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Divulgação de fila de espera por serviços de saúde ainda está no papel

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Sancionada em 2021, a lei que estabelece a divulgação da lista de espera para consultas comuns e especializadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na cidade ainda não está sendo cumprida pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF). Após a sanção, em maio de 2021, a Administração municipal solicitou, em novembro, 18 meses para colocar a legislação em prática, prazo expirado em maio deste ano. A população continua, portanto, sem acesso ao sistema que informaria a posição na fila de espera e estimativa para atendimento médico na cidade. A Ouvidoria de Saúde do município recebe, em média, 655 reclamações mensais sobre o acesso a consultas especializadas.

“Na última apresentação do sistema, executada em fevereiro deste ano, o projeto apresentava algumas inconsistências. Há 15 dias eu voltei a cobrar a Secretaria de Saúde (SS). A PJF tem a obrigação de fazer cumprir a data, então vou continuar cobrando a efetivação da lista de espera”, afirmou à Tribuna o vereador Maurício Delgado (União), autor do projeto de lei. Segundo ele, o texto original declarava improbidade administrativa o descumprimento da legislação a partir da data de vigência. Entretanto, o dispositivo foi alvo de veto do Executivo, sob justificativa de que usurpava competência legislativa da União.

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Maurício Delgado defende que a lei tem por objetivo amparar o paciente, concomitante à proteção de seus dados pessoais. A partir de sua implementação, as listas divulgadas devem conter a data de solicitação da consulta e de outros procedimentos médicos, a posição que o paciente ocupa na fila, relação dos pacientes já atendidos, especificação do tipo de consultas e a estimativa de prazo para o atendimento médico solicitado. Questionada sobre o atraso na implementação da lei, a PJF informou que “o novo sistema passa por ajustes finais e será apresentado na próxima semana”.

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Cotidiano dos pacientes na fila de espera

Fila no PAM Marechal é um dos motivos de reclamação dos usuários do SUS (Foto: Pâmela Costa)

São 7h de terça-feira (11) e João Bosco já foi para a fila de espera da Policlínica da unidade de atendimento da Secretaria de Saúde, mais conhecido como PAM Marechal. A expectativa é que, desta vez, ele consiga marcar a consulta que já espera desde o ano passado. No local, a população busca serviços de atenção secundária, como especialidades médicas para consultas e exames através do Sistema Único de Saúde (SUS). Ainda que a fila atravesse o local antes mesmo do horário em que começam os atendimentos, o maior obstáculo continua sendo o tempo, que separa pessoas doentes do tratamento especializado necessário.

João, aos 71 anos, permanece na fila de espera para tentar marcar consulta para a sua esposa. Com 70 anos, a mulher sente dores provocadas por um problema de saúde e ficou em casa cuidando da neta. Desde agosto do ano passado eles tentam a consulta, entretanto, segundo informações de uma atendente para o homem, no momento estão sendo atendidas pessoas que fizeram solicitações ainda em 2021. “Na hora que chamar as pessoas de 2022, algumas já terão morrido. Eu sinto uma grande tristeza, porque contribuí com o INSS por tanto tempo e não tem solução para a gente”, desabafa João, preocupado com a situação que se prolonga.

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No caso de Dona Aparecida da Glória, 73, à fila de espera e à demora para realização de exames somam-se as condições de deslocamento até a unidade de atendimento. Uma vizinha teve que ajudá-la a pedir um carro de aplicativo até a unidade de saúde, que fica no Centro de Juiz de Fora. “Desta vez, eu vim marcar para fazer a biopsia da tireoide e não tem ninguém para vir para mim. Por isso, eu tive que trazer meu marido de 93 anos, que ficou sentado em um lugar próximo, pois não aguenta ficar em pé por tanto tempo”, explica Aparecida.

Ela conta que, nas diversas vezes em que foi até o local, a espera para fazer exames como colonoscopia e endoscopia já lhe custaram tanto tempo que o pedido beirou a perda da validade. “A fila deveria ser melhor, não só para mim, como também para outros idosos que ficam em pé à espera de conseguir tratamento”, opina. A expectativa de Dona Aparecida é que surja outro modo de atendimento para a população.

