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Raio-X da saúde bucal em Juiz de Fora

odontologia capa
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A saúde começa pela boca. A proposição não se refere apenas aos alimentos que ingerimos, mas também a alguns problemas bucais que, se não cuidados, podem evoluir para doenças graves e colocar em risco o corpo como um todo. Uma boa maneira de evitar que isto aconteça é a prevenção e, se possível, realizar visitas regulares ao dentista. O problema é que essa agenda não faz parte da rotina e nem da realidade de muitas pessoas. E os motivos são vários, incluindo a falta de condição econômica. Neste caso, a opção é o serviço do Sistema Único de Saúde (SUS) que, no entanto, sofre com a falta de investimentos governamentais nos âmbitos municipal, estadual e federal.

Conforme preconizado pelo Ministério da Saúde, a proporção entre o número de dentistas por habitante deve ser de um profissional para cada 1.500 e 5 mil habitantes. No entanto, o quantitativo de pessoas está relacionado à prevalência de cárie na população, sobretudo entre as crianças, quando as ações de prevenção são mais eficazes. Desta forma, segundo o estudo “SB Minas Gerais: Pesquisa das Condições de Saúde Bucal da População Mineira”, de 2013, 51,8% das crianças até os 5 anos de idade está livre de cárie na região que engloba Juiz de Fora. Assim, a Secretaria de Saúde da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) passou a adotar o esquema de um dentista para 2.500 habitantes. Entretanto, para uma população de cerca 540 mil pessoas, Juiz de Fora precisaria dispor 216 profissionais para cumprir o esquema, mas segundo a pasta, a cidade conta hoje com 140 cirurgiões-dentistas atuando, o que resulta em um dentista para cerca de 3.850 habitantes.

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Esses profissionais estão divididos entre 33 Unidades Básicas de Saúde (UBSs) – um pouco mais da metade das unidades existentes hoje, que é de 63 -; quatro Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs); três Unidades Odontológicas Regionais (UORs), um Pronto Socorro Odontológico (PSO) que funciona 24 horas; e um Centro Odontológico de Atenção a Pacientes Especiais (Coape). Todos esses locais, juntos, são responsáveis por realizar uma média de 5.197 atendimentos por mês. Além dos cirurgiões-dentistas, a população conta com outros 127 profissionais em saúde bucal, que complementam a assistência.

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Na UBS

Conforme a Secretaria de Saúde, o acesso à odontologia começa pelas UBSs, desde que as mesmas ofertem o serviço. Da mesma forma como acontece com o atendimento médico, o usuário passa por uma consulta na qual as suas necessidades são avaliadas. Feita a triagem, ele tanto pode ser submetido aos serviços restauradores de atenção primária (obturações em resina, amálgamas e curativos) ou encaminhado ao atendimento de urgência. Após um diagnóstico do cirurgião-dentista na unidade, o paciente que tenha necessidade de um atendimento mais complexo é direcionado para os CEOs.

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Nos CEOs, os usuários contam com os seguintes tratamentos: endodônticos (tratamento de canal), periodontais (tratamentos da gengiva), odontopediatria (atendimento a crianças de 0 a 5 anos) e cirurgias bucomaxilofaciais (extração de dente, extração de siso dentre outros procedimentos). Caso o paciente possua algum tipo de deficiência e demande outros procedimentos para auxiliar no atendimento, ele é levado até o Coape. Neste espaço, além de dentistas, há médicos, técnicos e auxiliares em saúde bucal, além de auxiliares de enfermagem. Estão disponíveis atendimentos endodônticos, periodontais, cirurgias e procedimentos sob anestesia geral.

Modelo medicocêntrico e falta de recursos

Mesmo com essas frentes de assistência, há demanda reprimida por alguns serviços na cidade, como é o caso de reabilitação (uso de próteses) e ortodontia. Na visão do especialista em Saúde Coletiva e Gestão Pública, Ivan Chebli, a cobertura odontológica no município é baixa. “Como o SUS prima pela integralidade do cuidado, o ideal era que todos os serviços fossem garantidos. Quando a demanda é maior do que as possibilidades, as pessoas acabam optando por uma das prioridades. Historicamente, isso tem ocorrido em Juiz de Fora. Não é de hoje que a saúde bucal, enquanto ação estratégia de atenção básica, preconizada pelo Ministério da Saúde, não tem tido muita ênfase, pois os recursos são limitados. O financiamento federal para a saúde bucal é insuficiente para garantir a universalidade de acesso via atenção primária. A pouca valoração da saúde bucal pelos gestores, financiadores e da própria população, tem levado a uma baixa cobertura do serviço.”

