A diferença de temperatura entre a Avenida Getúlio Vargas e o Campus da UFJF pode chegar a sete graus em alguns momentos do dia. A situação é comprovada por um estudo científico da climatologista da UFJF e doutora em geografia Cássia Ferreira. Segundo ela, alguns pontos do Centro experimentam um fenômeno conhecido como ilhas de calor, no qual diferentes materiais que compõem o mobiliário urbano fazem o ambiente se aquecer, além da influência da própria radiação solar, que incide nos mesmos patamares em toda a cidade. Esta situação é causada pela pavimentação, prédios altos, equipamentos de ar-condicionado, telhas metálicas e estruturas de concreto, que são capazes de absorver calor e liberá-lo quando o sol se põe. Além do desconforto térmico, o fenômeno afeta a distribuição de chuvas, tornando-as mais fortes e localizadas no perímetro urbano, o que amplia o risco de inundações.
A hipótese da climatologista foi comprovada ao colocar termômetros em oito pontos distintos da área central (ver quadro), durante uma semana de cada estação do ano. Para evitar diferenças durante os levantamentos, as pesquisas foram feitas quando a cidade estava sob influência de um sistema meteorológico de alta pressão. Ou seja, céu limpo, sem nuvens e baixa umidade relativa do ar. Em todos os períodos analisados, os locais mais quentes continuaram os mesmos, apesar de diferenças nas temperaturas máximas.
Mas nem todos os pontos da região central são excessivamente quentes. Conforme Cássia, quanto mais arborizado for o entorno, melhor é o conforto térmico ao corpo humano, já que as áreas de sombras se tornam mais frequentes. “Um asfalto novo, por exemplo, pode chegar a temperatura de 80 graus. Queima a mão. E a pavimentação libera este calor para o ambiente. E, junto com isso, temos os motores dos veículos e dos equipamentos de ar-condicionado.” Neste sentido, alguns locais já observados pela pesquisadora apresentaram temperaturas muito mais agradáveis ao corpo humano que o da Getúlio Vargas e outras vias do Centro com grande aglomeração de máquinas e pessoas. Este é o caso, por exemplo, do Parque Halfeld e de ruas do Bairro Paineiras próximas à mata do Morro do Imperador.
Antes do asfalto
Na Getúlio, o calor é perceptível, principalmente, por quem passa maior tempo do dia na via. Este é o caso do vendedor ambulante Paulo Gomes Mendes, 64 anos, mais conhecido como PGM. Ele, que comercializa produtos na avenida há 34, afirma que a temperatura está cada vez mais alta. “Antigamente havia mais árvores, menos prédios, carros e pessoas. Mas ultimamente está complicado, só com muita água. Onde moro, no Bairro Santo Antônio, é muito mais fresco. Trago garrafas de casa e, de vez em quando, bebo sucos na pastelaria.” De acordo com ele, quando começou a trabalhar na via, sequer havia asfalto. “Era muito menos quente, mas, a partir da década de 1980, começou a piorar bastante. Impressão semelhante tem o vendedor de doces Genésio Randolpho de Oliveira, 74, sendo 18 na avenida. “Onde moro, no Marumbi, é muito menos calor, porque é mais verde. Aqui faltam árvores.”
Verticalização contribui para aumentar o calor
O processo de verticalização consolidado no Centro, e que agora se expande de forma significativa para os bairros, poderá criar outras ilhas de calor no município, já que os prédios altos impedem a circulação dos ventos. Segundo a pesquisadora Cássia Ferreira, este processo pode ser amenizado ou evitado se políticas públicas forem pensadas para evitar o aquecimento da cidade como um todo. “É possível incentivar o uso de materiais que refletem mais calor do que absorvem, mas é difícil pensar em alternativas como essa para edificações já consolidadas. Como impor a cada proprietário que ele mude seu tipo de telhado e coloque fachadas mais claras? É inviável, mas o Poder Público pode viabilizar e implementar a arborização.”
Outra teoria defendida pela especialista é a que aborda a possibilidade de as chuvas de verão se tornarem mais frequentes. As fortes pancadas, que causam enchentes, por exemplo, comuns em cidades de médio e grande porte, estão atreladas ao aquecimento urbano. “Já existem várias pesquisas neste sentido, mas é uma condição muito localizada, que não interfere no clima como um todo.” De acordo com Cássia, os ventos seguem em direção ao espaço mais quente, como o Centro, e podem contribuir para a formação das chuvas, o que não significa que as precipitações cairão na área mais aquecida.
O estudo da especialista, publicado na última edição da Revista Brasileira de Climatologia, agora será expandido para os bairros. O objetivo é identificar a presença de outras ilhas e descobrir qual a diferença de calor da Zona Norte até a Zona Sul. Após esta fase, será possível comprovar, de fato, se a Getúlio Vargas é mesmo a via mais quente em toda a cidade.
Só 1/3 da área verde indicada
A ausência de áreas verdes suficientes, e que poderia amenizar os efeitos das ilhas de calor, é comprovada por uma dissertação de mestrado apresentada no ano passado na UFJF. O autor do estudo é o geógrafo Carlos Magno Adães de Araújo, também especialista em educação ambiental. Segundo ele, se considerar a vegetação nas áreas públicas do município, o resultado é de quatro metros quadrados de área verde por habitante. No entanto, a Organização das Nações Unidas (ONU) recomenda 12 metros quadrados por habitante, e a Sociedade Brasileira de Arborização Urbana, 15 metros. “A cidade se desenvolveu a partir do vale do Rio Paraibuna e foi se expandindo para os morros. O problema é que esta ocupação foi feita de forma equivocada, sem planejamento. Por isso temos hoje índice muito aquém do recomendado em termo de arborização pública.”
Além de reduzir os efeitos do calor gerado pela própria cidade, principalmente pela criação do sombreamento, a arborização traz outros benefícios, tais como a redução de ruído, em até 30%, e a possibilidade de melhor infiltração da água da chuva no solo.
À espera do Plano Municipal
O chefe do Departamento de Recursos Naturais da Secretaria de Meio Ambiente, Wesley Cardoso, concorda com o estudo. Segundo ele, o índice de áreas verdes em locais públicos de fato é “muito baixo”. Por causa disso, a pasta aguarda a aprovação do Plano Municipal de Arborização Urbana, enviado à Câmara Municipal. O projeto ainda será apreciado pelos vereadores.
A ideia é desenvolver um estudo com o objetivo de descobrir a real situação dos espaços verdes nas áreas públicas. Em seguida, seriam definidas diretrizes de planejamento e implantação de arborização em toda a cidade. Como o trabalho é demorado (será necessário catalogar todas as árvores do município, por exemplo), um projeto piloto será desenvolvido no Granbery. A partir de levantamento preliminar, mudas começarão a ser plantadas pela Empav, que ainda providencia a compra de matéria-prima para a confecção dos gradis que irão proteger as mudas.
Conforme Wesley, a intenção é promover o plantio inclusive em corredores de tráfego, como as avenidas Brasil, Olegário, Rio Branco e JK, para, em outros benefícios, reduzir a poluição sonora e melhorar o conforto térmico. Sobre a GetúlioVargas, ele explicou que dependerá do estudo, já que as árvores precisariam ser plantadas em áreas já consolidadas, com redes de energia pública, telefone e água.
“Juiz de Fora tem muita área verde, mas inacessível, pois estão em áreas privadas ou de acesso restrito. Só de unidades de conservação temos três, além de 15 florestas. É necessário promover o plantio nos espaços públicos.”