Os trabalhadores do transporte coletivo urbano de Juiz de Fora saíram às ruas de luto nesta terça-feira (16), em solidariedade à morte do motorista Douglas de Araújo Mendes, ocorrida na noite do último domingo (14). Aos 37 anos, ele faleceu em decorrência da Covid-19, mesmo sem ter comorbidades relatadas, deixando esposa e dois filhos _ uma menina de 11 anos e um bebê de quase 1 ano. Em homenagem ao colega, vários motoristas e cobradores trabalharam nesta terça usando camisas pretas sobre os uniformes. A ação também é uma forma de protesto para chamar a atenção da população sobre a necessidade dos cuidados básicos, como uso de máscaras e álcool gel, sobretudo dentro dos coletivos, para diminuir os riscos de contaminação entre funcionários e usuários. A categoria também reivindica agilidade na vacinação, diante da exposição diária e contínua nas ruas.
Segundo a diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário de Juiz de Fora (Sinttro-JF), Natália Hansen, a morte de Douglas já é a terceira envolvendo integrantes da classe após contaminação pelo coronavírus e a segunda em um intervalo de uma semana: o motorista Sebastião Paulino da Silva faleceu no último dia 7, e o cobrador Marco Antônio Silva Moura foi a óbito no dia 14 de novembro. “Ele morreu um dia depois de se casar”, lamentou Natália, que também é cobradora.
A dor da família das vítimas pode ser mensurada pelas declarações da irmã de Douglas, a biomédica Marciléia de Araújo Mendes, 45. Mais velha de cinco mulheres, ela teve seu coração despedaçado ao perder o caçula e único irmão homem. Agora teme pela vida do marido, 40, também motorista de ônibus, e tantos outros trabalhadores, incluindo o cobrador que atuava na mesma linha que Douglas (106 – Parque Independência/Jardim Gaúcho). Conforme ela, o profissional está internado há mais de duas semanas e precisou ser entubado por causa da Covid-19. “Fico rezando todos os dias para meu marido não pegar. Estamos desesperados, pedindo pelo amor de Deus para a Prefeitura liberar as vacinas para os funcionários do transporte público, porque eles estão na linha de frente. Meu irmão não tinha problema de saúde algum, aparentemente era saudável.”
Ela acredita que as complicações possam ter começado com a falta de diagnóstico precoce. “Na primeira consulta, ele estava com dor nas costas e foi tratado como dor muscular. Na segunda, o médico pediu tomografia de pulmão e começou a tratá-lo como Covid, mas o protocolo inicial só ajuda nos primeiros dias do sintoma.” O quadro de Douglas teria evoluído rapidamente para dores de cabeça e garganta, febre, tosse, sobretudo à noite, e falta de ar. No dia 8, ele foi internado no Hospital Universitário (HU-UFJF). “Até disseram que ele estava melhorando, mas, do nada, o coração dele parou, por volta das 20h de domingo”, detalhou Marciléia em entrevista à Tribuna, marcada pela emoção.
Por experiência própria, já que teve “18 dias muito ruins” ao ser contaminada pelo coronavírus em novembro, a irmã chegou a desconfiar que Douglas havia sido infectado. “Ele achava que não, que estava bem e melhorando. Até que resolveu se isolar da família por precaução.” Sem condições financeiras de arcar com o exame para detectar o vírus, principalmente por causa da crise que se abateu sobre a classe na pandemia, ele só teve certeza após a internação. No último áudio enviado à irmã, Douglas afirma que estava sentindo medo, porque havia sido informado sobre a piora de seu quadro e da necessidade de ser entubado. Ele também demonstrou preocupação com a mãe, 64. “Dia 23 agora faz um ano que perdemos nosso pai”, contou Marciléia, sobre o turbilhão de sentimentos a que se juntou a perda recente do irmão.
