Dono de três cães, o artesão Paulo Swerts faleceu com Covid-19 em dezembro de 2020. Os animais viviam com ele desde filhotes. Os cachorros permaneceram no apartamento onde Paulo vivia, conta o irmão dele, o bancário Antônio Celso. O irmão mora em Vitória, no Espírito Santo, e não teria condições de manter os animais com ele. Antônio contou com a ajuda de um professor, amigo da família, para conseguir encontrar um novo lar para os bichos de estimação de Paulo. Os esforços deram resultado, e o adotante concordou em receber os três cachorros. O que não ocorre na maioria dos casos, segundo a Sociedade Juizforense de Proteção aos Animais (SJPA), aumentou o número de abandono em função da morte dos donos durante a pandemia. Situação inédita para a instituição até então.
Antônio conta que o afastamento de Paulo de casa, por conta da doença, foi muito sentido pelos cães. Eles deram sinais de que estavam tristes. “Meu irmão parou de vir, a casa começou a ter mais movimento de outras pessoas. Eles ficaram mais ariscos, passaram a latir, coisa que não faziam antes, depois ficaram muito quietos.” A intenção reforçada na campanha de adoção dos três cães é que eles permanecessem juntos, mas Antônio não acreditava que apareceria alguém que tivesse como fazer a adoção do trio.
“Para a nossa surpresa, muitas pessoas entraram em contato. Depois, ficamos sabendo sobre quem adotou os cães, que o comportamento deles permaneceu alterado em um primeiro momento, eles deram um pouco de trabalho, mas agora já estão mais adaptados, já estão bem”.
A presidente da SJPA, Maria Elisa de Souza, afirma que casos como esse não são isolados. Ela explica, não entanto, que esses animais são diferentes dos que a entidade costuma receber, do abandono clássico. São cães e gatos que têm todas as características físicas e de comportamento que demonstram que tinham donos e não estavam nas ruas. Eles se tornaram ‘órfãos’ de seus donos durante o período da pandemia, ou ainda, segundo Maria Elisa, vieram de famílias que foram afetadas pelo desemprego e não tinham como manter nem a alimentação de seus animais. Em geral, são deixados nas portas de clínicas, abrigos, residências.
“Recebemos relatos de pessoas que perderam seus mantenedores, a família precisa se espalhar, vai morar nos fundos da casa de outras pessoas, para onde os animais não podem estar. Temos vários nessa situação. Também temos ocorrências de morte de idosos, nas quais o cão ou gato deles ficaram fechados dentro da casa, além de situações de morte em que os vizinhos nem tinham ideia de que um animal ficou em casa e até cães bravos dos quais ninguém se aproxima.” Pelo que tem visto e acompanhado, a presidente da SJPA reforça: “É simplesmente desesperadora a situação dessa pandemia em relação aos animais.”
‘Esse é o quadro mais desesperador’
As histórias tristes se acumulam. Entre as que mais tocaram Maria Elisa está a de um profissional que veio de fora da cidade para trabalhar e ninguém tinha informações sobre a família dele. “O homem pegou Covid e morreu 48 horas depois. A empresa só tinha os contatos pessoais dele, não tinha nenhum outro contato. Ele foi sepultado com o apoio da empresa. Mas a cadela que ele trouxe da cidade de origem foi para o abrigo.” Embora tenha recebido cuidados, ela não resistiu à dor da perda. “Morreu de desgosto poucos dias depois. Esse é o quadro mais desesperador, do animal que fica parado, olhando, não reage e morre de depressão.”
A dificuldade, em casos como esse, é que os bichos, além de machucados, chegam com marcas profundas das consequências do abandono.
“Em 34 anos, presenciei e passei por muitas crises, essa é a que mais tem machucado a gente. Há casos em que as pessoas até tentam ficar com cães, porque o dono morreu, mas os outros animais que as pessoas já têm não aceitam. Então, eles sofrem agressões em outras residências e, quando chegam, não reagem. Têm aquele olhar de tristeza, desespero.”
A diferença é que o animal que está abandonado na rua por outros motivos, quando é resgatado, ele se sente protegido, demonstra a gratidão que sente. “Quando você tira um cão ou gato de uma residência, mesmo que seja uma ação necessária, gera revolta. A sensação é de desamparo. Alguns são até difíceis de conviver. Depois que eles se afeiçoam ao abrigo, fica difícil encaminhá-los, porque eles se sentem abandonados novamente. É uma situação inédita para nós”, narra Maria Elisa.
Mudança de critérios
Outro desafio imposto pela pandemia é o caso das famílias que tiveram perdas de emprego e não têm mais como prestar atendimento ao seus animais. Isso provocou a necessidade de modificar as políticas de atendimento da SJPA. “Precisamos fazer sindicâncias para comprovar a situação das famílias que perderam as mantenedoras do grupo ou os indivíduos ficaram desempregados e não tem com o que contar. Muitas ainda conseguem cestas básicas com vizinhos ou instituições, mas não conseguem alimento para os cães e gatos.” Sem a ajuda com a ração, fatalmente, segundo Maria Elisa, esses animais morrem de fome ou vão para as ruas.
Ela explica que o recolhimento no abrigo é dispendioso em vários aspectos, inclusive pela limitação de espaço. Nos casos de cães e gatos que são tirados de casa nessas condições, há uma mudança de comportamento que dificulta o cuidado. Por isso, ao comprovar que está em vulnerabilidade, a SJPA ajuda com a ração. Essa ação aumentou os custos para a ONG, que sobrevive de doações. Por outro lado, a pandemia dificultou o processo de adoção dos bichos de estimação. Embora as doações feitas pelo abrigo tenham aumentado um pouco nesse período, o número de entradas permanece muito superior. No entanto, a impossibilidade dos eventos presenciais e a recomendação de distanciamento atrapalham o processo.
Todos os pontos que recolhem as doações e as contas bancárias disponíveis estão descritas na conta do Instagram da instituição: https://www.instagram.com/ong_sjpa/. Também é possível tirar dúvidas e obter outras informações por meio do telefone: (32) 9140-1033, com atendimento também via WhatsApp. Pelos mesmos contatos, é possível ter acesso a informações sobre o processo de adoção.