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Garoto de 12 anos está no HPS à espera de tratamento contra o crack

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Um garoto de 12 anos está internado na ala psiquiátrica do HPS de Juiz de Fora há cerca de uma semana, desde a última quarta-feira (9), à espera de tratamento adequado contra o vício em crack. A situação alerta para a disseminação do uso da droga por pessoas cada vez mais jovens e também para a falta de assistência pública em instituição de longa permanência para quem precisa de auxílio para se libertar da dependência física e psicológica causada pela substância. A Promotoria de Justiça de Defesa da Criança e do Adolescente constatou deficiências, tanto de atendimento psiquiátrico, quanto de internação para casos como esse na cidade, e disse à Tribuna que já havia encaminhado o panorama à Promotoria de Saúde, que está em diálogo com o Município por meio de procedimento.

De acordo com a promotora de Defesa da Criança e do Adolescente, Samyra Ribeiro Namen, há inúmeros casos de dependência química envolvendo crianças e adolescentes em Juiz de Fora. Ela acredita que o problema tem se agravado com a pandemia do coronavírus. “Está tendo perda de vinculação das crianças com a escola. Os pais saem para trabalhar, e muitas ficam na rua.” Com isso, também tem ocorrido incidência de casos que chegam à Vara da Infância e Juventude de meninos envolvidos com o tráfico, mas que não tinham passagens anteriores desses atos infracionais.

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Sem apego às apostilas e aos outros métodos de ensino remoto, os alunos estariam perdendo o interesse pelos estudos, sendo mais facilmente cooptados. “Eles começam a ser aliciados. É um problema muito grande a falta da escola. Muitos não estão encontrando os amigos e ficando em depressão, com crise de ansiedade, e acabam usando drogas. Estamos vivenciando uma coisa que está levando à outra”, destaca Samyra, que ressalta os problemas sociais e reforça a importância dos vínculos familiares, sobretudo neste momento de maior vulnerabilidade.

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Adolescente está sendo acompanhado pela mãe, que quer conseguir uma vaga para o filho em uma clínica de recuperação

A promotora lembra que no último sábado (12) foi comemorado o Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil. “Também aumentou o trabalho infantil nas ruas neste período”, observa. Diante do quadro, Samyra enfatiza que questões psiquiátricas como drogadição, alcoolismo, além de esquizofrenia, transtornos de ansiedade, depressão e outras doenças mentais não estariam sendo acompanhadas de forma suficiente no município, no que tange a crianças e adolescentes, já que não haveria espaços adequados, nem médicos suficientes para diagnosticar e tratar.

Vara da Infância e Conselho Tutelar acompanham caso

O adolescente que está no HPS é acompanhado há três anos pela Vara da Infância e Juventude. Desde janeiro, quando ele começou a usar crack, levando desespero à família por ficar dias desparecido, ele também passou a ser monitorado pelo Conselho Tutelar Sul/Oeste. “A questão dele foi se agravando, e o conselho teve que fazer várias intervenções. Quando ele se afundou nesse processo das drogas, eu acionei imediatamente as promotorias da Infância e da Saúde, porque crianças e adolescentes precisam de autorização para medida de internação. Como não temos esse tipo de estabelecimento em Juiz de Fora, acionei o Caps (Centro de Atenção Psicossocial) da Infância e Juventude, que fez um trabalho com ele para tentar amenizar os riscos inerentes ao uso de drogas. Mas também não tivemos um resultado favorável, que culminou nessa situação em que ele está. Infelizmente o caso dele evoluiu muito rápido”, detalha a conselheira Sara Vieira, garantindo que o Conselho Tutelar tomou todas as medidas cabíveis em relação ao caso.

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Diante da necessidade de traçar medidas futuras para o garoto, já que o HPS é apenas porta de entrada, com atendimento emergencial e pronto tratamento psíquico, a Promotoria de Defesa da Criança e do Adolescente entrou com novo processo, que está em análise pelo setor técnico da Vara da Infância e Juventude, a fim de apontar qual o melhor caminho para o adolescente. “Constatamos na Vara da Infância a ausência de equipamento que faça acompanhamento psiquiátrico prolongado de crianças e adolescentes. Instaurei procedimento e encaminhei ao promotor de Saúde, que está tomando as providências cabíveis”, pontua a promotora Samyra.

A conselheira tutelar Sara ressalta que há muitos atendimentos relacionados ao uso de drogas por adolescentes. “Infelizmente isso é muito recorrente. São muitos casos, e não temos um estabelecimento para internação. Geralmente, esses adolescentes participam de acolhimentos feitos pela rede. Vão sendo acompanhados para serem amenizados esses riscos.”

