Ícone do site Tribuna de Minas

Quase 30% dos casos de violação de direitos são reincidência em JF

criancas fernando priamo arquivoTM
Violacao contra criancas fernando priamo arquivoTM
Dados dos três Conselhos Tutelares do município mostram que 1.264 casos foram atendidos no primeiro semestre deste ano (Foto: Fernando Priamo)
PUBLICIDADE

A redução de investimentos em políticas públicas sociais que marca o cenário nacional e a pandemia da Covid-19 trazem à tona casos de violação de direitos de crianças e adolescentes em todo o Brasil. Em Juiz de Fora, essa realidade não é diferente. Dados dos três Conselhos Tutelares do município repassados à Tribuna pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) mostram que 1.264 casos foram atendidos no primeiro semestre deste ano, o quer representa cerca de sete registros diários ao longo de seis meses. Desse total, quase 30% das ocorrências, ou 397 casos, são reincidentes.
A reincidência foi mais aguda nos atendimentos realizados pelo Conselho Tutelar Leste, onde superou as ocorrências de novos casos recebidos pelo órgão (veja na tabela). Foram 216 crianças ou adolescentes que já tinham sido atendidos contra 199 novos atendimentos pela primeira vez. Os números revelam que existem casos em que a dificuldade de interromper o ciclo de violação de direitos não foi possível.
Quando se toca na questão da violação de direitos de crianças e adolescentes, em Juiz de Fora, está se falando em casos de abandonos e suas variações, agressões físicas, maus-tratos, ato infracional, evasões hospitalares, negligências relacionadas à saúde por omissões, evasão escolar, conflitos familiares e seus desdobramentos, a não oferta de serviços, dependência química e abuso e violência sexual. Todas essas modalidades elencadas são aquelas que vêm sendo alvo do trabalho dos conselheiros tutelares da cidade.
Iniciativas sobre como enfrentar essas demandas foram tema de audiência pública realizada pela Câmara Municipal em outubro. Na ocasião, diversos atores envolvidos com a questão trouxeram à baila a urgência de ações necessárias para o atendimento de crianças e adolescentes em vulnerabilidade, como melhoria da estrutura e das condições de trabalho dos Conselhos Tutelares, criação de um Centro de Atenção Psicossocial (Caps), destinado à internação de adolescentes vítimas de dependência química, e instalação de uma delegacia especializada em proteção voltada para esse público, o que, segundo a Polícia Civil de Minas Gerais já está em estudo.
Na ocasião, o conselheiro tutelar Luciano Villar, que atua no Conselho Tutelar Leste, usou a tribuna da Câmara para fazer um alerta sobre a reincidência de casos de violação de direitos infantojuvenis. “O número de casos reincidentes é maior que a demanda que chega aos conselheiros tutelares, mostrando que existe um ciclo de violação constante. Além disso, é perceptível que esse ciclo atravessa as gerações, pois temos casos de pais e mães que tiveram seus direitos violados quando crianças e adolescentes e violam os mesmos direitos de seus filhos. É algo constante e que não é estancado”, advertiu.
O vereador André Luiz (Republicamos), presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança, Adolescente e Juventude – integrada também pelos vereadores Laiz Perrut (PT), Tiago Bonecão (Cidadania) e João Wagner Antonio (PSC) -, ressaltou que os dados sobre violação de direitos mostram que o município está longe do ideal quando se fala em políticas públicas para a criança e o adolescente.
“Percebemos que o Conselho Tutelar faz a sua parte, mas o governo como um todo, nas três esferas, deixa a desejar. Considero que toda a rede de proteção está refém de uma sociedade que não está dando a devida atenção às crianças e aos adolescentes. No caso do Governo municipal, sabemos que ainda é muito recente e sabemos que essa situação é histórica. Desde a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, houve alguma melhora, mas muito ficou só no discurso. Todos sabemos que as crianças têm vários direitos, porém não são, de fato, defendidos como deveriam ser” considera. Segundo ele, a audiência pública foi uma tentativa de forçar algumas ações. “A Câmara está fazendo, por meio da Comissão, ações para mudar esse cenário, pois percebemos a necessidade de a cidade possuir uma delegacia especializada na defesa da criança e do adolescente”, avalia.
Em reportagem realizada pela Tribuna, em maio deste ano, o jornal apresentou dados também do Conselho Tutelar, repassados para a Promotoria de Justiça de Defesa da Educação, da Criança e do Adolescente, indicando que, pelo menos, 170 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes tinham sido denunciados, em Juiz de Fora, desde o início de 2020 até o mês antes da publicação da matéria. Quantitativo esse que demonstra a importância da implantação da delegacia. “Estamos em contato com a Secretária de Segurança estadual e já houve uma sinalização positiva por parte da Polícia Civil de Juiz de Fora. Acredito que a delegacia é prioritária e pode ser um fator para mudar esse cenário”, afirma André Luiz.
Na visão do vereador, a pandemia desnudou uma situação que já existia e que ficou mais evidente. “São casos que se assemelham com os dos moradores em situação de rua, que sempre existiram, mas, com a pandemia, houve um aumento que chamou a atenção. Hoje percebemos a criança em um estado de vulnerabilidade muito maior, até pelo fato de não haver escolas durante a pandemia, porque nelas, as crianças estavam ocupadas e sendo acompanhadas. Quando passaram a ficar em casa, em razão da suspensão das aulas, e com os pais trabalhado, essas crianças foram deixadas sozinhas, muitas vezes nas ruas, principalmente na periferia. Essa situação tornou o problema mais evidente.”

