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Juiz de Fora acolhe mais imigrantes da Venezuela

Venezuelas 2 LEONARDO COSTA
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Em outubro de 2017, seis estrangeiros chegaram a Juiz de Fora cheios de sonhos e de esperança por um futuro melhor do que o país que deixaram, a Venezuela. Não que esperassem ascensão social, riqueza ou mudança de padrão de vida: queriam sobreviver, algo que era um desafio em sua terra natal, devastada pela pior crise econômica, política e de segurança de sua história. “Senti na pele, era um estado de guerra, com muita violência e muita luta todos os dias simplesmente para comer, continuar vivo”, relembra Sérgio Maurício Gonçalves, um dos que chegou aqui em outubro, depois de atravessar a fronteira para Boa Vista, em Roraima (RR), onde a situação também está caótica, como ele mesmo afirma. “As pessoas não param de chegar em Roraima, sem dinheiro, sem comida e sem lugar para ficar. Já foram registrados cinco certificados de óbito em Boa Vista por fome”, lamenta ele, que tem dados precisos sobre a situação porque atua como voluntário da Associação dos Amigos (Aban), que trouxe Sérgio e o primeiro grupo de imigrantes a Juiz de Fora. Já são 18 venezuelanos vivendo por aqui.

A vinda para Juiz de Fora é resultado de um esforço conjunto da Aban com a Pastoral Universitária para refugiados de Roraima, a Universidade Federal de Roraima (UFRR), a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) e o Governo do estado e dos municípios afetados pelo fluxo migratório. Segundo Camila de Paiva Riani, coordenadora do projeto de acolhimento na Aban, os estrangeiros que chegam a JF são divididos em grupos e acolhidos de acordo com a necessidade. Os primeiros ficaram hospedados na sede da Aban até que se estabelecessem no mercado e pudessem ter a própria moradia. Agora, os parentes destes que já estão empregados estão sendo recebidos nas casas deles, com menos suporte da associação. Atualmente, dos 18 que estão em Juiz de Fora, apenas um mora na Aban, os outros já têm sua residência, e seus familiares vivem com eles”, explica ela.

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A coordenadora acrescenta que o trabalho da Aban não se baseia no assistencialismo, mas sim no combate à falta de moradia, de alimentação e à pobreza. “Estas pessoas não vieram para o Brasil para ‘melhorar de vida’, mas para sobreviverem. Nosso trabalho é atuar em várias frentes, podendo criar empregabilidade por meio de projetos muito bem estruturados e parcerias, em um processo humano e que seja capaz de promover independência”, destaca.

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De acordo com Sérgio Gonçalves, que viveu a experiência de emigrar e ser recebido em Juiz de Fora, a ideia é que, a partir deste mês, três pessoas sejam trazidas de Roraima para cá mensalmente. “Descobrimos que é muito mais fácil dar suporte a grupos menores em termos de empregabilidade, adaptação em todos sentidos… Foi uma coisa que aprendemos fazendo. Assim o processo flui mais rápido e conseguimos manter uma rotatividade boa, para mais gente sair do caos que está a Venezuela, e que também está em Boa Vista”, diz eles. “Mas o projeto é bem estruturado e com premissas bem definidas, para que as pessoas que venham tenham algo a acrescentar não só às suas vidas, mas também contribuir para a cidade que o está acolhendo”, acrescenta. “Outra coisa. Se há três famílias em situação crítica, as equipes de campo fazem um trabalho de triagem para eleger uma pessoa de cada uma delas que possa trabalhar, para possibilitar que os familiares venham posteriormente. Isso evita uma sobrecarga do suporte oferecido pelo programa”, destaca.

Ao lado da representante da OAB, Paula Infante, e do marido, João Cecílio, Celiangel e o filho Juan Manuel deixam a sede da UAI após obtenção do protocolo de requerimento de refúgio

‘Ninguém quer tirar emprego dos juiz-foranos’

A coordenadora Camila Riani explica que todo o trabalho da Aban é feito por meio de voluntariado, doações e parcerias. “Nossa maior dificuldade atualmente é com as passagens, já que a associação consegue atendê-los em termos de moradia, alimentação e outras necessidades”, explica ela. “Já conseguimos parcerias com algumas empresas que dão oportunidades de vagas para os imigrantes que chegam, e isso tem ajudado bastante. Até porque há uma ideia equivocada por parte da sociedade de que eles querem ‘tomar’ os empregos dos juiz-foranos, o que não é verdade. Eles ocupam vagas de base, que possuem muita demanda na cidade, observa ela. “Nenhum venezuelano que chega a Juiz de Fora está passando fome, seja porque está 100% sob os cuidados da Aban ou porque já está empregado e tem sua casa”, completa Sérgio.

