
Ônibus da linha 601 altera trajeto, no Monte Castelo, para evitar apedrejamentos
“Tenho medo de andar de ônibus, pois estamos correndo risco de vida”, teme uma dona de casa, de 47 anos, moradora do monte castelo, na zona norte. Ela, assim como outros residentes, estão deixando de usar o transporte coletivo da linha 601 por temor à violência. Segundo eles, os ônibus têm sido alvo da rixa entre gangues que envolve os bairros monte castelo, esplanada e jardim cachoeira, todos vizinhos.
Casos de apedrejamentos e tiros contra os coletivos e até agressão de usuários têm mudado a rotina dos habitantes, tanto que o coletivo da linha 601 teve seu trajeto alterado. O veículo, que antes percorria a Rua Luis André Hagen, agora passa pela Rua Eduardo Weiss em determinados momentos do dia. “Uma gangue do Esplanada fica em um escadão e, lá do alto, observa a movimentação do ônibus. Quando há alguém do grupo rival no coletivo, acontecem as pedradas, e já teve caso de tiro, o que causou pânico nos usuários”, relatou a mulher, que prefere ter o nome preservado, assim como outras pessoas do bairro que falaram com a reportagem, pois temem represálias.
Outra usuária, 38, relata que chega em casa por volta das 23h e que, neste horário, por medo, o motorista ignora alguns pontos de ônibus. “Houve ocasião em que uma moça, ao desembarcar, foi agredida por um grupo. Os moradores estão com receio de serem atacados da mesma maneira. Chegou-se ao absurdo de mulher ter de esconder o cabelo comprido ou fazer coque, ao entrar no ônibus, porque membros das gangues passaram a cortar os cabelos de moças de bairros que consideram rivais”, disse a usuária. “Quando o ônibus está muito lotado, as mulheres ficam em pânico, porque essa molecada não está respeitando ninguém. Os idosos já estão evitando o coletivo”, afirma uma estudante, 26, acrescentando que existe um consenso no bairro. “Depois das oito da noite, estamos evitando pegar ônibus. É como se tivesse um toque de recolher.”
Os moradores também relatam casos de assaltos e uso de drogas perto do escadão da Rua Luis André Hagen. “A área fica perto do Campo do Amambaí, tem muito mato e fica deserta”, ressaltou um morador, 41. “Moro há 19 anos no bairro, e, agora, passamos a conviver com este tipo de problema”, reclamou o proprietário de um estabelecimento comercial.
A morte do adolescente de 17 anos, baleado na cabeça, na Rua Jarbas de Lery Santos, em frente à Praça do Riachuelo, no Centro de Juiz de Fora, no último dia 8, aumentou a insegurança dos moradores, já que, segundo eles, a morte teria relação com a briga de gangues da região do Monte Castelo. A vítima era moradora do Bairro Parque das Águas, enquanto o autor dos disparos, outro adolescente, 16, que foi apreendido com um revólver calibre 38, é morador do Monte Castelo. A própria Polícia Civil confirmou que o homicídio teria sido motivado pela rixa entre grupo rivais. “Essa morte pode acirrar ainda mais o ódio entre esses meninos e quem sofre é o morador”, desabafa um aposentado.
Na Viação Norte, empresa responsável pela linha 601, o fiscal Rafael Márcio confirmou que a linha sofreu alteração devido a casos de apedrejamentos. Contudo, segundo ele, a frequência dos episódios diminuiu, o que levou o coletivo a adotar sua rota normal.
‘Eles não respeitam ninguém’
A ação de grupos de jovens que investem contra coletivos não é apenas prerrogativa do Bairro Monte Castelo. Em outras regiões da cidade, usuários estão acuados. Em 14 de fevereiro deste ano, dois jovens, 18 e 19 anos, foram socorridos para o Hospital de Pronto Socorro (HPS), depois que foram atingidos por pedradas no ônibus da linha 129 (Previdenciários), quando trafegava pela Avenida Darcy Vargas, no Ipiranga, Zona Sul. O ataque foi promovido por um grupo formado por 30 pessoas.
O rapaz mais novo ficou inconsciente e ferido na cabeça. Já o mais velho sofreu lesões na cabeça e no ombro. A PM apontou que o apedrejamento tinha a rixa de gangues como motivação. Procurada pela Tribuna, a mãe do jovem de 19 anos contou que o filho ficou traumatizado depois disso. “Mas infelizmente ele não pode deixar de andar de ônibus, pois precisa trabalhar. Fica com medo, mas não tem outro jeito”, contou a mulher de 43 anos, que trabalha como acompanhante. Segundo ela, ataques de grupos a coletivos naquela região são frequentes. “A violência é provocada pelas brigas de gangues e por vandalismo mesmo. Eles não respeitam ninguém.”
Essa violência também assusta os profissionais das linhas. Atualmente desempregado, um motorista de 41 anos, morador do Bairro Santa Cruz, Zona Norte, que trabalhou atrás do volante por 15 anos, quer voltar a trabalhar, mas tem medo. Ele já foi ameaçado por grupos de jovens, quando dirigia na linha 747 (São Judas Tadeu). “Tenho um filho de 6 anos, e minha mulher está grávida de sete meses. Dirigir é o que sei fazer, mas a situação está complicada. Hoje ouço dos amigos que está muito arriscado”, afirma o pai de família. De acordo com ele, é comum os motoristas mudarem o trajeto do ônibus, mesmo sem a autorização da empresa. “A gente faz isso para ter segurança, desvia, apaga o letreiro do ônibus, porque, na hora do perigo, a gente liga para a empresa, e não mandam ninguém para nos ajudar”. O motorista lembra que diversos amigos deixaram a profissão por medo.
Profissionais têm medo de denunciar
Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Coletivo (Sinttro/JF), Adilson Antônio Rezende, a violência contra os coletivos é antiga e precisa ser combatida.”Todos os meses, o sindicato faz uma reunião com a Polícia Militar, na qual é conscientizada a respeito dos locais críticos. As autoridades também têm consciência desse problema. A grande questão é que, na maioria das vezes, essas gangues são compostas por menores de idade, o que dificulta uma resposta mais eficaz. Muitas vezes, o adolescente é apreendido, mas acaba voltando para rua”, afirma o sindicalista, acrescentando: “Os profissionais denunciam e se arriscam, pois, no dia seguinte, têm que voltar a trabalhar na mesma linha e muitos acabam marcados”.
Segundo Adilson, esse tipo de ocorrência contra os ônibus é mais comum nos fins de semana. “Há algumas linhas em que ruas são fechadas para festas e bailes e, se o motorista insistir em trafegar por ela, com certeza, é atacado. Há quebradeiras e apedrejamentos. Por isso, ele tem que alterar a rota, sim, para resguardar sua integridade física e a dos usuários.”
Conforme o presidente do Sinttro, atualmente, 400 profissionais vêm sendo acompanhados pelo sindicato. “São motoristas e cobradores que estão afastados do trabalho por medo da violência e recebem apoio psicológico. Deste total, 60% estão em trabalho de preparação de volta ao mercado de trabalho. Muitos querem outro tipo de ocupação, como a de fiscal, já que não querem voltar para o volante.” No último domingo, matéria da Tribuna mostrou a pressão que motoristas de Juiz de Fora estão sujeitos no dia a dia, acarretando em licenças médicas. Segundo a reportagem, dos 3.500 motoristas e cobradores contratados na cidade, estima-se que pelo menos 10% estejam licenciados. A violência é um dos motivos para o afastamento no trabalho.