PUBLICIDADE

Prestação de serviço e fortalecimento vínculos

Para o secretário de Direitos Humanos da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), Biel Rocha, esse fenômeno reflete o atual momento político-econômico brasileiro, no qual ocorre redução de investimentos em políticas públicas sociais. “A chegada da pandemia agravou ainda mais este cenário, trazendo desemprego, isolamento social e escolas fechadas.”
Na visão dele, é preciso, primeiro, entender o porquê desta realidade e não naturalizá-la. Na sequência, deve-se promover iniciativas para reverter esta situação. Atualmente, a Secretaria Especial de Direitos Humanos estuda junto à Secretaria de Saúde a criação de um grupo gestor de atendimento humanizado para pessoas vítimas de violência sexual. “A PJF também trabalha através de convênios com 16 núcleos regionalizados, prestando serviços de convivência familiar e fortalecimento de vínculos. Trata-se de um serviço que estava paralisado em virtude da pandemia e que foi retomado no último mês, auxiliando crianças e adolescentes”, ressalta.
A gerente do Departamento de Proteção Especial da Subsecretaria de Proteção e Promoção Social, Maria Cláudia Dutra Siqueira, explica que o Serviço de Abordagem Social faz a identificação das crianças e adolescentes com permanência na rua. Ela lembra que, em Juiz de Fora, não há registro de crianças dormindo nas ruas, pois a permanência ocorre durante o dia. Após a identificação é encaminhado relatório detalhado para os Centros de Referência Especializados em Assistência Social (Creas) e para o Conselho Tutelar. O Creas realiza o acompanhamento das famílias buscando construir novas possibilidades para as crianças e adolescentes.

PUBLICIDADE

Estudos buscam estabelecer padrão

No que se refere a criação de uma delegacia especializada na defesa de crianças e adolescentes, na cidade, ao ser questionada pela Tribuna, a Polícia Civil de Minas Gerais informa que participou da audiência pública, na qual foi discutida a criação da unidade. A Polícia Civil ressalta que “deu início a estudos relativos à matéria, para que seja possível estabelecer um padrão de atuação da instituição em todo Estado, considerando o modelo de atuação, estrutura e pessoal disponível, o que ocorrerá com a participação e apoio do Departamento de Polícia Civil em Juiz de Fora.”
Na ocasião da audiência pública, o delegado regional de Juiz de Fora, Armando Avolio, afirmou que a Polícia Civil está sensível às causas das crianças e adolescentes em vulnerabilidade e almeja, assim que possível, instalar a unidade no município. “Estamos empenhados na criação dessa delegacia especializada, mas, para tanto, precisamos de servidores, mobiliário, aparelhos de informática e viaturas. Para viabilizar isso, vamos agir por meio de emendas e parcerias. Além disso, há o concurso que está sendo promovido pela Polícia Civil e, assim que acabar, vamos buscar servidores com aptidão para serem disponibilizados para essa unidade especializada.”

Sair da versão mobile