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Iniciativas contribuem para fortalecer autoestima de mulheres com câncer de mama

Cancer Instituto acredite na energia
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Receber o diagnóstico de um câncer de mama pode mudar a vida de uma mulher. Em primeiro lugar, por ser uma doença que pode ameaçar a vida e o bem-estar, mas também por poder acarretar em modificações no corpo e, consequentemente, alterar a percepção que a mulher tem de si mesma. Conforme especialistas, problemas com a autoestima e a autoimagem são comuns durante o processo de tratamento, mas, além de afetarem o psicológico da mulher, também podem se tornar um entrave para a recuperação como um todo. Entretanto, com o acompanhamento adequado e uma rede de apoio emocional e afetivo, a mulher pode encerrar o tratamento ainda mais forte. Para além da família e dos amigos, há também iniciativas e grupos que se dedicam a contribuir com esse processo.

Lania Muller, que tinha 43 anos quando descobriu que teria que fazer uma mastectomia bilateral, conta que foi difícil conseguir se olhar no espelho depois de realizar as cirurgias que alteraram seu seio. Foram semanas até que ela conseguisse ver o seu corpo. Quando olhou, ainda que estivesse ciente da importância da cirurgia, foi difícil. “Me senti realmente mutilada. Senti que algo tinha sido tirado de mim”, diz. Essa foi a primeira grande mudança que seu corpo passou, mas logo em seguida vieram outras: no primeiro momento do tratamento, emagreceu muito. Em um segundo momento, ganhou peso. E com a quimioterapia, veio o medo de uma alteração ainda maior em sua imagem.

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Lania Muller tinha 43 anos quando descobriu que teria que fazer uma mastectomia bilateral (Foto: Arquivo pessoal)

“Quando a médica falou comigo que ia ter que fazer quimioterapia, a minha primeira pergunta foi se era a vermelha, a que cai o cabelo. Ela disse que sim. Quando escutei a palavra quimioterapia, aquilo pesou muito pra mim. Foi o dia que eu mais chorei em toda a minha vida. Eu queria ficar sozinha, não queria ver ninguém”, ela conta. Para passar por esse momento, Lania também conta que foi preciso relembrar muitas vezes por que ela precisava continuar o tratamento e que aquela situação valeria a pena, no final. Foram as palavras de seu filho, de 12 anos, que a moveram nesse momento: “Eu quero você aqui viva comigo”.

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Em meio a medicações e a um tratamento agressivo, há também a carga emocional. Percebendo como seria esse processo, Carla Pinheiro, que tinha 42 anos quando recebeu o diagnóstico de câncer de mama, percebeu que era importante se reinventar para suportá-lo. “Comecei a seguir um monte de pessoas que tiveram câncer. Vi dicas de beleza, de como desenhar a sobrancelha e de como amarrar um lenço, comprei maquiagens. Participei de grupos, ouvi depoimentos de outras mulheres. Já me sentia mal com os medicamentos, precisava me sentir bem comigo mesma”, conta.

Carla Pinheiro tinha 42 anos quando recebeu o diagnóstico de câncer de mama (Foto: Arquivo pessoal)

Assim como Lania, ela percebeu que, mesmo em um momento tão delicado, a pressão estética acaba sendo mais um entrave. O olhar constante e compenetrado das pessoas foi marcante para ambas. E nesse aspecto, ter uma rede de apoio foi fundamental para que elas pudessem conversar sobre isso. “É uma fase em que a gente tem que pensar na vida. São meses, tudo passa. Não adianta falar só que o cabelo vai crescer, mas sim tentar curtir cada fase desse crescimento, quando acontecer”, diz Carla.

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Impactos do tratamento no corpo dificultam adesão

Os impactos que um tratamento oncológico pode trazer para o corpo da mulher são alguns dos motivos que dificultam a adesão ao tratamento adequado. Na experiência de Isabela Fernandes, psicóloga, mestre e doutoranda em Psicologia, é notável que o medo da mudança na autoimagem causa dificuldade nas idas às consultas e aos exames, principalmente quando não há um esclarecimento adequado sobre como será o tratamento, ainda mais devido ao fato de que a doença é associada a uma série de crenças, como a perda dos seios e do cabelo. “O que mais afeta é a possibilidade real da mastectomia”, diz.

Por isso, é bastante comum ver uma correlação com sintomas depressivos e o câncer de mama. Devido a esse cenário, é preciso que a mulher tenha uma rede de apoio que, inclusive, incentive-a a buscar ajuda psicológica. Quando os problemas de autoestima causam isolamento social, irritabilidade, crises de choro, alteração de sono e alteração de apetite, por exemplo, é preciso buscar tratamento.

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Durante o acompanhamento psicológico, várias questões serão discutidas, como o processo do tratamento oncológico, que também vai sendo discutido e tratado de forma mais delicada. “Também é trabalhada a autoimagem e o resgate da autoestima. A mulher, nesse processo, muitas vezes não se reconhece no espelho. A imagem que está ali diante dela é muito diferente do que ela sempre viu”, explica.

Conforme a psicóloga, trabalhar essas questões é importante para que a mulher recupere o bem-estar e a sensação de autonomia. “Esse resgate da autoestima pode começar pela estética, mas não se dá só por ela e deve atingir várias áreas”, diz.

