Ícone do site Tribuna de Minas

Morador de JF obtém autorização para plantar maconha em casa

maconha
PUBLICIDADE

Um morador de Juiz de Fora, de 44 anos, conseguiu na Justiça autorização para “cultivo, o uso e a posse” em sua residência das plantas de Cannabis Sativa, popularmente conhecida como maconha. A decisão, em caráter liminar, foi proferida pelo desembargador Dirceu Walace Baroni, da 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em resposta a habeas corpus preventivo impetrado por advogado do interessado. O morador padece de epilepsia generalizada de difícil controle e possui três laudos médicos recomendando o uso medicinal da maconha como tratamento da doença. O nome do paciente é mantido em sigilo, uma vez que o processo corre em segredo de Justiça.

Em decisão proferida na última quinta-feira (16), o desembargador autoriza que o paciente cultive a planta “em quantidade estritamente necessária para a produção do óleo imprescindível à continuidade do tratamento de sua enfermidade, exclusivamente em sua residência e para fins medicinais, sem fornecimento a terceiro a qualquer título”. “Autoriza-se o uso apenas do óleo extraído da maconha, sendo vedado o seu consumo de qualquer outra forma. Ficam assim impedidos os agentes das autoridades apontadas por coatoras de proceder à prisão do paciente pelo cultivo, uso e posse da planta Cannabis Sativa e do óleo artesanal extraído do vegetal, bem como de realizarem a apreensão ou destruição de material correlato, que estiver exclusivamente em sua residência”, afirma o magistrado.

PUBLICIDADE

‘Risco de morte’

PUBLICIDADE

Para evitar possíveis ações de agentes de segurança pelo cultivo, posse e uso medicinal da maconha por parte do paciente, a decisão liminar conferiu ainda ao requerente um salvo-conduto reforçando o impedimento de agentes e autoridades de segurança, no caso as polícias Civil e Militar de repreenderem o requerente. Em sua decisão, o desembargador cita as argumentações apresentadas no habeas corpus preventivo pelo trio de advogados que representam o paciente: Leonardo Moreira Campos Lima, Carlos Frederico Delage J. De Oliveira e Henrique Abi-Ackel Torres.

“(O impetrante) assevera que o paciente não responde bem aos medicamentos convencionais já receitados e que a ausência de tratamento efetivo pode gerar crises epilépticas com risco de queda com traumatismo craniano, ‘queda da língua’ com asfixia, risco de acidente vascular cerebral, infarto do miocárdio e risco de morte. Aduz, ainda, que, diante de estudos científicos e dos repetidos resultados positivos, a equipe médica receitou o uso do Real Scientific Hemp Oil 24%, medicamento composto exclusivamente pelo óleo extraído da Cannabis, produzido no exterior e indisponível no Brasil”, pontua a decisão.

PUBLICIDADE

1º caso em Juiz de Fora e quarto em Minas

A decisão liminar concedida em favor do morador de Juiz de Fora é cercada de ineditismo. Esta é a primeira vez que uma movimentação jurídica iniciada na cidade resulta em uma decisão favorável a um paciente que pleiteia na Justiça o direito ao cultivo da maconha para uso medicinal. É a quarta decisão de cunho similar no estado e a primeira proferida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), segundo o advogado Leonardo Moreira Campos Lima, que integra a equipe de advogados que impetrou o habeas corpus preventivo. As outras três foram proferidas pelas comarcas de Conselheiro Lafaiete, Uberlândia e Belo Horizonte. Antes da solicitação chegar ao TJMG, “a ordem já foi impetrada na Comarca de Juiz de Fora/MG, numa vara criminal e no juizado especial que se declararam incompetentes”, ressalta a decisão do desembargador.

Segundo informações da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas (Reforma), até agosto deste ano, já havia sido registrados 53 habeas corpus em todo o Brasil pleiteando o cultivo de maconha para fins medicinais, sendo 42 deles tiveram decisões favoráveis. Os estados com mais liminares autorizando o cultivo e uso da planta são Rio de Janeiro e São Paulo, com 12 casos cada. “Hoje já são 45 em todo o Brasil”, afirma o advogado Leonardo Lima. Com relação ao tipo de enfermidade cujo o plantio para utilização medicinal do óleo extraído da Cannabis Sativa, a maioria dos casos, 14, dizem respeito à epilepsia, mesma doença à qual o morador de Juiz de Fora beneficiado por recente liminar concedida pelo TJMG é cometido.

