Ícone do site Tribuna de Minas

Óxi ganha espaço no município

463293134

463293134

463293134
PUBLICIDADE

O óxi chega a Juiz de Fora. Apesar de as polícias ainda não confirmarem a circulação na cidade do subproduto da cocaína, mais forte que o crack, entre os usuários e na Secretaria de Saúde de Juiz de Fora a incidência da droga já é considerada uma realidade local. As primeiras notificações de usuários chegaram ao Departamento de Saúde Mental. Nas ruas, dependentes de crack também relatam a presença do derivado, que tem em sua composição substâncias corrosivas e extremamente tóxicas – como cal virgem, querosene e gasolina – e apontam até mesmo os pontos onde é possível encontrar as pedras, vendidas bem mais baratas que as de crack. O município, que assim como outros grandes centros, vive uma epidemia do crack, com cerca de seis mil usuários, ainda sofre com a falta de infraestrutura para diagnosticar o óxi. A perícia da Polícia Civil não tem equipamentos específicos para a análise das substâncias presentes no entorpecente. Também não há definição de parâmetros para a identificação deste produto tóxico. Estes entravem podem estar contribuindo para a subnotificação das apreensões da droga na cidade.

No entanto, ações começam a ser tomadas para tentar barrar a entrada do óxi e coibir o uso de crack em locais públicos. Ontem a Polícia Federal (PF) deu início à Operação Presença II. Segundo o delegado chefe da PF em Juiz de Fora, Cláudio Dornelas, a ação preventiva aconteceu à tarde, quando foram encontrados indícios que confirmam o uso do crack no entorno do Terreirão do Samba, área conhecida como Cracolândia. "As incursões serão frequentes. Nosso objetivo é a prevenção e mostrar para a comunidade a presença da Polícia Federal."

Gestor da Saúde Mental no município, José Eduardo Amorim confirma os primeiros casos de uso e dependência: "Recentemente pelo menos dois usuários já nos procuraram pedindo ajuda para deixar o óxi. Vieram pessoalmente aqui. Uma delas é uma jovem de 23 anos, moradora da região Leste. Sendo assim, podemos dizer que extraoficialmente já temos notificações de usuários da nova droga na cidade, embora ainda não tenhamos dados do Hospital de Pronto Socorro, porta de entrada da maioria dos dependentes químicos. A diferença entre o crack e o óxi, segundo a usuária, é em relação aos efeitos no organismo e a cor da fumaça. Segundo palavras dela, ‘é mais forte e mais rápido’ e o efeito é de anestesia, sensação de ressaca, além de a fissura ser bem mais intensa que a do crack."

PUBLICIDADE

Para Amorim, a subnotificação pode estar se repetindo. "Igualmente como ocorreu quando houve o surgimento do crack na cidade, na Zona Norte, há 15 anos. Por mais e melhor que seja o sistema de saúde, de assistência e de segurança pública, nada disso funciona como barramento. Pelas características da globalização, a situação de Juiz de Fora não é diferente da de Santos Dumont, que não é diferente da de São Paulo."

‘Droga enigmática’

Em entrevista à Tribuna, o subsecretário de Políticas sobre Drogas da Secretaria de Estado de Defesa Social, Clóvis Benevides, reconheceu a falta de conhecimento sobre a nova droga, o que pode estar, de fato, contribuindo para a subnotificação dos casos de apreensões, não só em Juiz de Fora, mas em outras cidades do estado e do país. "O Brasil padece de uma melhor leitura a cerca dessa substância. Os meios utilizados atualmente só permitem isolar a base, mas não os solventes. É uma droga ainda bastante enigmática. Por isso mesmo estamos fazendo uma reunião técnica para discussão dos parâmetros dessa droga, juntando as pesquisas já feitas no Brasil, sobretudo estudos feitos no Acre, no Norte, onde teve início o consumo no país, além das análises que vêm sendo realizadas pela Polícia Civil de Minas e pela Polícia Federal. O objetivo é buscar um consenso no sentido de conhecer mais os parâmetros. Não sabemos se diante dessas indefinições estamos valorizando as apreensões de crack ou subnotificando o óxi. Ainda não sabemos qual o tamanho do problema, quais os parâmetros técnicos. Não existe protocolo para diferenciar o crack e o óxi. Em Minas, os dados ainda não são seguros, não apontaram significadamente para um nova versão do crack ou para uma nova droga. Isso não é negar a existência do óxi, mas dizer que ele ainda é rondado por muita nebulosidade."

PUBLICIDADE

 

Composição química difere óxi e crack

O aspecto visual do óxi confunde-se com a forma do crack. O temor é que, por conta da semelhança, dependentes químicos possam estar utilizando o entorpecente sem saber. Conforme as polícias e os especialistas em drogas, a diferença do óxi para o crack está na composição química. Ambos são derivados da pasta base de cocaína, mas, para transformar o pó em pedra, o crack usa bicarbonato de sódio e amoníaco. Já o óxi, com o objetivo de baratear os custos, leva querosene e cal virgem (ver quadro). Ou seja, a diferença entre os derivados da coca são os solventes, mas os padrões para definição dos mesmos ainda não estão estabelecidos.

PUBLICIDADE

De acordo com a assessoria da 1ª Delegacia Regional de Polícia Civil, a perícia ainda aguarda posicionamento oficial na busca da definição de critérios para a avaliação do óxi. O órgão também informou que a cidade só realiza exames de baixa e média complexidade, e os procedimentos mais complexos são enviados para o Instituto de Criminalística em Belo Horizonte.

