Com pouco mais de quatro quilômetros construídos na Cidade Alta, a hipotética BR-440, que deveria ser o elo entre as BRs 040 e 267 e desafogar o tráfego do Centro da cidade, liga nada a lugar algum. Trafegar pela via faz crer que o descaso com a coisa pública recai diretamente sobre a população, que há mais de 20 anos tem expectativa de ver o desfecho dessa novela iniciada em 1990, mas amarga os prejuízos de uma obra mal planejada, em que foram encontrados graves indícios de irregularidades pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A construção, que está parada desde fevereiro deste ano, e também foi alvo de diversos questionamentos de setores da sociedade civil e de vereadores devido às questões contratuais e à possibilidade de causar danos ambientais, demonstra que as falhas na aplicação do dinheiro público provocaram prejuízos incalculáveis. A proposta mais recente é investir na conclusão do trecho entre a BR-040 e o trevo de acesso ao Jardim Casablanca, na Cidade Alta, mas a nova licitação ainda não foi realizada.
Para tentar mapear os principais problemas da obra inacabada – que foi entregue a partir de orientação do TCU para rescisão do contrato firmado entre o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e a construtora Empa, a Tribuna percorreu o trajeto concluído até o momento, que vai do campo do Nova União até as margens da Represa de São Pedro (ver vídeo abaixo). No primeiro trecho (entre o campo e a Rua Antônio Rufino), apesar de o córrego ter sido canalizado, a área não foi asfaltada. Expostos à poeira no período de seca e à lama, aos buracos e aos alagamentos durante a época de chuva, moradores do entorno se transformaram nas principais vítimas dos efeitos colaterais da rodovia que nunca saiu do papel. Na altura dos números 1.020 e 1.040 da Avenida Pedro Henrique Krambeck, buracos imensos com manilha e cano expostos colocam em risco quem precisa passar pelo local.
Para a comerciante Sandra Cornélio, 50 anos, que há 12 vive na região, a situação piorou depois da canalização do córrego. "Achávamos que nos trariam solução, mas só trouxeram problemas. Antes, a gente tinha calçamento, e, agora, não temos nem isso. As crianças estão ficando com problema respiratório, com bronquite, por causa da poeira. E, quando chove, os carros agarram na lama, e os moradores precisam colocar sacolas nos pés para atravessar."
Curiosa é a distinção social entre o trecho asfaltado e o que carece de infraestrutura. Enquanto em frente às moradias mais simples há terra, diante do acesso aos condomínios de luxo, a pavimentação foi concluída e houve instalação de placas de sinalização e pintura da pista. "A Prefeitura prometeu arrumar, melhorar a situação aqui, mas ainda não veio nada. E olha que ninguém aqui é exigente. Só queremos condição digna", diz o aposentado José Francisco Oliveira, 73.
Ainda que a futura pista vá ser construída em frente às casas e que os moradores tenham obrigatoriamente que fazer uso do local para ter acesso às residências, seja a pé ou de carro, quando questionado sobre a situação em outubro de 2012, o Dnit informou que o espaço sobre o córrego canalizado ainda não é uma rodovia e, por isso, não existiria fluxo de veículos, ainda que seja possível constatar o contrário.
Trânsito perigoso em área inacabada
Mesmo que a BR-440 não exista de fato, parte da via é o principal acesso às moradias e ao comércio que margeava o Córrego de São Pedro, por isso, o trânsito de veículos está liberado. No entanto, em outros trechos, foram feitas "barricadas" com areia para impedir a circulação. Contudo, diante da sobrecarga e das condições precárias da Via São Pedro (Avenida Pedro Henrique Krambeck) – que desde a entrega da obra apresenta constantemente buracos e pontos de alagamento -, condutores acabam ultrapassando os obstáculos da futura BR, que também passaram a ser usados por ciclistas e crianças para manobras e brincadeiras. A rampa que permite a travessia de pedestres pelas vias é de madeira e apresenta fragilidade. A proposta do Dnit é substituí-la por estrutura de aço, mas, até que isso ocorra, as pessoas ficam expostas.
O trânsito intenso na Via São Pedro, que tem trecho que margeia o traçado da BR-440 e outro coincidente, contradiz-se com a subutilização da parte já asfaltada da rodovia. O resultado é que o cruzamento com a Rua Roberto Stiegert se transformou em uma grande confusão. Sem sinalização adequada na via e com esse impasse, os pedestres encontram dificuldade para atravessar, e o risco de acidentes é iminente. "Aqui virou um trecho perigoso. Tem carro circulando para todos os lados. Vira e mexe tem uma batida, e precisamos socorrer. Outro dia, uma menina que estava em uma moto voou na calçada do meu lava-jato. É preciso decidir se vai permitir o acesso à via ou bloquear, porque, com essa confusão, está perigoso", cobra o empresário Marco Antonio Campos Salles, 48.
