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Carona: saiba quando a prática é estimulada e quando se torna ilegal

interface de aplicativo de carona
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O “dedão” – gesto de joinha na horizontal apontando a direção para qual se pretende ir – não é mais o único jeito de se pegar carona. Cada vez mais surgem alternativas que buscam reduzir a distância entre condutores e passageiros com destino de viagens em comum, seja por meio de grupos de carona nas redes sociais ou aplicativos.

Se a perspectiva dos viajantes é a estrada, o meio para percorrê-la tem passado por modificações que vislumbram, principalmente, a economia e a praticidade. No entanto, existem deturpações no que seria a “carona solidária” e os limites para que ela se torne clandestina.

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Segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), responsável por regular e fiscalizar o serviço de transporte interestadual de passageiros nas estradas, a carona compartilhada de forma solidária por pessoas que têm o mesmo destino é uma prática incentivada.

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O problema, entretanto, é quando o gesto se torna um serviço que visa ao lucro. “Os aplicativos (ou pessoas) que cobram para a realização do transporte estão sujeitos às mesmas penalidades aplicadas ao transportador clandestino, comumente chamado de pirata”, explicou o órgão à reportagem.

Os “piratas” são aqueles que buscam passageiros em terminais rodoviários, paradas de ônibus ou redes sociais, “cobrando um valor a título de passagem”. Nestes casos, o flagrante da prática tida como ilegal – uma vez que visa ao lucro – pode render punições estabelecidas pela legislação.

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Conheça as regras

Os aplicativos (ou pessoas) que cobram para a realização do transporte estão sujeitos às mesmas penalidades aplicadas ao transportador clandestino, comumente chamado de ‘pirata’, segundo a ANTT (Foto: Felipe Couri)

A fim de exemplificar o regimento e as nuances da modalidade é possível observar o que ocorreria em uma viagem de carro entre cinco pessoas. Ao calcular, de antemão, a quantidade de gasolina em relação aos km percorridos e o quanto ela custaria, o valor seria repartido para todas as pessoas de forma igualitária. Com isso, o dinheiro em questão seria para suprir o custo não havendo margem de lucro.

Ao contrário da legalidade deste caso, outro que não seria autorizado também pode ser identificado. Se o motorista, na hora de dar carona para as outras quatro pessoas, exigisse determinado valor, visando a tanto o pagamento da gasolina quanto uma margem (seja pequena ou elevada) de lucro, torna-se ilegal. Neste caso, o condutor se colocaria na posição de “prestador de serviço e, para tal, é necessário devida autorização prévia do Poder Público”.

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Para a ANTT, a carona solidária parte do princípio, inclusive, de uma relação de proximidade entre as pessoas envolvidas. Por isso, para identificar possíveis irregulares, é feita fiscalização em pontos estratégicos das rodovias. A verificação é feita através de uma série de perguntas.

A entrevista com os ocupantes do veículo segue um protocolo que visa a checar se o transporte é feito com obtenção de lucro. Caso seja constatado que sim, a resolução da ANTT estabelece que o veículo seja apreendido por, no mínimo, 72 horas. O meio de transporte fica então retido em um pátio credenciado, conforme esclarece a agência.

“Para a liberação (do veículo) deverão ser apresentados comprovantes dos bilhetes de passagem emitidos para todos os passageiros (origem ou destino), bem como a quitação de despesas referentes à alimentação e/ou hospedagem quando for necessário”, finaliza.

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Dados disponibilizados pela ANTT à Tribuna informam que, somente entre o período de janeiro a 30 de abril deste ano, foram apreendidos 50 veículos em Minas Gerais (entre carros, caminhões, vans e outros) realizando transporte interestadual irregular de passageiros.

O número é quase o dobro do verificado no mesmo período do ano passado, quando aconteceram 26 apreensões. Já em todo o ano de 2023, o estado teve 148 ocorrências neste sentido. Uma atenção a essas taxas é que elas se referem a vários tipos de veículo, não tendo recorte para a modalidade de carona com obtenção de lucro.

Aplicativos de carona não regulados

Aplicativos usados para mediar caronas, entretanto, não podem ser regulados pela ANTT. Isto porque a agência tem atuação apenas no que se refere a prestadoras de serviço de transporte interestadual de passageiros e os “apps” entrariam em uma classificação própria. Ainda sim, a obtenção de lucro, caso identificada nas estradas, estaria sujeita a sanções.

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A Tribuna conversou com a Blablacar, uma empresa internacional que chegou ao Brasil como aplicativo de carona, mas se transformou em plataforma multimodal. Segundo a empresa, o lucro dos motoristas cadastrados não é o objetivo. “A modalidade de carona tem como objetivo conectar pessoas que querem viajar a condutores que vão na mesma direção. A empresa não tem como objetivo proporcionar fonte de renda extra para seus usuários.”

