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Com restrições no Canil Municipal, entidades temem sobrecarga ainda maior

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ONGs e abrigos voltados para a causa animal, em Juiz de Fora, relatam sobrecarga na prestação de apoio no atendimento aos animais e endividamento das entidades, desde o começo da pandemia de Covid-19. Para essas instituições, o cenário se tornou ainda mais preocupante diante da publicação, pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), da Portaria 19/2022 do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (Demlurb). O dispositivo prevê medidas emergenciais restritivas e estabelece normas para o recolhimento de cães e gatos pelo Poder público.

A partir de agora, o Canil Municipal vai realizar somente o recolhimento de animais que estejam doentes ou que sejam vítimas de traumas. A medida, segundo a PJF, ocorre diante do “elevado número de animais acolhidos pelo Demlurb que aguardam por adoção, e a capacidade instalada para abrigo de animais no Canil Municipal”. Para as pessoas à frente de entidades e de iniciativas voltadas para a proteção animal, a decisão pode causar aumento de cães e gatos em risco na cidade e a impossibilidade dos abrigos de continuarem prestando o apoio necessário.

Sob a guarda da ONG Sociedade Juizforense de Proteção aos Animais (SJPA) estão 600 animais – dentre eles, diversos no abrigo e outros em residências de pessoas desprovidas de recursos. A diretora da ONG, Maria Elisa de Souza, explica que a superlotação tem sido uma realidade frequente desde 2020, o que vem demandando uma grande adaptação das pessoas dedicadas à proteção dos animais. Para ela, a decisão do Canil Municipal de não resgatar os animais sem doenças ou enfermidades, no momento, pode gerar impactos muito negativos. “Se lá existe superlotação, nos abrigos existe também. O Poder Público tem que se adaptar caso precise de mais espaço. É um momento de urgência, uma situação diferenciada do normal do serviço de atendimento”, diz.

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Mensalmente, são necessários cerca de R$ 40 mil para gastos em manutenção e cuidados adequados com os animais abrigados, mas o SJPA geralmente só consegue arrecadar cerca de R$ 20 mil. Para ela, essa decisão da PJF, que veio à tona nesta última semana, já vinha impactando o abrigo há mais tempo. “Sempre recebemos ligações de pessoas dizendo que chamaram o Canil, que afirmava que iria realizar o atendimento, mas não realizava, que dizia que era problema de carro, por exemplo. E isso aumentava a nossa demanda”, diz, acrescentando: “É desesperador ver que todos os dias, no mínimo, um animal é deixado na nossa porta”, diz.

A falta de castração dos animais que ficam em situação de rua também é um problema, assim como explica Miriam Neder, resgatadora independente e ativista há mais de 30 anos. Ela mantém um lar temporário onde mais de 40 cães estão sob sua responsabilidade, sendo tratados, castrados e vacinados à espera de adoção. Para ela, a situação dos animais de rua e da manutenção dos abrigos ainda pode piorar com a decisão, principalmente se forem consideradas as chances desses espaços, que não contam com a ajuda do Poder Público, ficarem sem recursos para se manter. “Infelizmente, sem um programa de castração permanente e sem educação para guarda responsável, a tendência é de que aumente o número de animais nas ruas. E, se o Canil não vai mais recolher as cadelas no cio, prenhas e com filhotes, com certeza a situação vai piorar ainda mais”, diz.

PJF explica decisão baseada em “bem-estar animal”

Em nota enviada à Tribuna, a PJF explicou que a motivação para a restrição do recolhimento de animais é a “preocupação e o cuidado com o bem-estar animal”. A Administração municipal afirma que frequentemente o Canil Municipal recebe solicitações de recolhimento dos chamados ‘animais comunitários’, que são aqueles que, apesar de não terem responsável definido e único, estabelecem vínculos de afetividade com a comunidade em que vivem, tendo bem-estar neste local.

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Para a prefeitura, ainda não é possível “naturalizar o entendimento de que todos os cães que estão nas ruas devem ser recolhidos”. De acordo com o esclarecimento, é preciso que exista uma sensibilização por parte da população quanto às possibilidades de convívio com cães e gatos comunitários. A PJF ressalta, ainda, que o recolhimento de cães e gatos enfermos e/ou acidentados e/ou que não sejam tutelados continuará sendo feito normalmente, já que cabe ao Poder Público “atuar no sentido de preservar a saúde dos animais e a saúde pública de modo geral”.