Segundo a Secretaria de Comunicação da Prefeitura (PJF), intervenções constantes são feitas para melhorar o asfalto neste trecho da Pedro Henrique Krambeck, e há intenção de que a via seja incluída em projeto de recomposição do calçamento. Quanto aos alagamentos, a PJF diz ter solicitado ao Dnit a correção na rede de drenagem no trecho da BR-440 que está ocasionando o problema. Já o Dnit diz que a via lateral é de responsabilidade do Município e que as falhas verificadas não têm relação direta com a canalização do córrego, e que a necessidade de recuperar a camada asfáltica é decorrente do uso ao longo dos anos.
Em relação aos obstáculos de areia, o departamento diz que foram colocados "visando a manter a segurança dos usuários e pedestres", e afirma que o segmento liberado ao tráfego foi devidamente sinalizado. No entanto, quem circula com frequência pela região diz que o que foi implementado não resolveu o problema. "Falta sinalização, e as pessoas não respeitam a areia colocada. Se estivesse bem sinalizado, não precisaria dos obstáculos, e a via poderia ser liberada para desafogar o tráfego da região", defende a fisioterapeuta Ana Cláudia de Oliveira, 34.
De acordo com a Settra, "o que pode ser realizado no local para amenizar o transtorno de uma estrada parcialmente construída em área urbana é a implantação de sinalização provisória para canalizar melhor o fluxo, bem como disciplinar o entroncamento da Via São Pedro com a Roberto Stiegert". A pasta informa que esse projeto já está pronto, mas é preciso autorização do Dnit para implementá-lo. Já a subutilização do trecho da BR-440 é atribuída à falta de condições seguras enquanto as obras não são concluídas.
Abandono assusta moradores da região
A falta de manutenção e reparos no espaço também contribui para o aumento da sensação de insegurança na área, já que o mato alto possibilita que pequenos e também graves delitos sejam cometidos sem que quem passe pelo local tome conhecimento. No trecho onde a via funciona em mão inglesa, há um terreno baldio próximo ao cruzamento com a Rua Roberto Stiegert em que a Tribuna flagrou a presença recorrente de usuários de drogas, que inclusive deixam pedaços de madeira no chão para que possam se sentar no meio do mato sem serem percebidos. Restos de fósforo e outros materiais utilizados no consumo de entorpecentes também podem ser vistos. Conforme um comerciante da região, o local funciona como um "bunker" (esconderijo) dos usuários e representa perigo para a comunidade, já que também pode ser refúgio para criminosos.
No trecho entre a Roberto Stiegert e a ponte que permite acesso ao Spina Ville, Santos Dumont e Bosque do Imperador, o mato alto também preocupa os pedestres, que, muitas vezes, precisam andar pela via de circulação de veículos ou atravessar o córrego pela travessia de madeira improvisada e em péssimas condições, que também é usada por ciclistas e motociclistas. Uma comerciante de 68 anos diz ter medo de caminhar pela área e ser abordada por alguém escondido no mato. "Apesar de ser um ótimo espaço para caminhada, meus filhos não querem que eu passe por ali a pé, porque é uma via muito deserta, sem policiamento, e que tem muitos casos de violência. Já jogaram pedra no carro do meu genro de madrugada. É tanta coisa que a gente escuta, sobre estupro e assassinato nesta via que a gente começa a ter medo." Em janeiro deste ano, o corpo de um homem de 36 anos, vítima de homicídio, foi encontrado em estado avançado de decomposição às margens do trecho da Via São Pedro que coincide com o traçado da BR-440, próximo a Unidade de Pronto Atendimento (UPA). No ano passado, uma mulher de 35 anos foi estuprada após ser abordada nas margens da mesma estrada, na altura do Cruzeiro Santo Antônio, próximo à Represa de São Pedro.
"Também lamentamos o abandono e a paralisação das obras. Antes havia muito problema com rachas e pegas, e temos coibido esse tipo de prática, mas a questão do uso e tráfico de drogas na marginal é complicada. Fazemos policiamento e operações, mas o flagrante é difícil, porque a via é extensa e, às vezes, é mais fácil que eles identifiquem a nossa chegada na viatura e se dispersem. Pedimos que a população colabore e denuncie pelo 181 quando presenciar a situação", explica o comandante da 99ª Companhia da Polícia Militar, capitão Reginaldo Teixeira.
