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Justiça manda indenizar famílias de Santa Teresa

destacada santa tereza foto Fernando Priamo

(Foto: Fernando Priamo)

FERNANDO PRIAMO STY
(Foto: Fernando Priamo)
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O município foi condenado a indenizar por danos morais e materiais três famílias do Bairro Santa Teresa que tiveram seus imóveis demolidos pelo poder público há dez anos. A primeira das três sentenças da juíza da 1ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias Municipais da Comarca de Juiz de Fora, Roberta Araújo de Carvalho Maciel, foi proferida no último dia 13 de março, cinco dias depois de a Tribuna revelar o drama de pessoas que passaram a última década à espera de Justiça. Em sua decisão, a magistrada reconhece a legalidade e a propriedade de três dos 13 imóveis demolidos em 2008 após extensa movimentação de terra no local. Roberta, que ainda está analisando os outros casos, contesta a alegação de que o problema foi ocasionado unicamente por causas naturais. Segundo ela, houve omissão da Prefeitura na manutenção da rede pluvial da região. Ela diz, ainda, que a decisão de demolir as casas foi unilateral e realizada sem autorização dos proprietários. Além de estabelecer o valor das indenizações, a juíza determinou que a administração municipal faça o ressarcimento do valor gasto pelas famílias com o aluguel de imóveis desde o período do evento até a emissão da sentença. A Prefeitura poderá recorrer da decisão. A assessoria de imprensa informou, no entanto, que a Procuradoria Geral do Município ainda vai analisar a decisão judicial.

Na sentença, a juíza condena o município a indenizar Carlos Daniel Amadei em R$ 85 mil e seu pai Carlos Alberto em R$ 55 mil, incidindo sobre esse valor correção monetária pelos índices da CGJ a partir do evento danoso, e juros de mora, a partir de 2008. Também estabelece pagamento de R$50 mil para cada autor a título de indenização por danos morais. Determina, ainda, o ressarcimento aos autores dos aluguéis e encargos suportados a partir de março de 2008, cujos valores serão apurados em liquidação de sentença.

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O taxista Carlos Daniel residia com a esposa e o filho no andar superior do imóvel localizado na Rua José Ladeira 186. O pai dele morava no primeiro andar. Quando ficaram sem a casa, derrubada 11 dias após o surgimento de rachaduras, eles se viram sem lugar para ir. Pai e filho moraram de favor na casa de parentes e vizinhos e, depois, foram obrigados a pagar aluguel, jamais recuperando o padrão de vida que tinham quando viviam em Santa Teresa, no imóvel construído pelo avô paterno de Carlos Daniel.
“É lógico que não tem nem como comparar a dor da perda de sua referência no mundo, que é a sua casa, mas, a partir do momento em que a sentença for confirmada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, já alivia um pouco nossa dor. Desde o episódio, a gente vem passando por inúmeras dificuldades. É aluguel que atrasa, prestação de imóvel que atrasa, condomínio, eu tive que cancelar meu plano de saúde. Os transtornos gerados pós tragédia são muitos. Então, a partir do momento que a gente tem uma sentença como essa, renova a esperança de que não vamos continuar sofrendo para o resto da vida”, comenta o taxista.

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Defesa

Em suas alegações no processo, a Prefeitura comenta sobre a inépcia da petição inicial, afirmando que os autores não indicam nenhuma ação ou omissão ilegal que justifique a responsabilidade do município pelo pagamento da indenização pleiteada. Assevera que o município tomou todas as providências que a ele cabia de forma a salvaguardar o interesse público. Argumenta, ainda, que, da narração dos fatos não decorre logicamente a conclusão, já que não há indicação de qualquer ato ilícito, sendo imperioso o indeferimento da petição inicial.

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A defesa aduz sobre a inocorrência dos pressupostos da responsabilidade civil da municipalidade, no tocante a ação ou omissão ilícita e que tem, por atribuição constitucional, o dever de zelar pela saúde, segurança e integridade física dos munícipes, no exercício regular do poder de polícia. “Conforme se pode constatar do exame dos autos, a demolição do que restava do imóvel dos autores, promovida pelo Município, ocorreu amparada pela legalidade, com base em fatos irrefutáveis, consubstanciados em iminente risco aos cidadãos”, informa a Prefeitura em trecho do processo. Por fim, ela afirma que, no tocante aos danos materiais, é preciso considerar que os autores da ação não trazem aos autos prova de regularidade da construção das moradias junto ao Poder Público Municipal, apenas afirmam que a mesma, por estar sujeita ao imposto predial, presume-se regular. Ao construírem sem o crivo da municipalidade, diz o município, os moradores assumiram o risco de erguer os imóveis em área não apropriada.

A municipalidade afirma, ainda, com relação aos danos morais, que, ao demolir os imóveis, já em ruína, agiu dentro da estrita legalidade, promovendo a proteção dos moradores e dos transeuntes, inexistindo qualquer abuso. Ressalta, ainda, sobre a inexistência do nexo causal, pois, segundo atesta o laudo técnico do Instituto de Criminalística do Estado de Minas Gerais, a ruína ocorreu em decorrência de evento natural, comum à morfologia do terreno naquela região, vinculado às características geológicas, hidrológicas, pedológicas reinantes, relacionadas ao equilíbrio e recuo das vertentes, situação agravada pela estação chuvosa do ano, “sendo clara a inexistência de qualquer nexo de causalidade entre o desabamento do imóvel dos autores e qualquer ação ou omissão do Poder Público”.

