Giane ressalta as frequentes tentativas de desarticulação de um movimento frequentemente perseguido pelos discursos radicais e racistas que pouco a pouco crescem ao redor do mundo.

“As escolas dizem que viemos para cá como estrangeiros, mas sempre estivemos aqui, ajudamos a construir esse país”, defende Flavinho da Juventude, que deu o tom do evento cantando sua escola do coração e outros sambas que fizeram história na cidade. “É importante mostrarmos para Juiz de Fora que essa cidade não está apartada das recentes manifestações contra o racismo e pela igualdade religiosa”, pontua Paulo Azarias, coordenador do Movimento Negro Unificado (MNU), citando um episódio que, segundo ele, demonstra a institucionalização da intolerância. Este ano, quando organizavam o tradicional evento Feijão de Ogum, que reúne um expressivo público para palestras de conscientização acerca da situação do negro e uma feijoada, Paulo e seus companheiros de militância tiveram seu pedido de utilização de uma escola estadual negado pela Superintendência de Educação do Estado.

PUBLICIDADE

(Ao contrário do que foi informando anteriormente, foi a Superintendência de Educação do Estado que negou a realização do evento Feijão de Ogum em uma escola estadual, e não a rede municipal. Também não procede a informação de que o evento era realizado todos os anos em uma escola municipal)

Num cenário de tamanha agressividade com as religiões de matrizes africanas, que resultou em terreiros incendiados pelo Brasil, de onde surge a coragem para que candomblecistas e parceiros religiosos cuja fé tem sua raiz na África saiam às ruas? “Minha coragem brota de minha informação que me impede de ter preconceito e me induz a defender minha prática. Estou vestida exaltando minha fé, enaltecendo meu Deus que não é diferente do de ninguém. Posso andar pela cidade vestida assim, e as pessoas me olharem com admiração, o que me fortalece, mas, para os olhares de desprezo, não me abalo”, responde Dalmaci de Oyá. “É mesmo a nossa fé que nos encoraja a mostrar a cara e pedir por respeito”, completa Azarias.

PUBLICIDADE

Para Giane Elisa, mais que um discurso afirmativo, ganhar as ruas é uma forma de ocupação e dignidade. A cada um, “a parte que te cabe deste latifúndio”, quer dizer a mulher acostumada a ser enxergada de maneira enviesada. “Esse lugar do corpo negro que busca por voz não corresponde ao lugar da subalternidade que lhe é oferecido. Afirmar-se em trança, rasta ou black incomoda. Querem nos ver animando festa, batendo tambor, mas não respondendo como intelectualidade”, analisa Giane com seus longos cabelos rastafári e sua blusa na qual o desenho de uma mulher negra lhe ajudam a dizer: “Aqui estou e aqui permanecerei.”

Sair da versão mobile