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Irmãos são supostas vítimas de trabalho análogo à escravidão em fazenda

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Fotos anexadas ao processo mostram a habitação onde moravam os irmãos (Foto: Reprodução/Processo judicial)
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Dois processos de supostos trabalhos análogos à escravidão estão tramitando na 3ª e 5ª Varas do Trabalho em Juiz de Fora. Apesar de correrem separados, os casos são de dois irmãos, que laboravam em uma fazenda na Zona Rural do município. Uma das ações está em segredo de justiça e envolve a morte do trabalhador, aos 43 anos. “Eles cortavam capim e faziam outras coisas, mas nunca receberam salário, apenas algum dinheiro para bebida e cigarro”, desabafa a mãe, 68, também autora da ação que tramita sigilosamente na 3ª Vara, em entrevista à Tribuna. “Só um retireiro trabalhava de carteira assinada lá. Ele (patrão) dizia que não podia pagar meus meninos porque já estava dando casa para morar. Era quase um galinheiro, tinha paredes rachadas e entrava água quando chovia, acabando com nossas coisas. Até canil é mais bonito. Mas nós somos pobres, não tínhamos para onde ir. Foi assim até o trator (picadeira) cortar a perna do meu menino.”

As suspeitas locais podem vir a reforçar as estatísticas: Minas lidera a última lista atualizada pelo Ministério do Trabalho de empregadores envolvidos em processos encerrados de trabalho análogo à escravidão. Dos novos 132 nomes acrescentados à relação, que chegou ao total de 289 pessoas físicas ou jurídicas, 35 são do estado. Em segundo, terceiro e quarto lugares aparecem Goiás (15), Piauí (13) e Pará (11). O documento leva em conta conclusões entre 2018 e 2022, sem possibilidade de recursos às partes. Os empregadores flagrados em situação ilegal permanecem na cadastro do Governo federal por dois anos. Só neste ano, mais de 1.200 trabalhadores que sofreram esse tipo de violação de direitos humanos já foram resgatados no país.

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A mãe das duas supostas vítimas de trabalho análogo à escravidão conta que morava com os dois filhos solteiros na fazenda. “Eles trabalhavam, só não recebiam. Faziam serviço de pedreiro, tiravam leite, ficavam mais no curral.” Segundo ela, após a amputação da perna, em outubro de 2018, o sofrimento de um deles continuou por quase três anos, com complicações até o falecimento, ocorrido em 26 de agosto de 2021. “Meu filho ficou muito tempo no HPS e precisou fazer duas cirurgias, teve infecção. Ficamos naquela luta, e ele cada vez mais triste, porque estava com quarenta e poucos anos e não podia mais andar. Entrou em depressão profunda, nunca mais foi o mesmo, nunca mais sorriu.” No ano passado, a mãe decidiu ir à Justiça. “Depois daquilo ele nunca mais saiu da cama. Só quando foi para o cemitério. Se não fosse esse acidente, meu filho estaria vivo.”

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Audiência de instrução é marcada para setembro

Os dois supostos casos de trabalho análogo à escravidão que tramitam em Juiz de Fora estão sendo acompanhados pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). De acordo com a assessoria do órgão, os processos ainda estão em fase de instrução e, por enquanto, os procuradores não vão se manifestar.

Segundo informações do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 3ª Região, relacionadas ao procedimento que está na 5ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora, a ação trabalhista requer indenização de R$ 511.710,06. Os réus são um fazendeiro e a ex-esposa dele. Conforme a ata da audiência realizada em 13 de março, sob a direção do juiz do Trabalho Tarcísio Correa de Brito, houve proposta de conciliação, mas a mesma foi recusada. Uma audiência de instrução foi marcada para o dia 4 de setembro deste ano.

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De acordo com a petição inicial do processo, um dos irmãos, de 39 anos, descrito como “pessoa humilde e com pouco estudo”, teria sido contratado pelos réus em 1º de agosto de 2016, na função de trabalhador rural, com a promessa de um salário mínimo, moradia e alimentação para o desempenho das suas atividades. Entre as tarefas estavam tirar leite, cuidar do gado, arrumar cerca, puxar esterco e capinar. “Iniciava sua jornada de trabalho às 5h e terminava às 16h, de domingo a domingo, sem folgas e sem férias.”