PUBLICIDADE

Ineditismo
O ineditismo desta decisão consiste em ser uma decisão proferida pelo Tribunal de Justiça como instância originária. Até então, as outras decisões eram proferidas por juízes de primeira instância ou pelos tribunais em grau de recurso. Mas, neste caso, tem o TJMG como instância originária. A importância disto é que esta decisão garante o acesso à saúde para uma pessoa que usa a Cannabis de forma terapêutica e cultiva esse remédio em sua casa de forma a não depender nem do poder público e nem de empresas para cuidar da própria saúde”, considera Emílio Figueiredo, fundador da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas, em entrevista à Rádio CBN Juiz de Fora.

Estado não arcou mesmo após decisão judicial

A luta do morador de Juiz de Fora acometido por epilepsia para garantir o direito a fazer uso medicinal da maconha se arrasta desde 2015, quando o paciente conseguiu autorização excepcional da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importação de produto à base de Canabidiol em associação com outros canbinóides. A medida administrativa permitia assim, que ele importasse 37 unidades de um produto chamado Real Scientific Hemp Oil (RSH) CBD no período de um ano para tratamento de sua saúde.

PUBLICIDADE

Após a vitória administrativa, começou a jurídica. Em 2016, sem condições financeiras para bancar o medicamento estimado em cerca de R$ 36 mil ao ano, por meio da Defensoria Pública de Minas Gerais, o paciente recorreu à Justiça para pedir que o Estado arcasse com os custos do tratamento. Em decisão proferida em 26 de julho daquele ano, a juíza Liliane Bastos Dutra do Juizado Especial Cível da Comarca de Juiz de Fora deferiu tutela antecipada para que o Estado de Minas Gerais fosse intimado a fornecer o medicamento, sob pena de multa diária de R$ 200. Segundo o advogado Leonardo Lima, no entanto, o pagamento só foi feito em um único mês.

Conforme advogado Leonardo Lima, a decisão proferida pelo TJMG tem caráter liminar e uma posição definitiva ainda será discutida pela Oitava Câmara (Foto: Olavo Prazeres)

“Fomos procurados por ele no final do ano passado por indicação da Reforma, que é uma rede jurídica nacional pela reforma da política de drogas, que está envolvida na maioria dos habeas corpus concedidos para o cultivo de maconha para fins medicinais no país. Ele tem laudos de três médicos diferentes, indicando o uso, por não se adaptar e ter problemas com os remédios tradicionais disponíveis no mercado”, afirma o advogado, lembrando o tratamento convencional não sanava a incidência das convulsões, o que colocava em risco a saúde e a vida do paciente.

Em um destes laudos, o médico neurologista Leandro Cruz destaca que o paciente encontra-se em tratamento de epilepsia desde os 9 meses de idades, após ter nascido prematuramente com apenas 6 meses de gestação. “É meu paciente desde setembro de 2015, o quadro de epilepsia sempre foi de difícil controle, apesar de medicado com diversas substâncias, dentre elas, fenobarbital, ac valproico e divalproato de sódio, com dificuldades na tolerância, tendo vários efeitos colaterais como sonolência, bruxismo, sudorese e alteração atencional.” Segundo o médico, depois que o paciente começou a utilizar o oléo de Cannabis artesanal “houve excelente resposta”.

PUBLICIDADE

Leonardo Lima reforça que a decisão proferida pelo TJMG tem caráter liminar e uma posição definitiva ainda será discutida pela Oitava Câmara. O colegiado é formado por cinco desembargadores, sendo que três votaram sobre o mérito do habeas corpus preventivo que tem o desembargador Dirceu Walace Baroni como relator do processo. O advogado do paciente defende ainda que o acesso ao medicamento remonta aos direitos à vida, à saúde e à dignidade humana definidos pela Constituição.

“Estes direitos já haviam sido reconhecidos pela decisão de 2016 e a morosidade e insuficiência do estado impediam que o paciente tivesse acesso a eles. Outro ponto é que a Lei 11.343/06 proíbe o porte e a venda drogas, mas quem define o que é droga é uma portaria da Anvisa. Justamente a mesma agência reguladora que estabelece, por meio das resoluções da Diretoria Colegiada (RDCs) 17/15 e 156/17, que a maconha é uma planta medicinal. Ou seja, a mesma agência que diz que a maconha é uma droga e traz riscos à saúde pública autoriza a importação de remédio a base de maconha. Trata-se de incoerência difícil de se sustentar. Que essa e as outras 44 decisões que autorizam o cultivo sejam passos importantes na regulamentação do uso medicinal e na ampliação do debate sobre a cannabis “, considera o advogado.

Sair da versão mobile