Desde o fim de 2020, quando os brasileiros começaram a utilizar o PIX, estelionatários têm se aproveitado para aplicar os mais diversos golpes, seja envolvendo apenas o nome do meio de pagamento eletrônico ou convencendo as vítimas de várias formas a fazer as transações liberadas pelo Banco Central, que são instantâneas e gratuitas para pessoas físicas e jurídicas. Em Juiz de Fora, os crimes cibernéticos, praticados por meio de internet ou SMS, relacionados ou não ao PIX, triplicaram entre 2018 e 2021. No primeiro ano, foram 929 ocorrências. Já em 2021, o total foi de 2.793 casos. Em 2022, até o fim de julho, já foram registrados mais 1.737.
O número acumulado neste período analisado, somando os anos de 2019 e 2020, é de 9.030 crimes, sendo a maioria deles estelionatos, seguidos pelos delitos de ameaças. Ainda segundo os dados divulgados pela Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), com base nos Registros de Evento de Defesa Social (Reds), no estado, Juiz de Fora só fica atrás de Belo Horizonte, que acumulou 42.665 crimes praticados por meio eletrônico no mesmo período.
Normalmente aliados a outras fraudes virtuais já praticadas por meio do aplicativo de conversa WhatsApp e da rede social Instagram, os golpes envolvendo PIX vão desde a tentativa do estelionatário de convencer a vítima a realizar transações para outras contas bancárias até a manipulação para que acesse links a fim de possibilitar o hackeamento de dispositivos eletrônicos, como celulares e computadores.
De acordo com a PCMG, geralmente, esses golpes são registrados como estelionatos, podendo ser executados no ambiente virtual ou físico. “O estelionato é crime de ação penal pública condicionado à representação da vítima, conforme prevê a legislação penal vigente, para prosseguimento do feito.” Dessa forma, não basta registrar a ocorrência junto à Polícia Militar para que a apuração ocorra. “A PCMG orienta que a vítima procure uma delegacia mais próxima de sua residência, munida de todos os documentos, para propor a devida representação e dar início à investigação.”
Entenda alguns tipos de golpes
Segundo o delegado Renato Nunes Guimarães, da Divisão Especializada de Investigação de Crimes Cibernéticos em Belo Horizonte, há várias modalidades (modus operandi) de golpes PIX aplicados atualmente e por diversos meios (WhatsApp, SMS, Instagram, e-mail). Ele destaca, entretanto, que o PIX é uma forma de pagamento instantânea segura, sem custos e totalmente digital. “Não existe o golpe no sistema PIX em razão de vulnerabilidades, e sim, diversos golpes que utilizam a forma de transferência bancária PIX.”
Sobre exemplos de como os estelionatários se aproveitam do tipo ágil de transação bancária para aplicar crimes, ele cita o golpe da troca do número do WhatsApp, recorrentemente aplicado em Juiz de Fora. “A vítima recebe uma mensagem do criminoso, o qual se passa por um familiar, dizendo que alterou seu número e pedindo para a vítima atualizar o contato. Em sequência, o criminoso pede algum benefício à vítima, a qual lhe transfere valores via transação PIX, imaginando estar auxiliando seu parente.”
Outra hipótese, ele destaca, ocorre quando contas de Instagram são invadidas, e bandidos passam a anunciar diversos produtos ou serviços, os quais são adquiridos por seguidores iludidos. “A compra desses produtos se dá por via PIX, em benefício dos autores.”
Por fim, o delegado resume, existem milhares de contas falsas em redes sociais que anunciam suposto erro no sistema PIX ou anúncios de investimentos via PIX que podem render lucro em dobro, chamados “Robô do PIX”, “Rei do PIX”, “PIX em dobro”, dentre outros. “A vítima faz uma transferência via PIX para o criminoso e nunca recebe nenhum valor em sua conta.”
Pela diversidade de crimes virtuais, Renato Nunes pondera que, dependendo da modalidade do golpe, as vítimas podem ser desde adolescentes até idosos. “Não existe uma faixa etária específica, basta ser alguém que tem acesso a smartphone e conta bancária.” Entre as dicas para evitar os golpes ele destaca: “Ter atenção e cautela ao navegar na internet e não realizar transações PIX sob impulso”.
