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‘Reconhecimento de uma carreira baseada em esforço’, diz Martha Halfeld, juíza do Tribunal Administrativo do BID

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MARTHA HALFELD Arquivo Pessoal 3
Antes do BID, Martha Halfeld foi presidente do Tribunal de Apelação da ONU (Foto: Arquivo Pessoal)
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Primeira mulher brasileira a ocupar uma função no Tribunal Administrativo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a juíza Martha Halfeld de Mendonça Schmidt começou a carreira no judiciário trabalhista logo aos 18 anos, quando passou em um concurso para ser servidora da Justiça do Trabalho. À época, ela ainda era estudante de direito da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Desde então, Martha adquiriu a experiência prática que, junto aos estudos, lhe deu lastro para trilhar uma carreira na magistratura. Antes de ser juíza, ela ainda fez carreira como professora substituta de direito trabalhista na UFJF, o que, segundo ela, garantiu uma “bagagem doutrinária importante”, por conta da preparação das aulas.

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No Paraná, passou no concurso como juíza pela primeira vez. Depois, após uma aprovação em Minas, voltou para casa e, desde então, é titular da 3ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora. Com títulos de mestrado e doutorado cursados na França, Martha também trilhou carreira internacional no direito. A magistrada esteve por sete anos no Tribunal de Apelação da ONU, onde foi primeira vice, segunda vice e presidente do Tribunal – com mandato que teve início em 2021 e terminou no último dia 30 de junho.

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Agora, com a oportunidade de aprofundar a experiência internacional, Martha conversou com a Tribuna sobre o novo cargo, as dificuldades e os desafios, além da busca pela paridade de gênero em cargos do alto escalão do judiciário e a volta de um representante brasileiro ao Tribunal do BID após nove anos.

Tribuna – A senhora passou por um processo seletivo de candidatura independente para o Tribunal Administrativo do BID, certo? Pode contar mais como foi?

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Martha Halfeld – No final do ano passado eu soube da existência deste edital, das vagas para o Tribunal Administrativo do BID. Eu vi que preenchia todos os requisitos e ainda tinha experiência no Tribunal de Apelação da ONU. Então foi uma candidatura natural. Claro que a gente concorre com muitas pessoas, mas fui pré-selecionada e passei por um processo seletivo. Passei por entrevista e depois fui mais uma vez pré-selecionada para a escolha do Conselho de Diretoria da diretoria do BID. Ao final, eu e uma mexicana fomos selecionadas.

– Como a senhora se sente sendo pioneira e abrindo um caminho para a igualdade de gênero no Tribunal?

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– Além das qualificações, tem outros dois fatores que eu acho que contribuíram para a minha seleção. O primeiro é o fato de ser brasileira. O Brasil é um país-membro fundador do BID e sempre teve um representante no Tribunal Administrativo, até 2014. Sempre foram ministros do alto escalão e era por indicação. Desde 2014 o Brasil não tinha representantes neste tribunal administrativo, apesar da importância geopolítica do país. Então eu penso que recuperar esse espaço de representação é uma questão importante, tanto para o Brasil, porque alarga o seu poder de influência no sistema interamericano, quanto para o próprio BID, porque é interessante a diversidade. Assim, a questão de ser brasileira, eu acho que pesou ao meu favor, e outra: havia nove anos não tinha representantes brasileiros no tribunal, porque eles também mudaram a forma de recrutamento, por candidatura e por processo seletivo interno. Há também o fato de eu ser mulher, porque, como todas as organizações internacionais, o BID preza pela igualdade de gênero, e é sabido que as mulheres têm mais dificuldade de galgar um espaço dessa altura. Então, em igualdade de condições, eu acredito que o BID tem por política estabelecer um número equiparado entre homens e mulheres nos seus espaços de decisões, inclusive no Tribunal Administrativo.

– Quais as funções dos juízes no Tribunal Administrativo do BID?

– Assim como a ONU, o BID tem, como a maioria das organizações internacionais, imunidade de jurisdição. O que quer dizer isso? Eles não podem ser processados perante os tribunais nacionais. Então, o BID teve que estabelecer um sistema de justiça interna para resolver os conflitos dos seus próprios servidores, porque senão eles ficariam sem via de recurso, no caso de pensarem que os próprios direitos deles estariam sendo violados. Foi por conta disso que surgiu o Tribunal Administrativo do BID, que celebrou 40 anos. Ele foi criado em 1981. E o Tribunal é de primeiro e último grau de jurisdição, então não tem um julgamento que é feito por um juiz singular, todos os julgamentos são feitos por três juízes, que é um painel, uma turma do juízes, como chamamos aqui. Por que isso acontece? Para dar mais segurança. Como é um Tribunal de primeiro e último grau de jurisdição, o fato de a composição ser colegiada com três juízes pelo menos, dá um pouco mais de segurança e legitimidade para aquele julgamento. Então, por exemplo, se tiver uma audiência – são poucos os casos que o tribunal lida por ano -, todos os três juízes são convocados, porque eles vão participar do julgamento e devem participar da etapa de produção de prova também.

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– A partir de agora como será sua rotina de trabalho, uma vez que a senhora é titular na 3ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora?

– No BID eu serei juíza e vou prestar um trabalho a tempo parcial na medida da necessidade de funcionamento do Tribunal. É um Tribunal, vamos dizer assim, com menos movimento processual que o Tribunal de Apelação da ONU. Então, eu vou precisar de afastamentos temporários do meu tribunal para poder atender às atividades deste organismo internacional. Mas, na maior parte do tempo, eu vou continuar na minha jurisdição na 3ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora, e isso é importante para que o meu tribunal possa me conceder a licença. E muito trabalho também será realizado a distância. As sessões acontecem em Washington. Mas claro que, antes de a sessão começar, a gente recebe os processos e prepara tudo remotamente.

– O que essa nova etapa internacional representa em sua carreira?

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– Para mim é uma alegria muito grande. É o reconhecimento de um trabalho bem feito, de toda uma carreira que foi baseada em muito esforço, muito suor, muita dedicação. Isso é importante, porque é uma forma de compensação do nosso esforço, mas também é uma responsabilidade muito grande, porque eu vou estar com a bandeira brasileira bem atrás de mim. E a bandeira da representação feminina também. Portanto, temos que fazer um bom trabalho. Para isso, a gente precisa de experiência, mas também precisa de apoio, no sentido de ter condições para exercer um bom trabalho, porque é uma responsabilidade muito grande.

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