No entanto, conforme a ação, sua contratação jamais foi formalizada, não houve anotações em sua Carteira de Trabalho e nem seus direitos trabalhistas foram pagos. “Durante todo o pacto laboral o autor e sua mãe sempre residiram em moradia fornecida pelos réus, localizada na fazenda de propriedade deles, isto é, sempre residiu no local de trabalho”. A casa cedida, entretanto, não teria “qualquer padrão mínimo de dignidade”: “Não suportando mais as condições precárias em que estava vivendo, em 15 de dezembro de 2022 o autor comunicou aos réus que não iria prestar seus serviços a ele e que estaria desocupando a casa na qual estava residindo.”

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Também são denunciadas situações de assédio moral, de constrangimento e desconforto, por meio de implicâncias, xingamentos e ameaças. “Na acepção jurídica moderna, o trabalho escravo ou em condições análogas às de escravo é compreendido não apenas pelo labor com cerceio de liberdade, por meio de coação física, psicológica ou moral (trabalho forçado), mas também pela prestação de serviços em desrespeito à dignidade da pessoa humana (trabalho degradante). Assim, houve um alargamento da proteção ao trabalhador, uma vez que o ordenamento jurídico não protege apenas seu direito à liberdade, mas vai além, alcançando também a sua dignidade”, destaca o texto.

As advogadas de acusação, Cássia de Abreu Oliveira Mendes e Mariana Vitória Nogueira Carvalho Beraldi, afirmam que a suposta vítima foi descoberta após a morte do irmão. “A mãe do trabalhador falecido nos passou a situação e aí descobrimos que tinha um irmão também trabalhando nesta fazenda desde 2016 sem salário, sem condições mínimas de moradia, em troca basicamente de cachaça, macarrão ou pacote de arroz.”

Procurado pela Tribuna, o advogado dos réus, Thiago Tadeu Capuzzo de Lima, assegura que não existe qualquer indício de trabalho escravo, mas apenas uma “tese jurídica” alegando escravidão. “Ele não trabalhava para o meu cliente.”

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Trabalhadores viviam em habitação sem condições mínimas de moradia, conforme processo (Foto: Reprodução/Processo judicial)

Defesa contesta denúncias e nega vínculo empregatício

No processo, a defesa do fazendeiro e da ex-esposa contesta todas as denúncias feitas na ação que corre na 5ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora. “Informo ao juízo da causa que por ausência de vínculo empregatício, o demandante não é, nem nunca foi empregado dos demandados, criando uma impossibilidade real para que possam atender à solicitação advinda do despacho inicial.” O texto afirma que o vínculo entre o fazendeiro, seus familiares e o homem era apenas “humanitário de afeto e respeito” e que a fazenda “tem a tradição em exercer um serviço social à coletividade local”.

A alegação é de que a família da suposta vítima de trabalho análogo a escravidão estaria prestes a ficar desalojada e, neste cenário, o proprietário, “por questão de humanitarismo”, decidiu acolhê-la em suas terras “sem exigir nada em troca” e sem contabilizar quais eram os membros da família, “com a proposta inicial até que cada um deles conseguisse individual ou conjuntamente um novo local para se instalar, o que nunca ocorreu”.

Dessa forma, segundo a defesa, o dono “teria a certeza de que sua fazenda não estaria mais abandonada, ou seja, persistia uma crença de que estaria se respaldando de novas invasões como as que ocorreram no passado, e a família teria a facilidade de não residir na rua”. O texto reforça a negação de que o homem teria sido contratado em agosto de 2016 sob a promessa de salário mínimo pago aos moldes de moradia, água, luz e cesta básica.