A prefeitura destaca que a publicação da portaria está alinhada com as legislações estaduais e federais no âmbito da proteção animal. O principal impacto da decisão, de acordo com a PJF, é assegurar que cães e gatos comunitários que estão saudáveis não sejam retirados dos seus ambientes de convívio. A Administração municipal também argumenta que “o não recolhimento dos cães e gatos saudáveis permitirá melhores condições aos animais que estão no canil e garantirá o convívio dos animais comunitários com seus diversos tutores”.

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PJF argumenta que aumento das adoções é essencial para que se possa oferecer mais conforto aos animais que já estão abrigados (Foto: Rafaela Carvalho)

Dificuldades econômicas agravadas durante a pandemia

De acordo com os relatos, é notável que a situação dos abrigos e lares para animais se tornou mais complexa na pandemia devido ao aumento de casos de abandono e às dificuldades econômicas que a sociedade enfrentou e ainda está enfrentando. Danúbia Félix, que também trabalha com um lar temporário que atende cerca de 55 animais, afirma que as dificuldades ainda não foram ultrapassadas e que, mesmo neste momento, está “há meses sem conseguir fazer a doação de animais”. Como no lar temporário não há data para que os animais saiam, até que sejam adotados, ela tem evitado receber outros, para que seja possível manter um padrão de qualidade. “As pessoas não estão conseguindo nem comer, é um momento complexo”, diz.

Já no SJPA, Maria Elisa relata que esse foi um problema, e a forma que encontraram de tentar amenizar a situação foi tentando diminuir o abandono dos animais “oferecendo recursos para famílias que não conseguem pagar”. Mas até mesmo o abrigo enfrentou dificuldades e, em 7 de julho deste ano, a Tribuna realizou uma matéria com o SJPA sobre o risco do local falir. As dívidas chegaram a acumular R$ 75 mil com saúde e alimentação, e o abrigo contou com apoio da sociedade civil para continuar funcionando.

A Tribuna questionou a PJF se há algum planejamento de apoio às entidades diante do novo cenário do Canil Municipal, e a resposta foi de que as Ongs não serão impactadas negativamente. A prefeitura explica que isso não deve acontecer “pois a PJF continuará prestando assistência e atuando em situações que envolvam animais não tutelados que precisem de atendimento médico veterinário”. Esses animais, que são apontados como os que mais precisam do Poder Público, continuarão sendo recolhidos e assistidos por um profissional médico veterinário.

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Perfil dos animais adotados

Na percepção das entrevistadas, é preciso também que a adoção seja mais responsável e abarque animais para além dos padrões mais procurados. “Dificilmente as pessoas adotam animais em tratamento. Muita gente ainda compra animais de raça, incentivando um comércio cruel de fundo de quintal”, diz Miriam. Na experiência de Danúbia, também é notável que os animais de grande porte, adultos, machos e que não são ‘de raça’ acabam sendo preteridos no momento da adoção. “Quando passam de três anos, dificilmente são adotados”, conta.

Os danos relacionados ao abandono desses animais são diversos. Para Maria Elisa, outra problemática que também precisa ser mais discutida diz respeito à questão da criação de animais como pitbulls e rottweilers. “É hora de rever a decisão de qualquer pessoa poder fazer criação desses animais. É preciso coibir as procriações descontroladas desses animais por serem lucrativos”, diz. A longo prazo, ela conta que esses cães acabam sendo abandonados com muita frequência e que também são mais sujeitos aos maus-tratos, que geram comportamentos agressivos. “São cães que precisam de cuidados especiais, não podem ser vendidos para qualquer pessoa, pois, com cuidados equivocados, acabam sendo abandonados ou virando ‘problema'”, diz.

O aumento das adoções também é apontado pela PJF como essencial neste momento e demanda engajamento da sociedade. “Com o aumento do número de adoções, o Canil poderá oferecer mais conforto para os animais que lá estão”. Por enquanto, não há previsão para a medida ser alterada, mas a afirmativa é de que ela está “em constante monitoramento e avaliação e novas disposições podem ser adotadas a partir do que for apurado”.

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Legenda: PJF aponta que aumento das adoções é essencial para que se possa oferecer mais conforto aos animais que já estão abrigados no Canil Municipal

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