Poucos dias após a confirmação do primeiro caso de Covid-19 em Juiz de Fora, em 14 de março de 2020, a Prefeitura publicou diferentes decretos que passaram a restringir as atividades na cidade. Iniciou-se pela suspensão das aulas presenciais na rede pública de ensino, até impedir o funcionamento de outros setores, especialmente do comércio. Apenas serviços essenciais, como supermercados, farmácias, clínicas, entre outros, podiam exercer suas atividades na cidade. Um ano depois, as restrições são semelhantes, mas agora dentro de um regime de lockdown, com toque de recolher entre 20h e 5h.
Para o infectologista Rodrigo Daniel, responsável pelo setor de vigilância em saúde do Hospital Universitário (HU) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), no atual cenário epidemiológico, com ocupação dos leitos de UTI e enfermaria do SUS acima de 90%, as medidas poderiam ser ainda mais restritivas, visto que o objetivo, no momento, é diminuir o número de casos.
Para isso, o especialista acredita que as normas deveriam seguir o que foi realizado na cidade de Araraquara (SP). O município paulista atingiu 100% de ocupação dos leitos de UTI e enfermaria no final de fevereiro e impôs o regime de lockdown. Neste caso, entretanto, houve um bloqueio total na circulação de pessoas, com possibilidade de multa para quem desrespeitasse as regras. O transporte público foi interrompido, e até o atendimento em supermercados foi impedido.
“Araraquara fez um movimento mais radical do que Juiz de Fora e deu certo. Então Juiz de Fora deveria fazer um movimento mais radical, pelo menos nessas semanas”, afirma Rodrigo Daniel. “Estamos em um momento em que não é a hora de morrer. Está chegando a hora disso acabar (com a vacinação). É ‘nadar para morrer na praia’, mas as pessoas ainda não perceberam isso”, destaca.
Ações equivocadas ao longo do tempo
No ponto de vista do especialista, as ações tomadas ao longo deste primeiro ano de pandemia se demonstraram equivocadas em determinados momentos, que refletem no comportamento da população atualmente. “Houve um bloqueio de atividades quando ainda havia poucos casos confirmados na cidade. Isso compromete as atividades de hoje e a adesão da população está muito dificultada por conta disso”, diz. “Muitos comerciantes ficaram no prejuízo naquele período e, hoje, justificam que não conseguem mais parar as atividades e, com isso, alguns arriscam e transgridem as regras.”
Outra questão apontada pelo infectologista diz respeito à reserva dos leitos de UTI em momentos quando não havia demanda, prejudicando o atendimento a outras comorbidades. “Poderíamos ter tido um pouco mais de atividade de modo a garantir que tivesse atendimento aos pacientes com Covid, mas também que os demais pacientes tivessem atendimento adequado. Hoje, vemos que muitos que foram privados do atendimento geral naquele período estão aparecendo com formas mais graves de doenças. O paciente que, às vezes, tinha que amputar um dedo, tem que amputar um pé inteiro hoje”, exemplifica.
Os meses que se seguiram, entretanto, foram também de aprendizagem. De acordo com Rodrigo Daniel, a questão envolvendo o uso de máscaras por todas as pessoas, por exemplo, foi um ponto que levou um maior tempo para ganhar destaque.
Amostras permitirão verificar circulação de novas variantes
O infectologista Rodrigo Daniel reforça algo que tem sido destacado pela Prefeitura de Juiz de Fora e outros profissionais e autoridades de saúde: a cidade está vivendo o pior momento da pandemia. “Há um esgotamento do número de leitos de UTI que é a coisa mais sensível. O número de casos suspeitos e confirmados depende muito de notificação e de acesso a exame, mas em relação ao paciente grave, isso não tem como esconder”, diz o médico.
Conforme o especialista, o cenário que tem sido observado na cidade pode estar relacionado com dois pontos: o desrespeito às normas e relaxamento da população em relação aos cuidados de enfrentamento; e a possível circulação de novas variantes. Sobre este último fator, ainda não há algo que comprove, entretanto, a Fundação Ezequiel Dias (Funed-MG) divulgou, na semana passada, novos critérios para envio de amostras dos testes da Covid-19. “Nós vamos começar a ter ideia se essas variantes estão circulando ou não na cidade e qual a proporção disso”, diz Rodrigo Daniel.
Já em relação aos cuidados da população, o infectologista cita um fator que já tem sido observado pela reportagem. As ruas da cidade têm se mantido cheias, mesmo com as regras do lockdown. Alguns estabelecimentos também têm transgredido as normas, seja realizando atendimento interno, como no caso de lanchonetes e padarias, ou na própria venda presencial. “Ainda não caiu a ficha das pessoas para o momento importante que estamos passando agora”, afirma o especialista. “Se não houver abertura de novos leitos, os pacientes vão morrer por falta de assistência, porque até agora isso não tinha acontecido, mas a perspectiva atual é essa”, alerta.
Faltam profissionais
Mais do que abrir novos leitos, o município carece também de profissionais qualificados. Segundo Rodrigo Daniel, este é um dos principais problemas enfrentados na cidade atualmente. “O que falta hoje é um profissional qualificado. Nesse momento, já sei de muitas iniciativas para montar UTIs novas, mas apenas montar UTI não resolve”, afirma. “O foco não é garantir UTI. O foco é diminuir o número de casos. Se os casos conseguirem se acomodar e ter assistência, temos que garantir UTI de qualidade também.”