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Chebli explica que o modelo de atenção à saúde no Brasil é medicocêntrico, ou seja, todo o atendimento gira em torno das demandas médicas. Isto se deve à estratégia de atenção pensada e aplicada na década de 1990, que na época, retirou a assistência odontológica de dentro dos unidades básicas. “Os projetos arquitetônicos da época excluíram o ambiente para este atendimento. Pensou-se em regionalizar, então, foram criadas as Unidades Odontológicas Regionais (UORs). Embora aprovada, de certa forma, tirou o dentista e a discussão da saúde bucal das unidades básicas. Mas quem faz a saúde bucal não é o dentista apenas, mas toda a equipe multidisciplinar, ou seja, o enfermeiro, o médico, o agente comunitário. A educação pra saúde não pode ser monopólio de nenhum profissional”, defende.

Por isso, as ações odontológicas atualmente são voltadas para a prevenção em massa, a partir da fluoretação das águas, acesso à escovação e bochechos com flúor nas escolas, além da distribuição de kits com escova, pasta de dente e fio dental. Segundo o especialista, os indicadores de saúde bucal melhoraram muito dos anos 1980 pra cá, principalmente quanto à incidência de cárie. No entanto, o grande problema hoje é a população da faixa de 40 a 50 anos, que não se beneficiou do crescimento da odontologia preventiva. Esta é a geração que teve altíssima incidência de cárie, resultando na perda dos dentes, elevando a demanda para atendimentos mais especializados.
“Por isso, os trabalhos hoje são voltados para conter a cárie e a doença periodontal, para que elas não evoluam e demandem serviços mais específicos. É preciso fazer o básico bem feito. Eu defendo a volta da equipe de saúde bucal para as unidades básicas de saúde, nem que isso demande um projeto de revisão da estrutura assistencial do município, com locação regional de equipes de saúde bucal de suporte à saúde da família ou integradas em unidades que possuem o ambiente para o serviço. Isto faz com que as ações de promoção e de prevenção se ampliem, se multipliquem, não apenas o acesso a cura”, explica Chebli.

Clínicas ligadas às faculdades de odontologia da cidade, como a da Estácio, ofertam atendimentos básicos de forma gratuita (Foto: Leonardo Costa)

Clínicas das faculdades desafogam atendimento

Uma forma de preencher essas lacunas deixadas pelo SUS é buscar as clínicas odontológicas presentes nas faculdades. Três instituições de ensino superior em Juiz de Fora que disponibilizam a graduação e a pós-graduação em Odontologia oferecem especialidades a custo mais acessível (ver quadro). A prática adotada por essas entidades, conforme o especialista em Saúde Coletiva e Gestão Pública, Ivan Chebli, ajuda a suprir as demandas. “É uma parceria fantástica, pois desafoga parte do atendimento que seria direcionado para as UBSs e os CEOs, e até com mais complexidade”, pontua.

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No Centro Universitário Estácio, a clínica de graduação realiza, por mês, entre 1.500 a 1.600 atendimentos. Já a clínica da pós-graduação realiza de 250 a 300 atendimentos mensais. Conforme a professora e coordenadora da clínica de odontologia da Estácio, Tatiana Dias Costa, os pacientes chegam à faculdade das seguintes formas: encaminhados pelo serviço público municipal; encaminhados por outras instituições de ensino odontológico ou por profissionais cirurgiões-dentistas de Juiz de Fora e região.

Plano individual

“Qualquer pessoa interessada em ingressar em nosso atendimento odontológico pode nos procurar diretamente, por telefone, e agendar um horário para triagem. Nesse atendimento inicial, os pacientes são examinados, é elaborado um plano de tratamento individualizado e depois são encaminhados aos atendimentos específicos necessários”, explica Tatiana. Ao longo do tratamento, o paciente é atendido pelos alunos, que são supervisionados pelos professores.