Mulheres enganadas em JF por golpistas que se passam por filhos
Em setembro, pelo menos duas ocorrências criminosas chamaram a atenção em Juiz de Fora por envolverem transferências via PIX de altas quantias em dinheiro. Em ambos os casos, mães caíram em golpes do WhatsApp ao pensarem que estavam falando com seus próprios filhos. No dia 8, uma moradora da Zona Nordeste, de 64 anos, transferiu quase R$ 75 mil para contas diversas depois de um estelionatário possivelmente ter usado a foto de perfil do filho dela e dizer pelo aplicativo que estaria com o número de celular novo, porque o telefone usual havia estragado.
Durante a conversa, o golpista convenceu a mulher a transferir dinheiro, para fazer um investimento. Acreditando se tratar de seu filho, ela seguiu até uma agência bancária e realizou cinco transferências, totalizando R$ 74.980. Os destinatários eram homens e mulheres de cidades de Minas e de São Paulo. Houve transações desde R$ 2.980 até R$ 25 mil. A vítima teria percebido no mesmo dia que havia caído em um golpe. Imediatamente ela retornou ao banco para solicitar o bloqueio das transferências para as contas de destino.
Caso semelhante foi registrado pela PM um dia antes. Uma mulher, 56, residente na mesma região, transferiu quase R$ 10 mil via PIX para uma conta bancária em nome de desconhecido, após cair em golpe parecido no WhatsApp. O estelionatário também se passou por filho da vítima, usando uma foto de perfil dele. Para justificar o número diferente, o golpista alegou ter trocado de chip. Após desvendar a farsa, a vítima foi orientada a procurar o banco para contestar as quatro operações, que totalizaram R$ 9.290.
‘É possível telefones serem hackeados, mas não com um simples comando’
Além dos casos registrados pela PM, nos últimos meses, a Tribuna recebeu diversos relatos de leitores que foram alvos de golpes envolvendo PIX. Em uma das modalidades, descrita como “Golpe que aperta teclado e limpa conta via PIX”, a pessoa diz ter recebido uma ligação, na qual o interlocutor pediu “para pressionar 2” se tivesse se vacinado. Após a ação, a vítima disse ter tido o telefone bloqueado e hackeado. “Limparam a conta, fizeram PIX, tudo muito rápido. Portanto, tome cuidado ao receber chamadas semelhantes. Coloque em seu grupo de bate-papo. Avise seus familiares”, alerta a mensagem de possível vítima.
No entanto, conforme o delegado Renato Nunes, da Divisão Especializada de Investigação de Crimes Cibernéticos de BH, em princípio, essa modalidade não existe. “Não temos casos e nem seria possível um simples acionamento de tecla de telefone, com bloqueio imediato da linha. Entendo que a maioria dessas mensagens possuem cunho de aterrorizar e causar temor. É possível telefones serem hackeados, e o chip ser portado, mas não com um simples comando. Existe algo mais elaborado nesse ‘hackeamento”, sugere.
Leitores também comentaram terem recebido mensagens de golpe por SMS, contendo informações de pagamento via PIX sobre compras falsas. Exemplos: “Aviso: PIX de 1980,00 agendado para o dia 18/07/2022. Caso você não reconheça ligue 0800 XXX XXXX”; “Caro cliente, transferência agendada foi processada com sucesso no valor de R$ 1.750,00 Cancelamento contate o SAC: 0800 XXX XXXX”.
Segundo Renato Nunes, essa estratégia criminosa é chamada de Smishing. “A vítima recebe um SMS falso, com indicação de ligar para um 0800 falso do banco. Caso a vítima ligue no número, será induzida a fornecer seus dados bancários ou instalar um aplicativo de acesso remoto em seu telefone. Isso deixará sua conta bancária vulnerável e sujeita a ser invadida.”
Um leitor disse ter recebido uma mensagem dizendo que tinha um PIX a receber de um banco. “Mesmo golpe Smishing”, enfatiza o delegado. “Recomendamos que essas mensagens falsas sejam denunciadas para o número 7726, onde é informado o conteúdo da mensagem e o número do remetente criminoso.”
Embora Juiz de Fora não conte com uma Delegacia Especializada de Investigação de Crimes Cibernéticos, a Polícia Civil garante que os crimes são investigados, mediante representação das vítimas. “Existem diversas investigações em curso e que resultam em constantes prisões”, pontua o delegado, responsável pela apuração desses delitos na capital.