O Dnit esclarece que a Prefeitura (PJF) se prontificou a roçar e limpar todo o segmento de obras já concluídas. Contudo, a PJF diz que a responsabilidade é do Dnit, e que a limpeza só é feita pelo Município para garantir que a população não seja prejudicada. Depois de a Tribuna ter questionado, no início desta semana, a razão da falta de limpeza e capina na região, nesta quinta-feira (16), funcionários a serviço do Demlurb atuavam no trecho entre a Rua Roberto Stiegert e o trevo da região do Spina Ville. Em relação aos terrenos com mato alto, a Secretaria de Atividades Urbanas (SAU) informa que vai notificar os proprietários.
Mais de R$ 54 mi já consumidos em obra
O histórico da BR-440 remonta à década de 1990 (ver linha do tempo abaixo). Ainda que na época a proposta não fosse interligar a BR-040 à BR-267, a intenção era colocar em prática um plano viário elaborado em 1979, na gestão de Melo Reis. Ainda que tardio, o projeto foi desengavetado no mandato de Alberto Bejani mais de dez anos depois com a pretensão de construir uma via que fosse o elo entre a BR-040 e a MG-353. Já na gestão de Tarcísio Delgado, em 1998, a empresa responsável pelas obras alegou impossibilidade de prosseguir com os trabalhos, e houve mais uma tentativa de alavancar o projeto, que passaria a ligar a BR-040 à BR-267. Quase dez anos depois, a proposta não se efetiva, e a via, já intitulada BR-440, continua como uma incógnita. Em 2009, já na gestão de Custódio Mattos, um termo de cessão é assinado entre a Prefeitura e o Dnit, transferindo ao órgão federal a responsabilidade pela obra. Contudo, graves indícios de irregularidades encontrados pelo TCU na sub-rogação de contratos, falta de plano executivo e elevação de preços impedem, mais uma vez, que a BR-440 vire realidade. Após consumir mais de R$ 54 milhões dos cerca de R$ 107 milhões do orçamento elaborado em 2008, a rodovia continua uma incógnita.
Relatório do TCU publicado em 2011 justifica a série de falhas encontradas com o dispêndio de recursos e a necessidade de que o Dnit desfizesse o contrato com a empreiteira que nunca participou de qualquer licitação para a obra em questão. "É certo que o Dnit teve oportunidade de consertar as falhas de projeto, de execução, de planejamento quando assumiu as obras, deixando de fazê-lo naquela oportunidade. Deve-se lembrar que as obras têm problemas de projeto, fato que por si só deveria levar o administrador público da autarquia a repensar todos os procedimentos para sua conclusão. Como prova dessa assertiva, veja-se que as obras continuam inacabadas e problemáticas. Certamente que por falta de um planejamento adequado, fonte primeira do sucesso de qualquer empreendimento público."
Histórico da BR-440
(Navegue pelos botões laterais ou pela linha do tempo abaixo)
Projeto antigo difere da realidade atual
A utilização de um projeto tão antigo não condiz mais com a realidade de Juiz de Fora nem com o crescimento da Cidade Alta, a região do município que mais cresce conforme o Censo Demográfico de 2010. Segundo informações do Dnit, estão sendo elaborados estudos para "concluir os serviços remanescentes na Cidade Alta" (entre o trevo de acesso ao Bairro Jardim Casablanca e a BR-040), mas o órgão não especifica a proposta nem estima quando a licitação de continuidade dos trabalhos será feita. Esse também é o interesse da atual Administração Municipal.
Mas, para o presidente da Associação dos Moradores Impactados pela Construção da BR-440 (Amic-BR-440), Luiz
Claudio Santos, a preocupação continua existindo, já que, até o momento, nem o Dnit nem a Prefeitura apresentaram qual seria a solução de ligação à BR-040. "O Ibama indeferiu o projeto inicial, devido ao desmatamento não autorizado na cabeceira da Represa de São Pedro. Portanto, será preciso alterar o projeto. Não tenho conhecimento de que essa mudança tenha sido aprovada pelos órgãos ambientais e apreciada pela população. Como não sabemos o detalhamento dos trabalhos futuros, a nova licitação não foi feita, e, até agora, a obra seguiu na ilegalidade, é impossível prever como a conclusão desse trecho se dará. Se abre o acesso à BR-040, o trânsito pesado vai chegar onde?", questiona.
Contudo, o escritório local do Dnit explica que a ligação com a BR-040 não foi concluída por imposição do acórdão publicado pelo TCU. "A obra detinha todas as licenças exigíveis pelos órgãos ambientais responsáveis. Não há qualquer impedimento quanto ao projeto de interseção com a BR-040", defende o engenheiro e supervisor da unidade local do órgão, Edson Ruffo.