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Má gestão de leitos compromete vagas

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Com 4,2 leitos por mil habitantes, Juiz de Fora supera a média nacional que é de 2,3 leitos por mil habitantes, considerando hospitais privados e públicos, conforme levantamento da Organização Mundial de Saúde (OMS). O número do município também é maior do que o de países desenvolvidos e que possuem um sistema de saúde nos mesmos moldes, como Estados Unidos e Reino Unido, com média de três leitos por mil habitantes. Se a população da microrregião, que realiza todo o atendimento de média e alta complexidade em Juiz de Fora, for considerada nesse cálculo, o número continua alto, com três leitos por mil habitantes. O mesmo se dá com a UTI. Levando-se em conta apenas o critério populacional, a recomendação é uma média entre 8 e 11,5 leitos para cada cem mil habitantes. Em Juiz de Fora, há 45,7 leitos de UTI para cada cem mil habitantes. Levando em consideração a microrregião, o número é de 32,7 leitos de UTI por cem mil habitantes (ver quadro). Os dados provam que o município, teoricamente, teria lugares mais que suficientes para atender toda a população. Então, quais são os motivos para que tantas pessoas fiquem nas filas por dias para conseguir uma vaga hospitalar, entrando até mesmo com ações judiciais para garantir esse direito? A Tribuna foi atrás da resposta para essa questão na oitava e última reportagem da série SOS Hospitais. Um dos motivos é a não rotatividade dos leitos, o que significa que os pacientes ficam internados mais tempo do que deveriam.

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Levantamento feito pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) aponta uma queda de 23.565 leitos de internação na rede pública do país nos últimos cinco anos, o que equivale a cerca de 13 leitos a menos por dia. Em dezembro de 2010, o país tinha 335.482 leitos de internação para uso exclusivo do SUS. Já em dezembro de 2015, esse número diminuiu para 311.917, uma queda de 7,5%. Em Juiz de Fora, a situação foi a inversa: houve um incremento de 13% no número de leitos do SUS, passando de 1.440, em junho de 2010, para 1.626, em junho deste ano, conforme dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Os leitos de UTI subiram de 169, em 2010, para 189, em 2016, um aumento de 11,8% (ver quadro). Para realizar as médias de vagas hospitalares, a Tribuna não contabilizou os leitos psiquiátricos, porque não estão atualizados no cadastro.

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Novo modelo

Conforme o especialista em saúde pública Ivan Chebli, não existe um método universalmente aceito para o cálculo de leito. Mas a relação de leitos por habitantes é importante para fazer um planejamento. No entanto, para o especialista, a criação de leitos não é a resposta. “A existência do serviço condicionará a oferta. Não basta ampliar leito. Se ampliar o número de leitos sem regulação e remunerar bem, esses leitos estarão sempre ocupados, como os leitos psiquiátricos ficaram 100% ocupados historicamente matando gente. Temos que levar em consideração também o modelo de atenção à saúde que a Reforma Sanitária Brasileira preconiza, que é o modelo redebasicocêntrico (o foco é na atenção primária), e não hospitalocêntrico (o foco é no hospital), que precisa ser superado.” Chebli conta que, em países como Inglaterra e Canadá, o cidadão assistido pela atenção primária tem até prioridade para a ocupação dos leitos. “São modelos que o SUS se assemelha, com menos renda per capita, claro.”

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O diretor do Hospital João Penido, Renê Matos, concorda que não há falta de leitos na cidade. “Falta o uso correto do sistema de saúde que foi pensado em escala. Ele é um sistema com base larga, onde está a atenção primária, e vai afunilando. Só que, como a atenção primária não funciona muito bem, o sistema não funciona bem, e o paciente busca já a ponta. A sociedade tem cobrado a volta do nosso pronto atendimento. Mas nós só iremos funcionar regularizado através de contratualização com o município. Então, não pode querer que o João Penido venha a resolver o problema da atenção primária. Senão, vamos atender dentro de um hospital a atenção primária, secundária e terciária.”

 

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Tempo de permanência é desafio para hospitais

Apesar da dificuldade de se encontrar vagas nos leitos hospitalares, o especialista em saúde pública Ivan Chebli afirma que o problema não está na falta de leito e sim no tempo de permanência dos pacientes. “Por exemplo, temos como parâmetro de tempo médio de permanência para a clínica médica quatro dias de internação, para a clínica cirúrgica, três dias.” No entanto, não são esses parâmetros que acontecem na prática. Na clínica médica, por exemplo, o tempo médio de internação no João Penido é de 11 dias, no HU é de dez dias e, no João Felício, sete dias. Conforme Chebli, o SUS tenta reduzir esse tempo, colocando cláusulas de sanções de repasses nos contratos. “Caso o hospital não cumpra o que pactuou, chega no final do ano, ele perde recursos das chamadas metas qualitativas. São mecanismos de monitoramento importantes, mas a sanção econômica não resolve o problema. É fundamental a mobilização da direção dos hospitais para identificar quais são os problemas da alta oportuna.”

O gestor de custos do João Penido, Gustavo Lacerda, conta que a unidade trabalha com indicadores pactuados junto à Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) para redução de taxas de permanência. No caso da clínica médica, o tempo de internação era de 13 dias no ano passado. No primeiro semestre de 2016, o número caiu para 11. Na clínica cirúrgica, a média de internação era de 5,5 dias, em 2015. Neste ano, está em quatro dias. “Nossos indicadores estão melhores porque estamos trabalhando mais a gestão de leitos. São vários indicadores que a gente vai analisando mês a mês para ver como está a produtividade do hospital. Então, às vezes, se em um mês cai a produtividade, verificamos o motivo.”