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Reclamações têm aumentado na Ouvidoria de Saúde

A ouvidora Samantha Borchear frequentemente recebe reclamações similares às relatadas acima. Ela compartilha que, somente do período de janeiro a junho de 2023, o órgão já recebeu 8.065 reclamações na Ouvidoria de Saúde do município. Dessas, parte significativa se referia a queixas relacionadas ao acesso a consultas especializadas pelo SUS. Em janeiro, foram 516 reclamações, seguidas de 608 no mês seguinte, 724 em março, 629 no mês de abril, 781 em maio e 677 em junho, totalizando 3.935, ou seja, quase metade das reclamações relativas a consultas com especialistas. As maiores demandas registradas foram para os segmentos de oftalmologia, cirurgia geral, ortopedia (especialmente subespecialidades como joelho, ombro, quadril, mão), proctologia, neurologia e urologia, conforme informações levantadas pelo órgão.

Efeito pandemia

A Secretaria de Saúde da Prefeitura relatou, por meio de nota, estar ciente da expoente demanda da cidade e da grande fila de espera. A pasta atribuiu a procura pelo serviço de consultas especializadas ao déficit causado pelo hiato das atividades durante o período mais grave da pandemia. “Exigiu a paralisação dos procedimentos eletivos e de algumas consultas médicas, não só aqui, mas como em todo o país”, explicou a PJF.

Contudo, segundo a Ouvidoria de Saúde, as reclamações neste ano estão superiores às do ano passado. “A oferta é muito menor que a demanda, sem dúvida. Nós gostaríamos de ponderar a questão da necessidade de fato de melhorar essa oferta”, observa Samantha. Ela acrescenta que, durante um levantamento executado pela Ouvidoria, foram identificados vários problemas relativos à busca por atendimentos. “Pessoas com vários encaminhamentos, pessoas que já haviam morrido, pedidos que não deram entrada no sistema, descrições incompletas de quadro clínicos ou equivocadas”, explicou a ouvidora.

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Ela menciona que casos de usuários escolhem médicos, turnos e horários, que não atualizam o número de telefone, dentre outras situações, são fatores adicionados esse cenário. “Existem diversas variantes como estas, que também precisam ser ditas”, ressalva Samantha.

“Médicos especializados tendem a ser mais qualificados e procurados, mas não são todos que aceitam trabalhar para o SUS”, nota Samantha. Por isso, segundo ela, o sistema conta com poucos médicos subespecializados vinculados à saúde pública, o que gera uma crescente espera pela disponibilidade desses profissionais.

189.960 consultas especializadas realizadas em 2023

Em contrapartida à fila de espera para atendimento e acesso ao serviço, milhares de pessoas foram atendidas pela saúde pública em Juiz de Fora este ano. A Prefeitura, em parceria com os governos estadual e federal, que também são responsáveis pelo financiamento da saúde nos municípios, já realizou 189.960 consultas especializadas neste primeiro semestre na cidade.

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Como alternativa ao retardo no acesso às consultas, a Secretaria de Saúde explicou quais soluções vêm sendo trabalhadas para sanar as necessidades da população. Por exemplo, “em parcerias com outras instituições, como o HU/UFJF, oferecendo mecanismos de teleinterconsulta em diversas especialidades para solucionar esta questão, além de buscar a redução do absenteísmo, as ausências às consultas marcadas, e oferecer sempre um serviço de qualidade para a população”, apontou a SS em nota.

Quanto ao papel da União na gestão da saúde pública gratuita municipal, o Governo federal respondeu por meio da assessoria que é de sua responsabilidade coordenar o sistema “definindo as normas nacionais, provendo recursos da sua competência, elaborando políticas públicas e definindo a incorporação dos procedimentos e tecnologias a serem ofertados à população pelo SUS”. Já o atendimento e gerenciamento de filas cabem às secretarias estaduais e municipais de saúde, enfatizou a pasta.

Já o Governo estadual, por meio da Superintendência Regional de Saúde (SRS), informou que a regulação dos atendimentos em caráter eletivo (ambulatoriais e hospitalares) é uma atribuição da Prefeitura da própria cidade. “Nesse contexto, cabe a elas realizarem a gestão das filas de espera, priorizar, autorizar, agendar os procedimentos eletivos e encaminhar o paciente para atendimento nos prestadores”, explicou em nota à reportagem. A alta demanda pelos atendimentos é atribuída ao papel de referência que Juiz de Fora ocupa na Zona da Mata, acrescentou a SRS. Atualmente, o município concentra grande parte dos atendimentos da região.

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