Por isso, de acordo com a própria Blablacar, existe um limite máximo estabelecido pela plataforma a fim de assegurar que os gastos com a carona sejam bem distribuídos e que o motorista não obtenha lucros. Somente em Juiz de Fora, são mais de 175 mil usuários ativos desde 2015. A aderência da população ao aplicativo fez com que, no primeiro trimestre deste ano, a plataforma crescesse 36% na cidade em relação ao mesmo período de 2023.

O aumento da procura pela plataforma de carona pode ser vista também em escala nacional, conforme levantamento solicitado pela Tribuna à empresa. Em 2022, a Blablacar registrou 50% de crescimento em relação a 2021, em 2023, o aumento em cada ano continuou, desta vez chegando a 40%.

Sobre as rotas em Juiz de Fora, seja de partida ou chegada, em primeiro lugar aparece o trajeto do município até Barbacena – menos de 100 quilômetros. Em seguida, aparece JF – Rio de Janeiro, distantes cerca de 185 quilômetros. E depois, Belo Horizonte, a aproximadamente 260 quilômetros.

Segundo a Blablacar, um dos diferenciais seja para curta, média ou grandes distâncias seria justamente a economia atrelada à segurança. “É possível, tanto para condutores quanto para passageiros, economizar até 75% em uma viagem intermunicipal ou interestadual”, assegura.

Do “dedão ao Blablacar”

O hábito de Joana, que começou aos 16 anos, permanece até hoje, aos 28. Ela vai para a estrada e faz o joinha com o dedo na horizontal para os carros que trafegam ali (Foto: Arquivo pessoal)

A psicóloga clínica e redutora de danos Joana Lopes nasceu em Paula Cândido, uma pequena cidade do interior de Minas. Com menos de dez mil habitantes, de acordo com o último Censo do IBGE, no local era comum a prática de carona por dedão pelo menos até Viçosa, que fica a cerca de 20 quilômetros de distância.

A carona que remetia a praticidade e hábito entre os moradores, com o avançar do tempo, se tornou sua preferência também para ir a lugares mais distantes. “No interior, pedir carona é uma cultura para conhecidos e isso foi expandindo”, explica. Assim, essa modalidade do “dedão” virou costume para vir em Juiz de Fora e outras cidades da região. Até ultrapassar, também, fronteiras estaduais.

O hábito que começou aos 16 anos permanece até hoje, com 28. Ela vai para a estrada e faz o joinha com o dedo na horizontal para os carros que trafegam ali. Por vezes, até usa uma plaquinha em que fica evidenciada a cidade destino. Para além de aventureira, a ânsia por conhecer novas histórias de pessoas que Joana, até então, não conheceria a movimenta. O meio são as caronas nas estradas, mas o motor são as vivências.

Entre caronas em carros de desconhecidos a embarques nas boleias de caminhoneiros, ela revela que a situação – que para muitas mulheres poderia despertar inseguranças mais latentes – para ela, não se difere dos receios que já ocorrem no cotidiano.

“Eu sempre converso muito sobre isso com as pessoas que me dão carona, porque elas sempre me perguntam: você não tem medo, né? Você nem me conhece”, sua resposta, porém, aparecia como um retruque, já na ponta da língua: “E você, também não tem medo? Você nem me conhece!”, diz. Para ela, se trata também de uma faca de dois gumes, em que ambas as pessoas estão suscetíveis a riscos, mas também a tecer novas conexões.

Apesar do jeito leve de Joana, ela revela que esse “mergulho no desconhecido” requer ponderações. No caso dela, a intuição é o sentimento que a guia, inclusive recusando caronas quando sente que assim deve ser feito. Em determinada vez, um carro chegou a parar quando ela sinalizava pela BR, porém, ela não se sentiu segura e permaneceu na estrada, até a próxima oportunidade.

Gabrielle Braga, 21, estudante de Direito, tem como hábito predominante o uso de Blablacar. Natural de Viçosa, ela mora em Juiz de Fora há cerca de dois anos por causa dos estudos, contudo, durante os finais de semana, retorna para a cidade natal – o que a faz pedir carona pelo aplicativo.

Ela comenta que, já que a plataforma oferece avaliações dos condutores e verificação dos perfis, o sentimento de segurança aumenta, mas não só isso. “O preço sai bem mais em conta do que ônibus, apesar dele ser mais confortável”, aponta. Outra questão que ela indicou para a reportagem é o tempo. “O preço e o tempo do Blablacar são muito melhores, as taxas variam, mas possui uma média.”

Segundo Gabrielle, o mesmo percurso de Juiz de Fora à Viçosa, ela já viu no mínimo por R$ 40 e no máximo por R$ 60. Os preços menores e a rapidez apontadas por ela são também o motivador da popularidade dos grupos de carona. Nas redes sociais, eles reúnem milhares de seguidores e a garantia de juntar dois interesses ao mesmo destino.

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