A política de cortes que atinge as universidades públicas de todo o país tem afetado em cheio a área de ciências e pesquisas. Na UFJF, importantes estudos já sentem o impacto. É o caso dos laboratórios de Eletrônica Orgânica e de Crescimento de Nanomateriais criados há cinco anos e que desenvolvem pesquisas em tecnologia, tendo como objetivos a criação de novos materiais e dispositivos que podem servir para geração de energia e implantes biocompatíveis. Eles integram o grupo de pesquisa de Nanociências e Nanotecnologia do Departamento de Física e trabalham, atualmente, no desenvolvimento de retinas artificiais, e têm trabalhos publicados em revistas internacionais de divulgação científica. Os responsáveis pelo projeto precisaram adotar medidas de readequação para manter em curso suas ações. Coordenado pelos professores Cristiano Legnani, Benjamin Fragneaud, Indhira Oliveira Maciel e Welber Gianini Quirino, o grupo busca alternativas para viabilizar a pesquisa sem depender tanto dos recursos públicos.
“Todo o nosso processo de desenvolvimento é muito sensível a recursos. Quando começamos a montar nossos laboratórios, estávamos em uma época na qual a política de investimento na pesquisa era constante. Isso dava condições de planejar e elaborar bons projetos, pois o desenvolvimento era garantido pela sequência de recursos. Nos últimos dois anos, isso mudou drasticamente. Hoje, passamos por situações nas quais um projeto de duração de quatro anos teve, no último ano, seus recursos cortados pelo governo. Isso nos deixa incapacitados de continuar a pesquisa e, além de impactar diretamente o trabalho, afeta a formação de recursos humanos, porque temos uma sequência de alunos da graduação, do mestrado, do doutorado e do pós-doc que dependem desses investimentos para o trabalho e, sem eles, ficam prejudicados”, ressalta um dos coordenadores, Cristiano Legnani.
Risco de interrupção
Para a pró-reitora de Pós-graduação e Pesquisa da UFJF, Mônica Ribeiro de Oliveira, a redução na ordem de 44% no Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), responsável por financiar os projetos na área de ciência e tecnologia, exige que pesquisadores da UFJF e de todo o Brasil readéquem seus projetos sob o risco de terem seus trabalhos interrompidos.
O FNDCT é responsável por investir em projetos da Agência Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que financia a compra de grandes equipamentos para laboratórios de pesquisas. Anualmente, eram abertos editais dos quais a UFJF participava, geralmente, com seis ou oito projetos, desde 2009, e tinha um índice grande de aprovação. “Temos áreas importantes dentro da universidade que montaram seus laboratórios com grandes equipamentos por meio desses fomentos. Em 2009, recebemos R$ 3,9 milhões e, em 2012, foram R$ 9,36 milhões. Nossos pesquisadores sempre dependeram desses editais para financiar essas pesquisas de grande porte”, observa Mônica.
Com os cortes no setor, os editais para grandes equipamentos da Finep foram interrompidos. Segundo a pró-reitora, a UFJF só teve a resposta do edital de 2015 no ano passado. “Dos projetos que foram aceitos, a Finep informou, em 2017, que só irá pagar 50% de cada. O projeto foi pensado e aprovado com 100% dos recursos e simplesmente irá receber 50%. Assim, tivemos que chamar os pesquisadores e pedir para adequarem e reorganizarem suas pesquisas a esse corte. Eles tiveram que reorganizar suas finanças e cronogramas para atender a esse orçamento de menos 50%, que é um corte altíssimo”, avalia a pró-reitora.
Impacto incalculável para ciência e tecnologia
Sob o ponto de vista da pró-reitora Mônica Ribeiro, o impacto é incalculável para o desenvolvimento da ciência e tecnologia no Brasil. A mesma avaliação é feita pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), que destacam que, além da ausência de novos editais no momento, não há perspectiva para abertura de próximos. Conforme Mônica, no último dia 22, a UFJF abriu abaixo-assinado e recolheu cerca de 1.500 assinaturas que foram entregues à SBPC e à ABC, que lideram esse movimento contra os cortes no país. “Ainda vamos entregar essa petição ao Congresso Nacional na tentativa de melhorar esse quadro”, afirma a pró-reitora.
Na visão do professor Cristiano Legnani, a falta de planejamento e a condição de altos e baixos na liberação de recursos às quais os pesquisadores foram submetidos representam retrocesso. “Agora, não temos previsão de editais, previsão de recursos e, nos editais que tiveram projetos aprovados, não sabemos quando os recursos serão liberados. Assim, não sabemos como continuar o trabalho. Então, temos que buscar alternativa para viabilizar a pesquisa sem depender tanto dos recursos públicos”, vislumbra o pesquisador.