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Contestação

A juíza, no entanto, considerou os pleitos do município improcedentes, dando provimento a outros apontamentos que contestam a versão apresentada pelo poder público. “A defesa apresentada reflete enorme descaso e desinteresse do réu com os autores e também com o Bairro Santa Teresa”, escreve a magistrada. Na sentença, ela afirma que o réu realizou a demolição dos imóveis dos autores, gerando os danos cuja indenização é pretendida. Roberta também questiona se seria mesmo necessária a demolição das casas, pois não existia mais riscos às vidas. “A contestação do dano moral vem mais uma vez mostrar a intenção protelatória do réu, visto que alega que os autores não trazem aos autos qualquer prova de sua condição regular das construções. Consignam que os danos morais se baseiam nos atos praticados pelo réu, quando não resguardou com as mínimas condições de vida e segurança os autores.” Ainda segundo a manifestação da juíza no processo, a destruição das casas ocorreu sem laudo conclusivo sobre a necessidade de se demolir as residências dos autores.

Por fim, Roberta diz que restou provado nos autos a propriedade do imóvel demolido, conforme demonstra matrícula imobiliária feita no Cartório do 2º Registro de Imóveis de Juiz de Fora.

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Morador de 88 anos está entre os beneficiados

Casa (branca à esquerda) de três andares, do morador Gonçalves Ribeiro Nunes, está entre as derrubadas há dez anos no Santa Tereza. Agora, aos 88 anos, o proprietário espera que a indenização finalmente saia (Foto: Marcelo Ribeiro)

Também obteve sentença favorável o ex-morador de Santa Teresa, Gonçalves Ribeiro Nunes. Aos 78 anos, ele foi obrigado a abandonar sua história e a casa de três andares que construiu na Rua José Ladeira 206, perdendo quase tudo que conquistou na vida. Agora, aos 88 anos, o idoso comemora o reconhecimento da sua causa. “Restou incontroverso nos autos que o autor era proprietário do prédio demolido, situado no Bairro Santa Teresa, rua José Ladeira, nº 206, apartamentos 202 e 302 e loja, conforme demonstra matrículas imobiliárias nº 14542 e nº 14543 do Cartório do 2º Registro de Imóveis de Juiz de Fora”, afirmou, na sentença, a juíza da 1ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias Municipais da Comarca de Juiz de Fora, Roberta Araújo de Carvalho Maciel.

No processo, a magistrada cita o relatório de vistoria nº192/2008 da Defesa Civil, no qual consta que houve “manifestações de resistência do senhor Gonçalves Ribeiro Nunes quanto à sua saída do local e retirada dos seus pertences”.

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Em março de 2008, desesperado diante da iminente demolição da moradia onde viveu por décadas ao lado de sua família, ele ainda argumentou, à época, que a construção era sólida e tinha cobertura de seguro. Não adiantou. Tudo foi derrubado. Por causa disso, a juíza determinou que a indenização pelas perdas do idoso seja de R$ 235.396,37, incidindo-se correção monetária pelos índices da CGJ a partir do evento danoso, e juros de mora, também a partir do evento danoso. Além desse valor, a Justiça definiu que o idoso deve receber R$ 50 mil a título de indenização por danos morais.

Causas da tragédia ainda são discutidas

As causas da tragédia que resultou na demolição de 13 imóveis no Bairro Santa Teresa ainda são discutidas. De um lado, a Prefeitura afirma que laudo técnico do Instituto de Criminalística do Estado de Minas Gerais atestou que a ruína ocorreu em decorrência de evento natural, comum à morfologia do terreno naquela região, e que, para amenizar a carga sobre a encosta, que sofria risco de desabamento descontrolado, a Prefeitura optou em demoli ar as casas.

Já a perícia técnica realizada por determinação judicial mostrou-se inconclusiva em relação às causas do deslizamento da encosta, mas aponta que as obras emergenciais, realizadas na época do fenômeno, não apresentaram sinais de manutenção. Também apontou que as redes de drenagem pluvial e de esgoto da região são muito antigas e sujeitas a vazamentos. “Nota-se, portanto, que o Poder Público local ao permitir a permanência de redes de água e esgoto, por deveras antigas e inapropriadas para o local, incorreu em omissão”, afirmou a juíza da 1ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias Municipais da Comarca de Juiz de Fora, Roberta Araújo de Carvalho Maciel, nos processos de indenização movidos pelos moradores afetados pela tragédia.

O processo também apresenta alegação dos moradores do bairro sobre o Hospital Albert Sabin. Eles afirmam que, na ocasião dos fatos, a unidade lançava, sem tratamento prévio, afluentes da lavanderia na rede pública de águas pluviais, o que gerou notificação administrativa por parte da Prefeitura. A lavanderia do hospital teria, inclusive, sido interditada em função de irregularidades e má conservação de um reservatório de água com rejeitos hospitalares. Em nota, o Hospital Albert Sabin informou que, apesar de, na época, ter sido levantada a suposição de problemas na estrutura da lavanderia e da caixa d’água da unidade, estudos comprovaram a isenção total de responsabilidade do hospital diante do ocorrido. Segundo a unidade, o geólogo Saulo Gutemberg Silva Ribeiro, mestre e doutor em estudos de solo, analisou a movimentação de terra no bairro e concluiu que não havia ligação entre as obras de ampliação da unidade hospitalar e o acidente.

 

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