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Polícia Civil investiga caso de transfobia contra estudante de JF

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A Polícia Civil, por meio da Delegacia de Atendimento à Mulher, investiga o caso de transfobia contra uma auxiliar de cabeleireiro, de 23 anos. A vítima, que é estudante de jornalismo e passou pelo processo de transição de gênero há dois anos, diz ter sua imagem e nome expostos em vídeo, áudios e fotos em tom de zombaria e de preconceito em grupos de WhatsApp. O episódio envolvendo Valentina Avelino ocorreu, em 2 de fevereiro, uma noite de sábado, quando a jovem participava de uma festa em uma casa noturna da cidade. Na ocasião, ela foi gravada pelo celular de uma outra jovem, de 22 anos, quando dava um beijo em um rapaz.

Imagem e nome antigos de Valentina, de antes da transição, bem como seu título eleitoral, foram divulgados em forma montagem em grupos de WhatsApp (Foto: Arquivo pessoal)

O caso está a cargo da delegada Bianca Mondaini. Segundo ela, o inquérito investiga a incidência do artigo 20 da Lei 7.716, que define como crime a prática, a indução ou a incitação a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, cujo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) se estende para os crimes relativos a questões de gênero. Conforme o segundo parágrafo do artigo, se qualquer dos crimes previstos na lei for cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza, a pena é de reclusão de dois a cinco anos e multa.

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Conforme o boletim de ocorrência registrado pela vítima sobre o caso, a jovem apontada como a responsável pela gravação do vídeo estava com outra mulher, de 21 anos, e ambas, durante a gravação, riram e expuseram Valentina no local onde a festa ocorria. Além disso, como registra o documento policial, no dia seguinte, a vítima foi surpreendida com sua imagem circulando em grupos de WhatsApp em uma montagem na qual aparecia lado a lado fotos atuais e fotos antigas, antes de Valentina ter passado pela transição, bem como teve seu título eleitoral exposto na mesma montagem. Junto das imagens também circula um áudio na qual uma voz masculina diz: “(…) pegou um viado, mano, você acredita? Eu tentei socorrer, eu juro que eu tentei. (…) vou ajudar o amigo, na hora que eu vi já estava beijando, passando a mão na bunda. (…) Isso é homem, hein! Vou mandar o vídeo aí para você que não estão mentindo”.

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Ainda como pontua o registro policial, a vítima declarou temer por sua integridade física devido ao preconceito, uma vez que ela foi exposta em redes sociais e há uma “grande violência contra a população transgênero.” Em entrevista à Tribuna, Valentina contou que não era a primeira vez, naquela ocasião, que tinha “ficado” com o rapaz e, na festa, uma amiga da ex-namorada dele gravou o momento em que ela beijou o jovem. “Na segunda-feira seguinte, eu recebi o vídeo no qual eu aparecia beijando o rapaz, inclusive foi o meu patrão que me enviou. Minha sorte é que ele é meu amigo e não ligou pelo fato de haver exposição da minha imagem. Esse vídeo, junto com imagens minhas antigas, antes da transição, foi divulgado em grupos de WhatsApp da cidade. Eu tive ciência de pelo menos dois grupos em que o vídeo está circulando. Inclusive cheguei a notificar o rapaz do que havia ocorrido e que iria recorrer à justiça”, afirmou Valentina.

Segundo a jovem, ela fez o boletim de ocorrência sobre a divulgação de suas imagens, e as responsáveis pela postagem do vídeo foram ouvidas na delegacia. “Elas chegaram até a mim e se retrataram e alegaram que, na verdade, queriam atingir o rapaz, mas, ao expô-lo, elas também atingiram a mim. No vídeo, fica claro que elas dizem “é homem”, “é homem” e afirmam que eu seria babaca por estar ficando com o rapaz. Parece que ela tomou as dores da amiga, porque ela diz que vai filmar e mostrar para todo mundo”, relata Valentina.

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Para a jovem, que é transexual e começou seu processo de transição há dois anos com tratamento de hormônios e adoção de uma imagem feminina, ver-se exposta nas redes sociais em meio a comentários preconceituosos traz-lhe insegurança. “Quando a gente recorre aos nossos direitos, as pessoas que fazem as coisas erradas, fora da lei, ficam indignadas e se revoltam e podem querer fazer algo contra mim, numa tentativa de vingança. Esse é meu medo, de sofrer alguma tipo de violência por querer ir atrás dos meus direitos e também me ver prejudicada em algum tipo de chacota pela minha posição de mulher transexual”, ressalta Valentina.

Para ela, casos assim precisam de punição “porque todas as pessoas têm direito a sua privacidade e eu não autorizei que minha imagem fosse divulgada dessa forma. Tinham imagens no meu Facebook e, algumas, que eu não destaco mais, foram copiadas, algumas marcadas com terceiros, outras com meu nome antigo, além de pegarem uma foto da imagem do meu título de eleitor com meu nome social, entrevistas que eu já havia concedido a veículos de imprensa. Foram várias imagens que foram usadas para fazer deboche com a minha cara.”

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Responsabilização atinge quem também propaga conteúdo

O advogado Júlio Mota Oliveira, que é especialista em em Relações de Gênero e Sexualidades pela UFJF, foi constituído por Valentina a fim de acompanhar o caso. Conforme ele, até o momento, a investigação que está em curso na Delegacia de Mulheres colheu os depoimentos de três envolvidos, que teriam admitido a participação no crime. “Com a conclusão do inquérito policial, a vítima será intimada para se manifestar e daremos início à ação penal. Concomitantemente, na esfera cível, serão propostas ações pleiteando a reparação pelos danos morais experimentados pela vítima em decorrência do crime cometido”, pontua Júlio.

Segundo o advogado, em uma situação como essa, não só quem produz um conteúdo lesivo pode ser responsabilizado pelos danos gerados, mas também quem os propaga. “Vale observar que, muitas das vezes, a segunda conduta é muito mais prejudicial do que a primeira, diante da proporção que confere à ofensa. É importante ressaltar, também, que a ofensa aos atributos da personalidade da vítima, em especial à integridade moral, à violação da honra, à imagem e à privacidade, foi favorecida pelo ambiente virtual, em razão da impressão do anonimato gerado pela atuação à distância, da abrangência e da velocidade da difusão da informação, além da multiplicação da informação mediante sucessivas transmissões e a ausência de réplica ou resposta da vítima”, destaca.

Júlio explica que o crime de transfobia ocorre nos casos em que as vítimas são agredidas, discriminadas, ofendidas e ou ameaçadas por sua identidade de gênero não-cisgênera ou quando pessoas cisgêneras têm a si atribuídas uma identidade de gênero distinta da sua.

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