Dificuldades

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O diretor do João Penido, Renê Matos, explica que a unidade tem peculiaridades que impactam na média de permanência. “Na clínica médica, temos um problema sério porque somos referência em duas patologias: tisiologia (tuberculose) e psiquiatria. Por exemplo, em janeiro de 2015, tivemos uma média de internação de 128 dias na psiquiatria. Esses dias são contabilizados na média de permanência da clínica médica.” O diretor enfatiza que o mesmo acontece com a UTI infantil. Nos primeiros quatro meses deste ano, a UTI infantil teve uma taxa de permanência de 19,8, sendo o ideal nove dias. “Aqui somos uma maternidade de alto risco. A criança com problemas neurológicos, por exemplo, vai para a UTI neonatal, fica por volta de 28 dias e depois vai para a UTI infantil. São crianças que permanecem na UTI muito tempo.”

Outros fatores que influenciam no aumento da taxa do hospital, segundo o diretor, são a necessidade de exames externos. “Quando é final de semana ou feriado, a gente não consegue deslocar o paciente. Isso atrasa o tratamento e impacta na taxa de permanência.” Outro fator apontado pelo diretor é o diagnóstico de outra doença durante internação. “Você interna o paciente com uma patologia, só que, internado, descobrimos que o diagnóstico é outro. Às vezes, não temos o especialista no hospital. Isso obriga que façamos remanejamento dele na rede e não encontramos a vaga em outros hospitais.”

No Hospital Dr. João Felício, a média de permanência geral dos leitos é de cinco dias. “Se depender do hospital, a vontade é dar alta em três dias porque, quanto mais tempo o paciente fica, menos o SUS paga. Mas as unidades não estão conseguindo rodar os leitos”, enfatiza o diretor da unidade, Carlos Marcelino de Oliveira. Ele também destaca comorbidades de pacientes que aumentam o tempo de permanência, como diabetes, úlcera de perna e cardiopatia associada.

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A chefe do Setor de Regulação e Avaliação em Saúde do HU, Paula Gazola, conta que o tempo de permanência para clínica médica de dez dias da unidade está dentro da meta estipulada pelo município. “Estamos trabalhando para reduzir o tempo de internamento dos pacientes clínicos. No entanto, como o HU é referência para pacientes que necessitam de avaliação especializada, casos de doenças pouco frequentes, ou de maior gravidade são encaminhados para nossos serviços, o que influencia no tempo de internamento.” Ela conta que há casos de pacientes que podem ter alta, mas que os familiares não possuem condições de cuidado domiciliar. “Então, acionamos o DID que emite um laudo confirmando que a família não possui condições de cuidado do paciente e, a partir daí, podemos solicitar transferência para um hospital de apoio. Mas nem sempre há vagas para transferência.” Para Paula, a falta de cultura de prevenção à saúde no Brasil é um dos fatores para que os leitos não sejam suficientes. “Quando o paciente procura a Uaps já está debilitado, o que aumenta sua probabilidade de internação futura por complicações de saúde.”

 

Internação domiciliar é alternativa

Os problemas socioeconômicos da população que utiliza o SUS foram um dos motivos alegados pelo diretor do Hospital Dr. João Felício, Carlos Marcelino de Oliveira, para a discrepância entre a taxa de permanência ideal e a praticada pelas unidades hospitalares. “O paciente melhora e fica numa fase intermediária, em que não é hospital, mas não é casa. Ele poderia receber alta se a família tivesse condições de alugar oxigênio, por exemplo. Em Juiz de Fora, o DID (Departamento de Internação Domiciliar) realiza esse serviço, aliviando muito o hospital, mas não dá vazão. São poucas equipes que não conseguem atender toda a demanda.”

Em Juiz de Fora, há três equipes de atenção domiciliar na rede pública, composta por dois médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem e fisioterapeuta, e uma equipe de apoio, com nutricionista, assistente social e fonoaudiólogo. No entanto, pelo número de habitantes, Juiz de Fora pode habilitar até cinco equipes de atenção domiciliar e duas de apoio. Conforme a chefe do Departamento de Internação Domiciliar, Verônica Lima, o Ministério da Saúde já autorizou a criação de mais três equipes, sendo uma de apoio e a previsão é que a habilitação saia ainda este ano. “As nossas equipes atendem, em média, de 65 a 68 pacientes, o que não é o ideal. A recomendação é de 60 pacientes por equipe.”

A subsecretária de Urgência e Emergência, Adriana Fagundes, afirma que as equipes atendem todos os pacientes que possuem o perfil. “Em nenhum momento o DID deixou de receber alguma pessoa porque já tinha os 60 pacientes por equipe. Com as novas habilitações, o que a gente vai conseguir é dividir melhor o quantitativo de pacientes por equipe e poderemos montar uma nova estratégia de ação, buscando os pacientes nas UPAs (Unidades de pronto atendimento) antes que ele entre no hospital.” A subsecretária explica que o paciente tem início, meio e fim no programa, recebendo alta quando os familiares aprendem a cuidar dele.

Conforme Adriana, um dos empecilhos para a introdução dos pacientes no DID é a falta de um cuidador. “Não existe atendimento domiciliar sem a figura do cuidador. Eu não posso simplesmente chegar ao leito do hospital e levá-lo para casa se ele não quiser ou não tiver um cuidador, seja formal ou família.” O departamento, além de disponibilizar os profissionais, fornece oxigenoterapia domiciliar prolongada e equipamentos, como cama hospitalar, cadeira higiênica, aspirador de secreção, entre outros.

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