Pelo menos quatro estudantes de Juiz de Fora e região estão entre os 55 que conseguiram a nota máxima na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), na prova de 2018. As notas foram divulgadas pelo portal do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, nessa sexta-feira (18). A temática escolhida para essa edição do concurso foi “Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados da internet”. O tema amplo permitia vários caminhos, e cada um desses estudantes precisou trabalhar um conjunto de referências que levava a uma proposta de intervenção. Na preparação, todos eles tiveram, além de seus professores de redação, o apoio de cursos específicos para trabalhar as competências exigidas pelo certame. Com o resultado, eles aguardam a classificação do Sisu, que abre as inscrições na próxima terça-feira (22) e pretendem cursar Medicina.
Yuri Faquini de Sousa, 18 anos, fez o Ensino Médio no Colégio Militar de Juiz de Fora e teve que conciliar os estudos para o Programa de Ingresso Seletivo Misto (Pism) da UFJF e para o Enem. Como a natureza das provas é muito diferente, ele focou a preparação no Pism – no qual já foi aprovado – sem tirar os olhos do Enem. Embora estivesse focado no vestibular seriado, fazia redações com frequência. “A redação tem um peso muito alto na nota global do Enem. Você pode alcançar notas altas em outras áreas de conhecimento, mas a redação é muito determinante. Fui equilibrando, buscava fazer uma redação por semana. Em algumas semanas, eu fazia mais de uma, em outras, eu não conseguia fazer nenhuma. Mas eu tentava compensar na semana seguinte”, conta. A nota mil, no entanto, foi uma surpresa. “Fiquei muito feliz. Até passa pela cabeça em algum momento, mas nunca estamos preparados para uma notícia dessa, cheguei até a pensar que tivesse algo errado.”
Sobre a temática, o estudante diz ter gostado da forma como o assunto foi abordado. “No ano anterior, o tema foi a educação dos surdos, que também era muito interessante e reforça a ideia de que o candidato precisa estar preparado para tudo, mas é algo muito específico. O controle de dados abre margem para falar sobre diversos assuntos, sem fugir ao tema principal.” Ele buscou em teóricos como Manuel Castells referências para aplicar em sua argumentação. “Ele fala sobre os mecanismos de poder e influência nas redes e veículos de comunicação. Comecei com um repertório mais amplo para depois me aprofundar no tema, falando sobre a necessidade de garantir a autonomia para circular nas redes, porque elas podem ser maléficas para quem não tem um conhecimento prévio sobre o seu uso e pode ser benéfica para quem já tem alguma informação anterior.”
Yuri defendeu em seu texto a necessidade de evitar a formação das ‘bolhas’ nas redes, que condicionam os conteúdos que aparecem para o usuário. Além disso, ele também trabalhou com a ideia de que é preciso melhorar a relação dos anunciantes com esses espaços. Nesse sentido, outros fatores que colaboraram para sua preparação foram o acompanhamento das atualidades pelos jornais e a observação de sua própria relação com as redes. “Uma reportagem, um artigo podem fornecer uma informação que pode ajudar a escrever um parágrafo, se você conseguir articular bem.” Ele complementou a preparação no curso Aporia e, ao longo do ano, fez vários textos que chegaram à pontuação máxima. O professor Waldyr Imbroisi, que deu aulas para Yuri, comenta: “Eu e minha esposa trabalhamos no cursinho e sempre fazemos o Enem. O Manuel Castells que o Yuri usou, eu usei na minha redação, e os outros dois repertórios que ele usou, minha esposa usou na redação dela. Ele mandou no whatsapp falando ‘olha só, usamos o mesmo repertório’, então são coisas que a gente faz ao longo do curso como um todo. É um dia de muita felicidade.”
Recorrendo às aulas extras semanais
As estudantes Luiza Valmon de Oliveira, 21, e Gabriela Gomes Miranda Athouguia, 20, se prepararam com o curso Cave, mas também fizeram aulas extras de redação no curso do professor Eliandro Luiz Andrade. Assim como Amabile Cirilo da Silva, 17 anos, que estudou no Colégio Santa Catarina, mas também recorreu às aulas de Eliandro para complementar a preparação. O docente vibrou com a notícia de que três alunas conseguiram obter a nota máxima na redação. “Elas se dedicaram muito. É uma alegria ver o resultado que elas alcançaram. Procuramos trabalhar o máximo de conteúdo possível, mas também buscamos aumentar a autoestima dos estudantes. Eles precisam saber que são capazes, que têm muito potencial, mas precisam estar comprometidos com seus estudos.” Para o professor, nessa edição, a correção das provas foi mais exigente, tendo em vista o número restrito de redações com nota máxima e a grande ocorrência de provas zeradas. Foram 112.559 provas com nota zero.
Quem também comemorou as notas mil foi a professora de redação Vanessa Lage, do Cave. “Estamos muito satisfeitos, porque é difícil galgar um mil. As pessoas costumam banalizar um pouco essa coisa do 100%, mas isso em um concurso é uma loucura. É a excelência máxima, não teve percalços na construção do texto. É uma excelência alcançada por 55 em um universo de quatro milhões. Pensa nessa proporção. Então é uma satisfação muito grande, porque esse caminho não pode parecer fácil, porque ele não é.”
