O transplante renal é um tratamento para doença renal crônica, que é muito grave. Quando um paciente passa pelo transplante, independente de o órgão ser oriundo de um doador vivo ou falecido, é preciso seguir fazendo o uso de uma medicação, chamada de imunossupressor, para que o rim transplantado funcione bem. Alguns pacientes, no entanto, não seguem adequadamente as recomendações médicas para o pós-operatório. A não aderência pode prejudicar o funcionamento do transplante, diminuindo o benefício do tratamento.
Com trabalho dedicado a dimensionar o tamanho desse problema dentro da comunidade de transplantados renais no Brasil, a professora de Nefrologia da UFJF, Hélady Sanders-Pinheiro junto a outros pesquisadores do Programa de Pós Graduação em Saúde e do Hospital Universitário da UFJF (HU/UFJF) foram agraciados com o Prêmio Emil Sabbaga durante o XVI Congresso Brasileiro de Transplantes como o melhor trabalho em transplante renal do país.
A honraria dada à pesquisa “Fatores associados à não-aderência aos imunossupressores em transplante renal – Estudo multicêntrico ADERE BRASIL” reconhece os primeiros resultados do trabalho que vem sendo desenvolvido desde 2013. “Atualmente, o Brasil é o segundo país que mais transplanta no mundo, ficando apenas atrás dos Estados Unidos. Então, a nossa ideia era avaliar o tamanho desse problema e tentar identificar quais as possíveis causas desse comportamento, para encontrar medidas que ajudem a diminuir essa resistência”, explica Hélady. O estudo envolveu 20 centros transplantadores de todo o país, para que fosse possível representar o que acontece em todo o Brasil.
Essa parceria com outros centros permitiu que fossem acompanhados 1.105 pacientes transplantados. “O que o trabalho mostrou é que cerca de 40% dos pacientes não seguem adequadamente aquilo que foi proposto. Há uma elevada prevalência desse comportamento. Depois, fizemos uma análise ampla dos fatores que podem influenciar esse comportamento. O que encontramos é que a forma de organizar os serviços de transplante para atender o paciente, procurando enxergá-lo como indivíduo, é relevante.” De acordo com a professora, as pessoas que têm melhor suporte social se adequam mais ao que é proposto.
Uma das principais características dessa pesquisa, segundo Hélady, é que os resultados podem ser facilmente incorporados à prática. “O estudo fica muito próximo da forma que cuidamos dos doentes. Algumas vezes, quando produzimos ciência, muitas vezes, as respostas ainda estão muito longe das pessoas. Essa tem caminho mais curto até elas. Além disso, a pesquisa está apenas começando. Vamos envolver alunos, e eu acredito que possamos chegar a mais respostas no decorrer dos próximos anos.”
Para o grupo de pesquisa, explica, é o reconhecimento de um grande esforço, mas também reforça a importância do tema abordado. “É muito relevante ter um estudo que envolve 20 centros transplantadores do país inteiro, em que um dos centros é o HU da UFJF. Essa ideia partir aqui da universidade é muito importante”, pontua Hélady.
Base para intervenções
Seguir o tratamento de uma doença crônica exige dedicação, porque ele terá que ser feito pelo resto da vida. Isso aponta para algumas dificuldades para que os pacientes sigam as orientações do tratamento. Os resultados levantados pelo estudo, no entanto, chamam a atenção não só para doentes, mas também para os profissionais. “Pequenas adequações são necessárias para tornar possível que as pessoas tenham o benefício do tratamento. Traçar intervenções para diminuir um comportamento, no caso, a não aderência, é complexo e requer múltiplas ações. Temos em mente, por exemplo, que cada lugar pode ter as suas peculiaridades.”
Algumas visitas a centros parceiros foram feitas e outras estão marcadas, para discutir os resultados. O intuito é estimular a discussão sobre o assunto entre as pessoas que cuidam dos doentes. Além das publicações científicas, foi gerado um relatório com os dados colhidos, encaminhado a esses parceiros, com dados gerais e com informações locais comparadas. Com isso, será possível verificar o que é diferente no resto do Brasil e, eventualmente, possibilitar uma modificação de práticas.
Com as informações, a ideia é criar um projeto de intervenção, que pode ser um caminho para que as pessoas se tornem mais aderentes ao tratamento. “Começamos a trabalhar com um grupo de pesquisa da Universidade de Fortaleza, para o desenvolvimento de um aplicativo de celular. Ele ajuda o paciente a fazer o tratamento, lembrando os horários das medicações, das consultas, valores de pressão arterial, informações sobre a função do rim. O projeto está em fase de implantação. Essa é uma forma de trazer a tecnologia eletrônica para que as pessoas possam cuidar melhor delas próprias”, destaca a professora Hélady.