“Agora, não temos previsão de editais, previsão de recursos e, nos editais que tiveram projetos aprovados, não sabemos quando os recursos serão liberados. Assim, não sabemos como continuar o trabalho. Então, temos que buscar alternativa para viabilizar a pesquisa sem depender tanto dos recursos públicos”, Cristiano Legnani, professor
Fuga de pesquisadores para o exterior
A diminuição nos investimentos para pesquisa e tecnologia representará em danos para o surgimento de inovação no Brasil, que é a ponta da ciência e tecnologia no mundo. Isso significa que o país irá perder pontos no ranking internacional. As consequências disso são o prejuízo no recrutamento de novos pesquisadores e o retrocesso na produção de inovação, sem falar na saída de estudiosos do país. “Existe a ameaça de fuga de grandes pesquisadores para o exterior formados pelas universidades brasileiras, pelo Estado brasileiro e, hoje, muitos estão sem oportunidade no Brasil, e a tendência é a fuga para outros países”, adverte a pró-reitora Mônica Ribeiro, acrescentando que, na verdade, a adoção de cortes pelo Governo federal impacta o país de modo geral. “Temos a PEC que congelou os gastos da Saúde e Educação por 20 anos, temos cortes para o MEC como um todo, para o CNPQ, o próprio Ministério da Ciência e Tecnologia perdeu o seu status de ministério e virou uma pasta do Ministério das Comunicações. Então, o setor da ciência e tecnologia do Brasil como um todo está sendo arrasado neste governo de transição.”
Novas gerações sem projetos como Ciências sem Fronteiras
A UFJF ainda tem alunos fora do Brasil por meio do programa Ciências sem fronteiras, que foi cancelado e tinha o objetivo de promover a consolidação, expansão e internacionalização da ciência e tecnologia, da inovação e da competitividade brasileira por meio do intercâmbio e da mobilidade internacional. Conforme Mônica Ribeiro, o Governo brasileiro assumiu a responsabilidade de custear a finalização dos estudos desses estudantes. “Para as próximas gerações não há previsão, pois o programa acabou. Ele realmente era muito importante e teve importância grande para estudantes adquirirem experiência no exterior, entendendo novas culturas, entendendo o funcionamento de outras universidades, aprendendo novas línguas. Mas era um programa que não tinha um processo de avaliação e de acompanhamento dos resultados. Houve muitos recursos envolvidos no programa, que, sem avaliação dos resultados, foi muito questionado e acabou. Hoje não temos perspectivas”, afirma a pró-reitora.
“Temos áreas importantes dentro da universidade que montaram seus laboratórios com grandes equipamentos por meio desses fomentos. Em 2009, recebemos R$ 3,9 milhões e, em 2012, foram R$ 9,36 milhões. Nossos pesquisadores sempre dependeram desses editais para financiar essas pesquisas de grande porte”, Mônica Ribeiro de Oliveira, Pró-reitora de Pós-graduação e Pesquisa da UFJF
Segundo ela, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) tinha um projeto de internacionalização de fomento à pesquisa realizada dentro dos programas de pós-graduação do Brasil e, atualmente, fez um grande questionário para todo o país, para que todas as universidades pudessem produzir e divulgar dados referentes à internacionalização, às parcerias internacionais, viagens de estudantes e pesquisas realizadas.
“O objetivo da Capes é lançar um grande edital público, em junho, no qual as universidades irão participar a fim de buscar a aprovação de cotas de participação. Se antes a Capes financiava projetos de internacionalização, agora não irá mais. Ela vai entregar às universidades a busca de cotas, fazendo com que as instituições disputem cotas para gerir o seu programa de internacionalização e chances de mobilidade acadêmica. Isso gera uma mexida no Brasil e reduz as oportunidades, pois estão vindo mais cortes, e a Capes quer terceirizar esse processo. Nossa expectativa é muito negativa para o ano que vem. Nós tentamos fazer o melhor possível, traçar um perfil institucional, olhando para frente, para captar recursos suficientes para continuar fomentando as ações de nossos docentes.”
Salto na pós-graduação nos últimos anos
Dados divulgados pelo Jornal do Estudo da Faculdade de Comunicação da UFJF mostram que houve um salto na produção de dissertações e teses defendidas nos últimos sete anos. Em 2010, apenas uma tese no curso de Química foi defendida. Em 2016, 137 estudos foram concluídos. Esse crescimento, como aponta Mônica Ribeiro, reflete o aumento da pós-graduação na instituição. “A UFJF, nos últimos dez anos, triplicou o seu número de programas de pós-graduação. Antes, eram 15 e hoje tem 45. Acho que todos esses cortes, em algum momento, irão repercutir numa desarticulação. Existe o setor da pós-graduação e o setor da pesquisa. Agora a pesquisa está dificultada porque precisa do fomento, pois necessita do equipamento, do laboratório, do insumo, para chegar ao seu resultado final. Já a pesquisa na pós-graduação é outro setor, que é o mais fortalecido que o Brasil tem hoje. A Capes ainda é uma agência que mantém uma parcela de orçamento e continua repassando para a pós-graduação. Esse setor será prejudicado? Vai, mas em longo prazo, por enquanto tem fôlego para crescer. A UFJF está em processo de formação de novos cursos de mestrado e doutorado e, em setembro, irá mandar para Capes mais dez propostas de abertura de programas. Esse impacto irá chegar na pós-graduação, porém, mais futuramente. Se continuar essa tendência de cortes, isso pode, sim, prejudicar a formação de novos programas”, considera.
Dez programas
Os dez programas da UFJF a serem avaliados pela Capes são: mestrado profissional em comunicação, mestrado profissional em nutrição, mestrado acadêmico em engenharia mecânica, mestrado acadêmico em engenharia ambiental, mestrado acadêmico em turismo e mestrado acadêmico em ciências da saúde, além de doutorado profissional em tecnologia do leite e derivados, doutorado acadêmico em ciências farmacêuticas, doutorado acadêmico em serviço social e doutorado acadêmico em comunicação.