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Segundo ele, o vigário paroquial da Catedral, Luiz Eduardo de Ávila, também tem oferecido apoio fundamental aos grupos que chegaram à cidade. “Com autorização da Arquidiocese, falei que a Aban precisava de ajuda para dar esse suporte a estes venezuelanos. Então abrimos bazares para roupas, conseguimos móveis, recebemos doações de alimentos e algumas pessoas até ofereceram dinheiro para ajudar a custear as passagens dos familiares de quem já está instalado aqui. Além disso, por eu ser sacerdote, alguns se sentem mais à vontade de conversar comigo, vão se aproximando, ficando amigo”, diz o pároco, que afirmou que a Arquidiocese pretende ampliar o suporte a imigrantes que se instalem em Juiz de Fora.
Em nota, a assessoria de comunicação da Arquidiocese informou que ainda não há um projeto definido, a não ser “a disposição em ajudar caritativamente os venezuelanos que aqui chegam fugidos da situação de seu país”. Também via assessoria, a UFJF afirmou que “não há programa específico de acolhimento a refugiados, mas há projetos em andamento e encaminhados nesse sentido”. A universidade pontuou, ainda, que “qualquer possibilidade de parceria pode se tornar um projeto muito bem-vindo, mas depende de análise e aprovação do Conselho Superior da Universidade”.

A Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), através da assessoria da Secretaria de Desenvolvimento Social (SDS), informou, em nota, sobre a possibilidade de apoio aos estrangeiros e reforçou que, por meio dos Centros de Referência em Assistência Social (Cras), “realiza os encaminhamentos de famílias em vulnerabilidade a atendimentos no âmbito da assistência social. A PJF também possui o Portal Seu Emprego JF, para auxiliar na colocação no mercado de trabalho. Dentre os serviços da Secretaria de Desenvolvimento Social, em 2018, somente o Departamento de Políticas para a Pessoa com Deficiência (DPCDH) atendeu uma família venezuelana com uma integrante com deficiência. Os outros serviços não receberam, este ano, demandas relativas a estes imigrantes, mas encontram-se à disposição para realizar os atendimentos que forem necessários. Até o momento, a PJF não foi procurada pela Aban, mas está à disposição para auxiliar na busca por alternativas e soluções que visem assegurar a dignidade, os direitos humanos e a empregabilidade destes imigrantes”.

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Documento é uma das dificuldades

Um dos empecilhos que os imigrantes enfrentam na busca por trabalho é a falta de documentos de que precisam para garantir uma posição no mercado ou a desinformação sobre como podem consegui-los. Pensando nisso, a OAB Juiz de Fora, por meio da Comissão de Direito Internacional, tem se reunido com os estrangeiros que chegam à cidade para prestar assistência e apoio jurídico para que eles consigam toda a documentação brasileira que lhes é de direito, como o status de refugiado, carteira de identidade para estrangeiros, CPF e Carteira de Trabalho, para que assim possam ficar em situação regular no Brasil. “Também pretendemos fazer um acompanhamento contínuo com questões jurídicas e burocráticas, e orientamos a todos que cheguem a procurar a sede da OAB (Avenida Dos Andradas 696, Jardim Glória), diz Paula Infante, presidente da Comissão, que tem acompanhado cada caso pessoalmente.

“Agora estou mais feliz, mais tranquilo e com mais força”, diz João Cecílio após regularizar a situação da família em Juiz de Fora

Reencontro e recomeço

Paula Infante explica que é a partir do formulário de solicitação de refúgio do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) que qualquer estrangeiro pode requerer residência definitiva no Brasil. Em Juiz de Fora, o documento é entregue na Unidade de Atendimento Integrado (UAI), no Shopping Jardim Norte, e após a conferência dos documentos necessários à requisição e o registro das impressões digitais, os imigrantes já obtêm um protocolo. “Com esse protocolo, eles já podem tirar documentos como CPF, carteira de trabalho, carteira do SUS, entre outros. Nós os ajudamos a separar os documentos que precisam ser anexados ao formulário e também a preenchê-lo, porque ele é muito extenso e detalhado. Paula acrescenta, ainda, que a resposta da solicitação de refúgio pode demorar mais de um ano, e, caso este prazo vença, o estrangeiro precisa renovar o pedido para permanecer no Brasil legalmente. Outro empecilho, segundo Paula, é a solicitação, em seleção de empregos, de documentos que não deveriam ser exigidos de estrangeiros, como o Certificado de Reservista, para o qual os venezuelanos não possuem equivalente.

No dia 28 de fevereiro, a visita de Paula à UAI teve um quê de especial. Ela acompanhou os requerimentos de refúgio de Celiangel Coromoto Alvarado Guzman (32) e do pequeno Juan Manuel Freitas Alvarado, de apenas 4 anos. Além da presidente da Comissão de Direito Internacional da OAB, eles foram acompanhados por João Cecílio Gonçalves, pai do pequeno Juan Manuel e marido de Celiangel, grávida de sete meses de outro menino, que terá o nome de Martín. João Cecílio, que é português de origem e irmão de Sérgio (citado acima), já havia sido entrevistado pela Tribuna quando conversamos com os primeiros seis imigrantes da Venezuela a chegarem em Juiz de Fora. “Agora estou mais feliz, mais tranquilo e com mais força. Além da minha mulher e meus filhos, minha mãe também veio, e estar com a família muda tudo. Estamos todos morando numa casa no Mundo Novo, meu filho já está em uma creche e minha mulher já está recebendo tratamento médico, para ela e o bebê”, diz ele, visivelmente aliviado e alegre, agora trabalhando como garçom.