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Mãe espera conseguir vaga para tratar o filho

“Eu que ia à polícia nas madrugadas atrás dele. Enfrentei boca de fumo sozinha. Levei os policias dentro da casa de um homem que estava dando crack para o meu filho. Tudo fui eu e Deus que corri atrás.” O desabafo é da mãe do garoto de 12 anos, que está internado no HPS, à espera de tratamento contra o crack. A auxiliar de serviços gerais, 42, está desempregada e conta como conseguiu achar seu filho na semana passada, quando ele ficou seis dias desaparecido, após sair da casa da família, na Cidade Alta. “Fui perguntando para as pessoas. Muita gente me ajudou segurando ele para dar tempo para eu chegar com a polícia.”

Desde o início do ano, quando o vício no crack levou o menino a vender coisas de casa para poder comprar a droga, a mãe também teve que pagar algumas dívidas relacionadas ao consumo e está preocupada com o aluguel, atrasado há dois meses. “Tive que abandonar o trabalho para cuidar dele pessoalmente neste momento difícil.” Com o pai do garoto ausente desde a gestação, ela acompanha o filho no HPS há uma semana, e agora só pensa em conseguir uma vaga para ele em clínica de recuperação. “Estou até hoje aqui nesse lugar que não é para o meu filho de 12 anos. Até agora, nada. Estou desesperada.”

Processo tramita em segredo de Justiça

Sobre a situação do adolescente que está no HPS, o promotor de Defesa da Saúde, Jorge Tobias de Souza, informou, nesta terça-feira (15), que a 20ª Promotoria de Justiça já adotou “todas as providências judiciais cabíveis para solucionar sua situação de vulnerabilidade, as quais não podem ser especificadas porque o processo tramita em segredo de justiça”.

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Em relação ao problema de deficiência de vagas para internação psiquiátrica de longa permanência para crianças e adolescentes, o promotor cita que tramita na 20ª Promotoria um Procedimento Administrativo – Acompanhamento de Políticas Públicas sobre o assunto, “que se encontra pendente de resposta da requisição que foi feita ao Departamento de Saúde Mental”. Entre os questionamentos ao órgão sanitário estão: se ocorreu transferência do Centro de Atenção Psicossocial da Infância e Juventude (Caps IJ) para outro imóvel; se o quadro de funcionários do Caps IJ está adequado, considerando inclusive as licenças médicas e maternidade dos servidores; se foi realizado estudo de solução contingencial ambulatorial e de leitos para internação de crianças e adolescentes, nos termos acordados na reunião realizada em dezembro de 2020.

“Tal requisição está com o prazo final de resposta para o dia 2 de julho de 2021, razão pela qual só será possível efetivar um diagnóstico atinente a tal quadro após o recebimento de tais informações”, enfatiza o promotor. Ele esclarece que as residências terapêuticas são serviços regulados pela portaria do Ministério da Saúde nº 3090, de 23 de dezembro de 2011, cuja função é efetivar o acolhimento, com internação de longa permanência, de pessoas egressas de hospitais psiquiátricos e também de pacientes psiquiátricos em situação de vulnerabilidade social que demandem tratamento ambulatorial. “A lógica de tal serviço é promover laços afetivos e de reinserção social com vista à reconstrução das referências familiares e ao desenvolvimento da autonomia de seus abrigados.”

PJF confirma inexistência de instituições de longa permanência

Questionada sobre a situação do garoto de 12 anos que espera há uma semana no HPS por tratamento adequado contra o crack, a Secretaria de Saúde da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) disse, por meio de nota, que o adolescente está em ala psiquiátrica “com maior privacidade, a fim de evitar a exposição da situação aos outros pacientes adultos internados” e que ele “possui à sua disposição um quarto com banheiro separado e acompanhamento de um familiar”.

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A PJF confirma que não existe no Município instituições de longa permanência que realizam o atendimento de pessoas em condições psiquiátricas, nem clínicas para atendimento de recuperação de drogas em adolescentes muito jovens. “Devido à luta antimanicomial, não é realizada mais a internação de longa permanência desses pacientes, mas é feito um acompanhamento, juntamente com os familiares, para verificar o estado de saúde periodicamente.”

Especificamente sobre a situação do adolescente, a PJF destaca que a mãe deseja uma internação de longa duração em uma clínica de recuperação de drogas, o que não é oferecido pelo Município. “O Caps da Infância e Juventude e o Caps Álcool e Drogas já entrevistaram o adolescente e a mãe para planejarem as intervenções e realizarem o tratamento adequado.” Ainda conforme a Secretaria de Saúde, “neste momento, os Caps estão empenhados em realizar o tratamento indicado e tirá-lo deste uso abusivo e tomar providências para que ele possa ter um tratamento em longo prazo”.

A PJF acrescenta que o tempo de internação é determinado por critério médico e da equipe que cuida do paciente. “Geralmente, são internações mais curtas para desintoxicação, em que deve ser estudada a história de vida e analisar o papel da internação. De acordo com os critérios defendidos, é importante conhecer a família e o paciente.” A Prefeitura ressalta que, no caso do adolescente em questão, os Caps estão atuando juntamente com o Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas), Conselho Tutelar, Vara da Infância e Secretaria Especial de Direitos Humanos.

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