Luiza comentou que também fazia uma redação por semana, enquanto se preparava. “Estudava muitas horas por dia. Saía de casa às 7h, voltava às 13h. Depois pegava e estudava das 15h até a meia noite. É uma caminhada pesada, massante, ficamos muito desgastados emocionalmente, mas tive muita ajuda para chegar a esse resultado.”
Em seu texto, Luiza trabalhou com teóricos como Émile Durkheim, Pierre Bourdieu e Paulo Freire. “Citei a anomia social descrita por Durkheim, falei sobre o Marco Civil da Internet. Sobre a importância da fiscalização e também tratei da importância de se discutir o tema dentro das salas de aula, para que as pessoas saibam até onde vai a sua liberdade na rede e a usem de maneira mais consciente”, detalhou a estudante. Luiza também comentou que considera importante que, apesar de todos os esforços, os candidatos não deixem de ter acesso ao lazer e ao descanso. “Também é preciso ter momentos de descontração, para cuidar da saúde mental. Os professores ajudam muito também, porque despertam a nossa confiança.”
Jovem trancou faculdade para ir atrás do sonho
Gabriela Gomes Miranda Athouguia, 20, é natural de Cataguases, mas fez o Enem e estudou em Juiz de Fora. Ela cursava Odontologia no Campus da UFJF, de Governador Valadares e, em sua trajetória, percebeu que o que queria mesmo era Medicina. Assim, veio para Juiz de Fora para tentar conseguir seu objetivo. Ela fazia de duas a três redações por semana. O treinamento foi dando confiança à estudante. “Com o tempo, vamos percebendo um padrão. As competências da prova de redação se organizam em um arranjo matemático. Durante o ano, fui separando cada competência e vendo onde errava mais. Percebi que meus principais erros estavam no uso da norma padrão e busquei me concentrar nisso para melhorar.” Gabriela carregava com ela um caderninho de redação, no qual anotava, em tópicos, ideias e temas para que pudesse treinar. Ela já tinha feito redações sobre as notícias falsas e sobre a internet, mas se assustou quando viu o tema.
A discente usou os textos motivadores para se concentrar no tema e também recorreu a Paulo Freire e Durkheim, além de outros teóricos, como Hannah Arendt. “Eu achei que é muito do nosso universo o tema, ainda mais na época da eleição, estavam falando muito sobre isso, algoritmo, fake news, bolha da internet.” Embora estivesse preparada, não esperava a nota máxima. “Deu uma tremedeira. Eu estava confiante que tinha ido bem na redação, mas nunca esperava mil.” Ela aconselha os estudantes que estão se preparando para o teste a também estarem atentos aos textos de referência da prova e a manter um caderno com referências de temas e ideias. “Quando você vai treinando durante o ano, têm umas palavras-chaves nos textos motivadores que eles querem que essas palavras apareçam sem ser uma cópia da frase inteira na redação. Já o caderninho foi essencial para mim. Escrevia um tema da redação e ia colocando vários tópicos sobre aquele tema e no final escrevia uma conclusão que pudesse usar caso caísse aquele tema.”
‘Ficava a maior parte do tempo focada durante a semana’
Assim como Yuri, Amabile Cirilo da Silva, 17 anos, concluiu o Ensino Médio em 2018. Apesar de ter estudado temas correlatos, como a internet, não esperava que o controle de dados caísse na prova. “Fiquei bastante surpresa. Fiquei ali um tempo e pensei: ‘nossa, não vai sair nada’.Mas passou aquele momento, aquele baque, e eu consegui puxar outras coisas relacionadas à internet e à mídia que eu tinha estudado. Deu para pegar bastante coisa e conectar as ideias naquela situação específica.” Amabile define o mil como algo que ninguém espera, mas todo mundo espera, ao mesmo tempo. “A gente sempre fica na expectativa. Quando chega na hora, você acha que vai ser bom, mas nunca vai ser mil, mil é muito difícil para mim. Mas quando você vê, você fica muito feliz.”
Ela também dedicou muitas horas aos estudos, sob o olhar de sua mãe, que é professora de Língua Portuguesa. Embora não seja a matéria preferida da estudante, ela garante que a cobrança não era forte. “Ela nunca me cobrou muito, mas já foi minha professora, então ela sempre estava dizendo: ‘Amabile fez o dever?’, ‘não conversa na aula'”. Ela também não prescindiu do tempo de descanso e de oportunidades de lazer. “Durante a semana, ficava a maior parte do tempo focada, mas sempre me organizava para ter um descanso entre um conteúdo e outro, me alimentar corretamente, para no final de semana ficar mais sossegada e estudar menos.”
Ela aconselha a quem esteja se preparando para o Enem para não deixar de se dedicar. “Mesmo que no começo as coisas não estejam dando certo como foi para mim, as minhas primeiras notas de redação não foram boas no ano passado, mas, com perseverança, estudo, dedicação e confiança, porque você tem que confiar em si, saber que um dia você vai conseguir melhorar e chegar lá.” Ela aguarda o resultado do Sisu e, assim como os outros, também pretende passar em Medicina. “Se eu passar, vou comemorar mais um pouco além do mil, se não passar, é partir para mais um ano de cursinho e, se der, nota mil no ano que vem de novo”.
Tribuna conversa com três alunos de Juiz de Fora nota mil na redação do ENEM
Publicado por Tribuna de Minas em Sexta-feira, 18 de janeiro de 2019