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Para Celiangel, não viver mais com medo, por ela e pela família, foi a grande conquista em sair da Venezuela. “Não queria deixar o meu país. Mas não sabia se ia voltar para casa viva. A inflação subiu tanto que a gente não sabia se iria comer no dia seguinte. Fora isso, fui assaltada a mão armada diversas vezes, uma delas no transporte coletivo e, em outra ocasião, já grávida. Além disso, lá agora não há qualquer serviço de saúde funcionando decentemente, não poderia ter meu filho lá”, relembra ela, que desembarcou na cidade há um mês e meio. Antes, chegou a Boa Vista de ônibus e, apesar de já se sentir mais segura por lá, garante que as condições eram precárias. “Como havia muitos venezuelanos, ficávamos juntos, em grupo, e não me sentia ameaçada. Mas as condições de higiene, por exemplo, eram muito pobres, especialmente para uma grávida e um menino pequeno.” De posse do protocolo da solicitação de refúgio, Celiangel planeja agora, em primeiro momento, o nascimento de Martín. “Estou feliz que ele seja brasileiro. Na verdade, já tem três nacionalidades: brasileiro, venezuelano e português (risos). E além disso, com os documentos, poderei trabalhar quando o bebê estiver maior, já que o mais velho já está na creche e poderá ir à escola.”

Chegada dos imigrantes não impactará a cidade

A coordenadora do projeto de acolhimento aos imigrantes da Aban, Camila Riani, afirma que ainda há muito receio de grande parte da população em relação à chegada dos venezuelanos – e dos imigrantes, de forma geral. “As pessoas criticam sem saber que tipo de situação eles estavam vivendo em seu país. Poderiam procurar entender antes de mostrarem tanto preconceito, eles todos deixaram suas casas porque era impossível viver no país”, diz ela. Para o doutor em ciências políticas e professor da UFJF Raul de Magalhães, é imprescindível que o acolhimento dos imigrantes seja acompanhado de ações educativas voltadas para a população em geral. “É importante que haja esclarecimento da população quanto a este acolhimento, o que normalmente ajuda a resolver problemas como a xenofobia, que desencadeia vários outros. É preciso pensar em campanhas educativas ou ações desta natureza”, afirma ele.

Para o professor, a chegada de três venezuelanos ao mês não provocará impactos relevantes ao município. “O número parece muito pequeno para provocar impacto significativo na economia, na saúde, no mercado e na vida em geral. Existem mais brasileiros de outras cidades chegando à cidade mensalmente. Três pessoas por mês buscando posições em empregos que não exigem muita qualificação, como é o caso, não parece apontar para qualquer problema para os trabalhadores da cidade”, avalia.

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Ele destaca, entretanto, que deveria haver algum tipo de suporte por parte do Governo, sobretudo porque, em nível federal, a presidência editou em fevereiro uma medida provisória que acena com ações de assistência emergências para imigrantes venezuelanos em Roraima em diversas áreas, como proteção social, saúde, educação, alimentação e segurança pública. “Isso vale para a fronteira, mas a partir do momento que há uma interiorização do fluxo de imigrantes, não se pode receber estas pessoas e deixar que elas vão para a marginalidade, há que haver um mínimo de infraestrutura. Até porque não se pode deixar o problema localizado em Roraima, a estratégia de interiorização é normal e esperada. Claro, o melhor seria que as coisas se resolvessem na Venezuela para que as pessoas não tivessem que migrar forçadamente para sobreviver”, pondera.

Paula Infante destaca, ainda, que a interiorização não apenas é um processo esperado, mas é literalmente previsto pela Medida Provisória assinada por Michel Temer, que inclui “políticas de proteção social; atenção à saúde; oferta de atividades educacionais; formação e qualificação profissional; garantia dos direitos humanos; proteção dos direitos das mulheres, crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, população indígena e comunidades tradicionais atingidas; oferta de infraestrutura e saneamento, segurança pública e fortalecimento do controle de fronteiras; logística e distribuição de insumos; e mobilidade, distribuição no território nacional e apoio à interiorização das pessoas refugiadas – neste caso, a transferência para outros estados do país será feita de acordo com a vontade das pessoas atendidas”. Paula destaca, ainda, que a Lei de Migração (13.445 , de maio de 2017) revoga o Estatuto do Estrangeiro, de 1980, e garante um acolhimento mais amplo aos imigrantes, facilitando, por exemplo, sua regularização no país, que pelo texto antigo era vista como ameaça.

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