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A população é recepcionada dentro dos seguintes cursos de pós-graduação: endodontia (com atendimentos em variados graus de complexidade, uma vez que somos referência no atendimento endodôntico auxiliado pela microscopia óptica); ortodontia, utilizando mini implantes extra alveolares; implantodontia que é referência nas reabilitações estéticas sobre implantes com manipulação tecidual e preservação óssea alveolar, além dos cursos de prótese e odontopediatria.

Nas especializações, os pacientes são encaminhados ou buscam diretamente pelos atendimentos. Segundo Tatiana, o serviço é gratuito, exceto quando o tratamento demande serviços laboratoriais. “O paciente precisa arcar com custos de insumos e de trabalhos laboratoriais executados em laboratórios protéticos particulares, fora da faculdade, quando se fizerem necessários.”

Cobrança recai só sobre insumos

A mesma prática ocorre na Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde (Suprema). Segundo o coordenador dos cursos de graduação e pós-graduação em Odontologia da entidade, Rodrigo Guerra, os atendimentos ofertados englobam o que o SUS já oferece, somados a especialidades e atendimentos de complexidade que o serviço público não dispõe. “Tudo de forma gratuita, exceto quando há serviços feitos por protéticos, como restaurações indiretas (pontes, coroas e dentaduras), por exemplo. Mesmo assim, o valor é bem mais acessível, cerca de 50% mais barato do que em um consultório particular. Em contrapartida, o paciente precisa entender que o tratamento pode ser demorado, pois tratam-se de profissionais em formação e assistidos pelos professores”, destaca.

O cadastro de pacientes é aberto a toda a população, independente da condição financeira, idade e gênero, e pode ser feito pelo Hospital e Maternidade Therezinha de Jesus (HMTJ), que é 100% SUS e administrado pela entidade. Além do atendimento ambulatorial, feito por cinco cirurgiões-dentistas do próprio hospital, o HMTJ ainda conta com quatro dentistas residentes (do programa de residência odontológica), que fazem o atendimento hospitalar aos pacientes internados, principalmente aqueles entubados por muito tempo na unidade hospitalar. Rodrigo explica que a triagem é feita no HMTJ por esses profissionais e, após a avaliação, o paciente é encaminhado à unidade onde o tratamento vai acontecer, dependendo da complexidade. Desta forma, ele pode ser atendido na clínica do Campus no Salvaterra, no próprio HMTJ ou na clínica da pós-graduação, no São Pedro. Nas três unidades, a Suprema é responsável por realizar entre 600 e 800 atendimentos por mês.

Na UFJF, o agendamento é presencial

Na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), o atendimento é gratuito e acontece por meio de agendamento, que deve ser feito de forma presencial, das 8h às 11h ou das 14h às 17h, de segunda a sexta-feira durante o período de aula. Além disso, conforme a diretora da instituição, Maria das Graças Afonso Miranda Chaves, a clínica também recebe pacientes encaminhados pelas UBSs. No entanto, a assistência vai de acordo com o serviço designado durante o acolhimento e a triagem na clínica, ou seja, o paciente é agendado conforme o conteúdo estudado em sala de aula.

“Se vamos fazer o tratamento de canal (endodontia), por exemplo, preparamos as salas para ser realizado esse tipo de serviço e colocamos todos os pacientes que possuem essa demanda. Vale lembrar que tanto este tratamento, como nos outros, são os alunos que fazem, sendo supervisionados pelos professores”, explica. Além disso, a diretora destaca que alguns casos específicos podem ser encaminhados aos projetos de pesquisa realizados na faculdade, como no curso de mestrado, por exemplo.

Atualmente, segundo Maria das Graças, a Faculdade de Odontologia oferta apenas um curso de especialização, que é o de Ortodontia, mas ainda não há demanda significativa de pacientes. A expectativa é que, com a retomada dessas pós-graduações, prevista para acontecer em breve, a entidade possa ampliar o serviço mais especializado.

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