O chefe da Divisão de Laboratório do Instituto de Criminalística em BH, Eduardo Auharek, cita o estudo realizado pelo Serviço de Laboratório do Instituto Nacional de Criminalística da PF, em Brasília, com a colaboração de equipe do programa de Perfil Químico das Drogas da PF (Projeto PeQui). Segundo a pesquisa, o óxi não é definido como uma nova droga e sim como uma "diferente forma de apresentação da cocaína". Auharek explica que "importa para a perícia a identificação da cocaína, o princípio ativo da droga. A legislação da Anvisa trata sobre a cocaína e seus sais. Encontramos o entorpecente, não faz sentido procurarmos outras coisas."

Apesar de em Minas as perícias afirmarem que não há porque se preocupar com as demais substâncias presentes no óxi, no Rio, o Instituto de Criminalística Carlos Éboli desenvolve um método inédito para identificar o derivado. Segundo a assessoria de comunicação da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, o processo já está adiantado. É necessária uma série de testes químicos para apontar quais elementos compõem a droga, considerada 80 vezes mais tóxica que a cocaína.

PUBLICIDADE

 

Comportamento do dependente ainda precisa ser estudado

A rapidez com que se instala a dependência é a maior preocupação dos especialistas, segundo o médico Elisaldo Carlini, do Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas (Cebrid). Conforme ele, a absorção da droga é extremamente rápida e, assim como o crack, acontece pelo pulmão e vai direto para a corrente sanguínea, causando insônia, falta de apetite e alterações mentais, conhecidas como paranoia. Ainda segundo o especialista, dores estomacais, de cabeça, náuseas, vômitos e diarreia constantes também são relatos comuns de quem consome.

Outra preocupação em relação ao óxi é o aumento do uso e o perfil individualista dos dependentes. "A questão das drogas é tão antiga quanto a história do próprio homem. Isso é fato. O que me assusta é o aumento significativo da procura por drogas em nosso tempo e a invenção de novas drogas, muito mais individualistas. O crack, o óxi e as drogas sintéticas não funcionam como elo social, como acontecia com a maconha, por exemplo. Essas novas drogas não têm apelo religioso, não têm ligação com o divino e muito menos com o outro. O único enlace é consigo mesmo, causando um ensimesmamento assoberbado, um comportamento muito novo, que precisa ser estudado e considerado."

PUBLICIDADE

Polícias

Segundo o delegado chefe da PF em Juiz de Fora, Cláudio Dornelas, a necessidade de drogas mais baratas levam a alteração das já existentes. "O óxi nada mais é do que a cocaína. O que acontece é que acrescentam diversas substâncias para baratear a droga. É como uma experiência química, e esses produtos e até subdrogas tornam o efeito mais agressivo para o usuário. Isso aconteceu com o crack há 15 anos, quando começou a chegar em Minas."

Titular da 4ª Delegacia Distrital – Núcleo de Tóxicos, antigo Grupo Tático Operacional (GTO), Fernando Camarota, diz que ainda não registrou apreensão do produto. "Esse ano, só fizemos apreensão de pasta base de cocaína, o que tem sido nossa prioridade. Ainda desconheço a existência do óxi na cidade." Comandante da 135ª Companhia da Polícia Militar, capitão Márcio Coelho, responsável pelo policiamento na Zona Sudeste, também nega a existência do óxi. "No dia a dia da corporação, ainda não tivemos apreensões ou contatos com usuários."

 

‘Queriam me empurrar óxi de R$ 2’

Os efeitos devastadores são, em princípio, o que tem levado usuários de crack a evitar o óxi. A Tribuna esteve em pontos na região Central que são conhecidos por reunir usuários de crack e conversou com dependentes. Eles afirmam que já é fácil encontrar o óxi, mas contaram que não experimentaram por medo dos efeitos.

Tribuna – Já existe óxi em Juiz de Fora?

T., 24 anos, carioca, há cinco anos na cidade – "Já tem. Outro dia mesmo, depois de almoçar no Creas (Centro de Referência Especializada em População de Rua) fui com uma amiga comprar pedra no Olavo (Costa). O cara lá queria me empurrar óxi de R$ 2, mas eu não quis."

F., 25 anos, usuário de crack há oito – "Moro na rua, não tem como não saber do óxi. Você já encontra pedra de R$ 1,50 se quiser. Enquanto isso, uma pedra de crack custa R$ 5, R$ 10."

Tribuna – Você já experimentou?

T. – "Não. A maioria dos viciados tem medo do óxi, e, por isso, não está sendo bem aceito. Eu já tenho consciência que estou perdendo muita coisa por causa do crack. Já estou no fundo do poço. Sou homossexual e tenho vaidade. Olho para mim e vejo no que me transformei. Quando saio na rua, as pessoas me olham com medo, achando que vou assaltá-las. Não tem nada pior do que isso. O efeito do crack é fortíssimo, já começa antes de usar. Quando sei que vou fumar uma pedra, já tenho dores na barriga, uma ansiedade grande. A gente vê uns com faca na cintura, achando que estão sendo perseguidos, outros vendo bichos. Se com o crack é assim, imagina com o óxi. Por isso tenho medo. Tenho medo da minha reação, tenho medo de me matar."

F. – Não. Pode ser bem mais barato, mas não experimentei o óxi e nem quero por causa dos resultados, que são dez vezes piores.

Tribuna – Tem diferença entre o crack e o óxi?

T. – O crack é mais claro, o óxi é de cor mais mel, mais escuro. A fumaça é mais escura. E o preço também é diferente. Até hoje não ouvi falar que alguém fumou óxi enganado.

Sair da versão mobile