Rede de apoio e ‘kit beleza’

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Além de ter uma rede de apoio presente, fator citado por Lania e por Carla como essencial desde o diagnóstico até as fases mais difíceis do tratamento, trocar vivências com outras mulheres que passaram pelo câncer de mama também é muito importante para elas. Pensando em propiciar essa troca e oferecer um ambiente seguro para que as mulheres possam conversar, o Instituto Acredita na Energia tem rodas de conversa e grupos no WhatsApp com mais de 160 mulheres e diversos profissionais da saúde. O objetivo é tentar “trazer leveza ao momento”, como conta a idealizadora e presidente do instituto, Jeanne Sarchis.

Na sua experiência, um dos papéis fundamentais dessa troca de ideias é fazer com que as mulheres entendam a importância de terem diálogo nesse momento e não se sintam sozinhas nas suas dúvidas e questões. “Às vezes ficamos com vergonha de perguntar para o médico sobre o cabelo, se pode fazer a unha, sobre a sobrancelha… Achamos que isso é futilidade, mas não é. É parte do tratamento, é autocuidado. Faz parte da cura você se sentir bem”.

Acompanhando os problemas de autoestima que ocorrem com muitas das mulheres que estão enfrentando a doença, o instituto passou a fornecer um kit gratuito no momento em que as mulheres estão perdendo os cabelos. “No kit vai um lenço do instituto, um batom, um lápis de sobrancelha e às vezes até bijuteria”, conta. Jeanne também envia uma carta explicando sobre sua própria história com o câncer de mama e convidando as mulheres a participarem do grupo para ter acolhimento nesse momento.

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Luciana Caldas de Morais, proprietária da empresa de moda íntima Luciana Lingerie, confecciona e distribui sutiãs que se adaptam a mulheres mastectomizadas há 27 anos (Foto: Arquivo Pessoal)

Projetos trazem alternativas gratuitas após a mastectomia

Após receber a notícia da necessidade de fazer uma mastectomia, a mulher também pode passar pelo medo da não adaptação com uma prótese de silicone, pela impossibilidade de colocá-la e, até mesmo, pela falta de condições para adotar outros métodos confortáveis com relação ao pós-mastectomia – o que também acaba gerando ainda mais problemas na autoestima. É por isso que Luciana Caldas de Morais, proprietária da empresa de moda íntima Luciana Lingerie, que trabalha e distribui sutiãs que se adaptam a mulheres mastectomizadas há 27 anos.

A ideia partiu de uma cliente que precisou passar pela cirurgia, e, desde então, ela oferece sutiãs com prótese de forma gratuita. Na loja física em Juiz de Fora, há sutiãs deste modelo em pronta-entrega. Mas para quem não é da cidade, ou prefere receber o produto em casa, também é possível solicitar através das redes sociais. “São apenas três matérias simples para produzir a próteses, mas que fazem a diferença. Eu vejo nos olhos a emoção da pessoa. Recebo relatos de mulheres que voltaram a sair de casa, ou que foram para a praia, e voltaram a sorrir mesmo”, diz.

A vontade de ajudar outras mulheres também moveu Luciene Scoralich, CEO da marca de moda íntima Loback, a mobilizar sua equipe para produzir sutiãs com prótese. “Eu queria fazer algo, ser útil para ajudar a autoestima dessas mulheres. A autoestima da mulher muda, dá mais vida e até disposição para lutar contra a doença’, conta. Neste ano, ela vai distribuir 30 kits para a Ascomcer e para o Hospital Oncológico 9 de Julho.

Tatuagem ‘floresce’ cicatrizes

Outra forma de lidar com a cicatriz da mastectomia é a partir de tatuagens. O casal Ligia Castro e Breno Bitarello, ambos tatuadores, iniciaram um projeto de reconstrução do mamilo e de tatuagens em volta da região do seio para mulheres que passaram pelo câncer de mama – oferecendo essa opção durante o ano inteiro, de forma gratuita. “Qualquer coisa que faça ela resgatar um pouco dessa autoestima, ela já pode procurar a gente. Só precisamos do aval do médico dela para saber se já está liberada para tatuar”, explica Ligia.

A importância de iniciar esse projeto, para ela, é notar que o seio talvez seja a parte mais feminina de uma mulher – e, por isso mesmo, a alteração nessa área é capaz de afetar tanto a autoestima. “Teve situações de mulheres que choraram quando chegaram e mostraram o seio antes do projeto e quando viram o resultado”, relembra. Para ela, oferecer a tatuagem sem custos é importante para que mais mulheres tenham acesso.

As interessadas em fazer uma tatuagem precisam entrar em contato com os dois, via redes sociais, e apresentar o que gostariam de fazer. Ela conta que eles já realizaram a reconstrução da aréola, mas a maioria das mulheres busca projetos que envolvem flores. “A pessoa realmente passou por esse processo todo doloroso e floriu depois. Elas geralmente não querem voltar a ser como eram antes, elas passaram por um processo que as mudou demais. Então elas abraçam essa mudança e acabam optando por algo que simbolize isso, como tampar as cicatrizes com as flores”, conta Ligia. Mas a transformação não é só para as mulheres. “Para nós, também é transformador viver essa mudança”, reforça Ligia.

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