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A parte confirma apenas ter existido um período, inferior a seis meses, em que foi ofertada ao homem a possibilidade de ele fazer “bicos” esporádicos na propriedade. O serviço seria “zelar pela limpeza ao redor de sua própria residência dando o capim roçado na ocasião ao tratorista para ser entregue como alimento aos gados”. A defesa prossegue: “A fonte de renda em espécie dada ao trabalhador ao final do desempenho de cada missão se prestava a somar com as ajudas humanitárias que o autor já se beneficiava (casa, água, luz, alimentos…) quando veio a residir dentro da propriedade”.

A moradia é descrita pela defesa como “um ambiente simples, bem limpo, muito bacana e aconchegante”, com três quartos, banheiro interno, área externa cercada, fogão a lenha “e até um espaço pet onde o autor e familiares criam cachorros”. Por fim, a parte dispara: “O autor é um verdadeiro privilegiado se levarmos em conta a situação socioeconômica do país e a condição que estaria se o demandado não tivesse lhe proporcionando abrigo gratuito com água, luz.”

Comissão na Assembleia cobra rede articulada de proteção a trabalhadores

Para o presidente da Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social da Assembleia, deputado Betão (PT), Minas Gerais, assim como todos os estados do Brasil, sofre com anos sucessivos de desmonte das políticas de combate ao trabalho análogo à escravidão: a legalização das terceirizações, a reforma trabalhista e o sucateamento dos órgãos de fiscalização do trabalho. “Friso que a possibilidade de terceirizar todas as atividades de uma empresa (inclusive a atividade fim) precariza os direitos trabalhistas, permitindo que pessoas sejam contratadas por um valor salarial menor e com uma jornada mais extenuante.”

O parlamentar lembra que a raiz do processo escravocrata está em subjugar pessoas, criando diferenças para diminuir o outro. “Situação que deixa aberto o terreno para o abuso, para a exploração, tanto no meio urbano, quanto no ambiente rural.”

De acordo com a assessoria do deputado, Minas teve registrados, em 2022, segundo a Comissão Pastoral da Terra, 75 casos de trabalho análogo à escravidão, sendo 62 só no campo. No mesmo ano, 1.062 pessoas foram resgatadas dessas condições, 984 delas em áreas rurais. O número corresponde a 27% das ocorrências registradas no Brasil.

“Apresentei um Projeto de Lei (15/2023) que, aprovado, obriga que a ‘lista suja’ seja divulgada em sites do Poder Executivo de Minas Gerais. É uma forma de revelar à sociedade quem comete crimes contra a classe trabalhadora e alertar consumidores e tomadores de serviços para não contribuir com a cadeia da exploração. Hoje, dos 289 nomes de pessoas físicas e jurídicas da lista, 87 são de Minas Gerais e, destes, 72 casos estão diretamente ligados ao campo”, pontua Betão, sobre a lista do Governo federal de empregadores que submeteram pessoas ao trabalho análogo à escravidão, atualizada duas vezes ao ano.

No dia 27 de abril, a Comissão do Trabalho na Assembleia Legislativa realizou audiência pública, em parceria com movimentos sociais, sindicatos, centrais de trabalhadores e representantes de entidades ligadas ao tema. “Debatemos a situação de trabalho análogo à escravidão no estado, os muitos aspectos e implicações socioculturais e econômicas, além das políticas públicas em defesa e proteção dos direitos de trabalhadoras e trabalhadores e sua condição de vida”, destaca o parlamentar.

Conforme a assessoria, a partir do encontro, foi feito requerimento solicitando ao Ministério da Economia a realização de concursos públicos para auditores fiscais e cobrada a criação de uma rede articulada de proteção a trabalhadores, com incentivo a campanha no estado para conscientizar sobre o trabalho análogo à escravidão e ao disk 100, uma espécie de “pronto socorro” dos direitos humanos, que funciona 24 horas por dia. Denúncias específicas de suspeita de trabalho escravo também podem ser feitas pelo link ipe.sit.trabalho.gov.br, possibilitando o resgate de vítimas, ou pelo site do Ministério Público do Trabalho.

Sobre os casos de Juiz de Fora tratados nesta reportagem, o deputado Betão solicitou à assessoria o acompanhamento.

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