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Por uma escola diferente

Os alunos escolhem de que projetos querem participar, e os professores auxiliam na aprendizagem
Os alunos escolhem de que projetos querem participar, e os professores auxiliam na aprendizagem
Ute Cramer, da Aliança pela Infância no Brasil, e o pedadogo José Pacheco divulgaram didática em JF
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Imagine uma escola onde não existem séries, nem salas de aula. O próprio aluno escolhe o que deseja estudar e faz seu cronograma. Os estudantes, independente da idade, podem desenvolver projetos juntos, conforme suas afinidades. É um sistema educacional assim que a Aliança pela Infância busca implantar em Juiz de Fora. A entidade já teve reunião com a Secretaria de Educação e prepara um projeto formal para análise da pasta.

Baseado em um modelo de sucesso criado na cidade de Santo Tirso, no Distrito de Porto, em Portugal, conhecida como Escola da Ponte, o projeto visa a estimular o aprendizado de forma autônoma, reduzir a evasão escolar, propiciar maior diálogo entre colégio e comunidade e, dessa forma, contribuir para o desenvolvimento local. “Na Escola da Ponte, jovens de baixa renda passaram a ser os melhores alunos do país”, conta o pedagogo José Pacheco, um dos criadores da didática aplicada na instituição, que existe há 38 anos.

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Segundo ele, a escola é baseada em três valores: solidariedade, autonomia e responsabilidade. Seu princípio é ser democrática, protagonizada pelo aluno. Na cidade de Cotia (SP), há dois anos, um projeto semelhante foi aplicado na Escola Âncora, que tem 200 alunos de baixa renda, de 3 a 15 anos.

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Didática
Na Escola da Ponte, os alunos são divididos em três núcleos: iniciação, consolidação e aprofundamento. Dentro desses núcleos, são agrupados em equipes de quatro, escolhidas por afinidades. Os próprios estudantes definem os projetos com os quais querem trabalhar. Segundo José Pacheco, os projetos partem de necessidades encontradas na comunidade. “Os projetos têm a participação de um profissional da educação que acompanha e avalia. O conhecimento produzido é partilhado. Assim, os alunos contribuem para o desenvolvimento local e se tornam adultos realizados, construtores da realidade.”

A professora de educação física juiz-forana Marcelly Mancini conheceu de perto a metodologia da Escola da Ponte e ficou encantada. “Os alunos seguem o currículo nacional, mas ele não é periodizado por tempo. Cada um estuda o que escolher. A função do orientador é não deixar que o aluno só estude o que gosta.”

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Outro ponto que chamou a atenção de Marcelly é o fato de os alunos organizarem todas as atividades do colégio, como funcionamento da rádio e da biblioteca. Todos os problemas, desde uma lâmpada queimada até indisciplina, são levados para uma assembleia toda sexta-feira, na qual os próprios alunos buscam soluções. A instituição possui também uma associação de pais e comunidade organizada que elimina a função do Conselho Diretor Escolar. Marcelly conta também que muitos docentes têm dificuldades para se adaptar. “No ensino tradicional, o professor é o centro e detém todo o conhecimento. Lá, o professor é apenas um auxiliador na aprendizagem.”

Protótipo para JF
Sobre a implantação da estrutura em Juiz de Fora, a professora é enfática: “Acho muito viável. Mas, claro que não pode ser o modelo engessado. É preciso fazer adequações. É difícil imaginar uma escola assim, mas é fantástico. Eu acho que os alunos saem com um aprendizado muito grande, não só de conhecimento técnico, específico das disciplinas, mas com um senso crítico muito apurado, senso de responsabilidade e de consciência social.”

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José Pacheco conta que o objetivo é criar um protótipo para ser aplicado em Juiz de Fora, com o apoio da UFJF e da Secretaria de Educação. “Há escolas e grupos de pessoas interessados. Mas as secretarias de educação andam muito distraídas. Muito dinheiro já foi investido em capacitação de profissionais, mas as pastas não enxergam que o problema é o modelo. Quero mostrar que há possibilidade de todos aprenderem e serem felizes.”

A Secretaria de Educação de Juiz de Fora informou que houve uma conversa informal com o professor José Pacheco, que sugeriu algumas ações junto à rede municipal de ensino. A secretaria aguarda a proposta oficial do projeto, para análise.

‘É o modelo educacional que produz insucesso’

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Os altos índices de analfabetismo no Brasil ainda são um desafio para os governantes. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgados em setembro passado pelo IBGE, aproximadamente 13 milhões de pessoas com 15 anos são analfabetas. Em Juiz de Fora, 29.808 pessoas nunca frequentaram uma escola, e 183.285 não completaram o ensino fundamental, o que mostra que 35,5% da população não têm instrução, segundo o Censo 2010.

Além disso, o desempenho dos alunos das escolas públicas é insatisfatório na cidade. “O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de Juiz de Fora não chega a cinco em uma escala de 1 a 10”, observa o pedagogo José Pacheco, um dos fundadores da Escola da Ponte, de Portugal. No último Ideb, realizado no ano passado, a rede de ensino municipal teve média de 4,8 nas turmas do 5º ano e 4,1 no 9º ano. Já a rede estadual teve um desempenho superior, mas ainda baixo, com média de 6,1 nas turmas do 5º ano e 4,4 no 9º ano.

José Pacheco conta que começou a refletir sobre o ensino tradicional quando percebeu que seus alunos não estavam indo bem. “Eu pensei: Por que eu dou uma boa aula, uso bons materiais e os alunos não aprendem? A tendência é considerar que o problema do insucesso está na criança, nunca no modelo educacional, mas é o modelo que produz insucesso.” Para a fundadora da Aliança pela Infância no Brasil, Ute Cramer, o modelo educacional tradicional impacta negativamente também na saúde dos estudantes. Além disso, segundo ela, “muitas vezes, os traumas causados pela escola não se mostram na infância, mas na vida adulta”.

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Membro da Aliança pela Infância, a médica Marilise Paraízo conta que recebe em seu consultório muitas crianças que são consideradas erroneamente hiperativas e disléxicas. “Muitas dessas crianças, na verdade, são saudáveis. Às vezes, o problema dela é uma questão social, psicológica ou a criança é imatura mesmo. Há muito sofrimento diante da pressão da escola. A própria arquitetura das escolas parece uma prisão. Se houvesse outro modelo, isso não existiria, pois a criança iria gostar do que faz e não teria que acompanhar o ritmo do professor.”

 

 

 

 

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