Ela também faz um apelo para que a população colabore: “As pessoas precisam ajudar, entrar nos ônibus com máscaras e usar álcool gel. Muitas vezes, quando os motoristas vão cobrar, acabam sendo ameaçados. Debocham, riem, ficam com o nariz para fora da máscara. Não têm empatia nenhuma com a vida do próximo. Mas precisam se conscientizar que um dia poderá ser um familiar delas também.” Na semana passada, a Tribuna publicou matéria sobre as ameaças que a classe vem sofrendo ao impedir que passageiros subam nos ônibus com todos os assentos já ocupados ou que estejam sem máscara.
De cobrador a motorista, seguindo a carreira do pai
Douglas Mendes trabalhou nos últimos 7 anos na Viação Ansal, onde começou como cobrador e passou por manobrista, antes de se tornar motorista, assim como o pai. “Ele era a alegria em pessoa, onde passava contagiava a todos, era muito querido. Virar motorista era o sonho dele”, lembra a irmã Marciléia. Morador do Bandeirantes, Zona Nordeste, nas horas de folga ele gostava de reunir a família, principalmente para um churrasco, e também de assistir aos jogos do São Paulo, seu time de coração.
“Ajudei minha mãe a criá-lo, porque sou a mais velha. Todos aqui em casa estão sofrendo muito, ele era a alegria, mesmo quando ia trabalhar às 3h da manhã. Não sei o que dizer para minha sobrinha de 11 anos”, desabafou, reforçando o pedido para que a população se conscientize e que a Prefeitura agilize as vacinas para a classe.
“Sabemos que a vida é uma loteria, mas podemos nos prevenir e ajudar as pessoas, fazendo a nossa parte. Para o meu irmão não tem mais jeito, ele está enterrado, mas para as outras pessoas ainda tem. A doença está mais agressiva, porque o vírus é mutante, e isso só vai piorar”.
Douglas foi sepultado na segunda-feira (15) no Parque da Saudade.
Um dos motoristas que participaram do movimento de luto, postou mas redes sociais: “Perdemos mais um companheiro de farda, motorista batalhador, pai de família, deixando dois filhos, esposa, família, amigos. Quando peço pra colocar máscara não é para pagar de puxa-saco não, é para evitar isso. Pessoal, quem pode, fica em casa. Hoje é a família do Douglas, amanhã pode ser a minha, pode ser a sua.” Em outra postagem, ele diz: “Só nesses últimos dias perdemos três, quantos mais vamos ter que perder? A população deve se conscientizar, usar máscaras, álcool gel, buscar fazer o possível para ajudar nós que estamos na linha de frente.”
Três rodoviários mortos pela Covid
A diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário de Juiz de Fora (Sinttro-JF), Natália Hansen, corrobora a situação. “Já perdemos três colegas de trabalho para essa doença, estamos com alguns internados e entubados e outros em casa afastados, se cuidando. Somos linha de frente, não estamos mais aguentando e estamos buscando junto às autoridades a vacina. Alguém tem que olhar por nós.”
Procurada pela Tribuna, a Prefeitura de Juiz de Fora disse que lamenta todas as vítimas de Covid, sendo solidária a famílias e amigos. Sobre a cobrança pela vacinação da categoria, informou que “a definição dos grupos prioritários para imunização contra o coronavírus (Covid-19) é uma atribuição do Governo federal, por meio do Plano Nacional de Operacionalização da Vacina contra a Covid-19.” Embora a classe de “trabalhadores de transporte coletivo rodoviário de passageiros” esteja inserida na 23ª posição de prioridade no Plano Nacional, a secretaria não soube apontar uma data possível para o começo da vacinação. “Os imunizantes distribuídos pelo Governo estadual chegam aos municípios com as indicações de quantitativo, tipo de vacina e público a ser imunizado. Desse modo, não há qualquer tipo de autonomia para que a Prefeitura interfira sobre a ordem de vacinação ou estabeleça novas prioridades.”
A Tribuna também contatou a Ansal, mas a empresa informou que prefere não se pronunciar sobre a morte de Douglas “em função do momento de tristeza dos amigos e da família”.