Ícone do site Tribuna de Minas

‘Quem ensina’: A necessidade de levar a educação para além dos muros (e telas)

PUBLICIDADE

Como será o amanhã? O questionamento, que norteou no início deste ano as discussões entre a professora de língua portuguesa e redação Marisa Loures em uma de suas turmas de nono ano, não era totalmente despretensioso – e até rendeu frutos. Naquele momento, o cenário pandêmico e as circunstâncias eram outros. Assim como em diversas outras áreas, a educação precisou se reinventar, e, diante de tantas incertezas e desafios, era preciso tentar manter aceso o ânimo e o interesse dos alunos. Marisa é uma das profissionais que integra a série “Quem ensina”, uma homenagem que a Tribuna faz aos professores e demais trabalhadores da educação, na semana em que se comemora o Dia do Professor.

“Eu acredito que o ensino é muito mais que a aula expositiva sobre gramática. Não quer dizer que eu não ache necessário e que não faça parte da minha aula. Mas eu acho que (a educação) é muito mais do que isso. Você tem que propor projetos que os alunos possam levar para a vida.” Foi com esse pensamento que a professora procurou atravessar os últimos semestres letivos, buscando refletir com os estudantes as novas circunstâncias impostas pela pandemia, além de propor e executar projetos que pudessem ter relevância em suas vidas. Um deles surgiu a partir da discussão realizada em sala em torno de uma tirinha crítica da Mafalda, personagem do cartunista argentino Quino.

“Eu me apaixonei perdidamente pela sala de aula e não consegui parar mais”, diz a professora de língua portuguesa e redação Marisa Loures, personagem da reportagem da série “Quem ensina” (Foto: Fernando Priamo)

LEIA MAIS: Quem ensina: Os desafios do ensino virtual durante a pandemia da Covid-19

PUBLICIDADE

“Selecionei essa tirinha para nossas aulas porque queria iniciar 2021 fazendo uma reflexão sobre como seria o amanhã. Será que o pós-pandemia traria dias melhores, com pessoas mais humanas, respeitadoras, amorosas e sem preconceito? Essa era a grande questão. Os meninos e as meninas produziram, em equipe, trabalhos muito criativos. O curioso é a maioria que não gosta de abrir a câmera nem de ligar o microfone, mas eles estavam tão envolvidos que deixaram a vergonha de lado. Os trabalhos foram bem originais”, conta.

A ânsia de Marisa em ultrapassar os limites da sala de aula, contudo, não é de agora. Lecionando há cerca de dez anos, a professora busca, desde o início de sua docência, propor diferentes experiências para suas turmas. Em 2012, quando estava em seu segundo ano como professora em uma escola da rede pública municipal, começou a desenvolver projetos que a marcaram. Na época, era professora de três turmas de 7º ano e, com elas, desenvolveu um jornal impresso.

“Foi meu primeiro projeto desenvolvido em sala de aula e guardo os exemplares até hoje. Só a ideia que foi minha. Todo o jornal partiu deles, o que fez a atividade ganhar um sabor ainda mais especial. Eles decidiram as pautas, fizeram as entrevistas e as fotos e escreveram os textos. O interessante é que eles entenderam muito bem a ideia de que as pautas tinham que ser atraentes para o público escolar. Então, fizeram matérias sobre a aluna mais popular do colégio, também escreveram sobre a eleição para diretor, problemas nas ruas do entorno da instituição e até usaram o espaço do jornal para reivindicar mudança no uniforme”, lembra.

PUBLICIDADE

“Eu me apaixonei perdidamente pela sala de aula e não consegui parar mais. Encontro com ex-alunos desse primeiro colégio que trabalhei, e eles se lembram de coisas que falei na sala de aula, do texto que eles fizeram para esse jornal, do momento em que sentamos juntos para discuti-lo. Daí a importância dessa profissão. Acho que isso é que faz a diferença”, emociona-se ao recordar.

“No ano passado, precisei ir a uma instituição pública e, ao chegar lá, o estagiário que me atendeu era um aluno dessa turma. O que ele disse me marcou muito. “Marisa, nunca vou me esquecer das nossas aulas de Língua Portuguesa. Quando fui fazer o vestibular, fechava os olhos e lembrava exatamente o que era discutido em sala. Conseguia ouvir a sua voz no momento da prova, e isso me ajudou muito.”

PUBLICIDADE

Atualmente, Marisa trabalha em três escolas de Juiz de Fora. É professora efetiva da rede estadual, dando aulas para turmas do ensino fundamental II, ensino médio e EJA do Instituto Estadual de Educação (IEE), a Escola Normal. Na rede privada, ela leciona para turmas do 9º ano nos colégios Santa Catarina e Granbery.

Atividades que fazem a diferença

Mesmo diante das dificuldades impostas e daquelas intensificadas pela pandemia, reconhecidas e vivenciadas por Marisa, ela percebe que a troca entre professora e alunos foi fundamental para que houvesse participação dos estudantes. O novo cenário exigiu, sobretudo daqueles que lecionam em escolas públicas, atuação mais ampla do que a exposição de conteúdos programáticos. “Se, até então, eu não tinha ideia do quanto aquelas nossas aulas dinâmicas e aquele projeto que eu tanto gostei de desenvolver faziam diferença na vida daqueles adolescentes, a resposta veio no ano passado, em meio à pandemia”, diz.

No ensino remoto, para Marise, o desafio maior é conquistar a atenção dos alunos: “Era preciso fazer com que o menino que estava escondido atrás de uma câmera e sem coragem de ligar microfone se sentisse ativo, resistisse ao celular, aos joguinhos e à cama.”.

Meses antes do início de casos do coronavírus, Marisa trabalhou de forma inusitada o gênero poema com seus alunos do oitavo ano do estado. À época, convidou um poeta da cidade, que participa do movimento Slam (batalha de poesia falada), para conversar com os adolescentes e fazer uma apresentação, além de uma oficina. Segundo Marisa, seus alunos ficaram “alucinados” com a poesia de protesto e até toparam organizar e apresentar para o público escolar suas próprias poesias faladas.

PUBLICIDADE

“Em 2020, continuei dando aula para alguns desses alunos. Agora, eles já estavam no nono ano. Eram muitos os desafios. Ninguém sabia ao certo até quando teríamos aula remota, se haveria reprovação ou não. A internet, às vezes, não funcionava. Para fazer contato com esses meninos e meninas, precisei, muitas vezes, apelar para as redes sociais, já que muitos não usavam o aplicativo do estado. Apesar de todos os obstáculos, seguimos com as videoaulas, e, no final do ano, uma mensagem de agradecimento de um aluno me comoveu muito. Ele me disse que sempre teve muita dificuldade em Língua Portuguesa e que eu fui capaz de fazê-lo ter uma relação diferente com essa disciplina. E como o mundo é muito pequeno, agora em 2021, esse aluno esteve em contato com uma amiga minha. Conversaram sobre escola, e ele disse, sem saber da minha proximidade com ela, que eu fui uma professora que fez diferença na vida dele porque, com as atividades que desenvolvíamos em sala, me esforçava para fazer as aulas serem mais interessantes.”

Desafios para chegar até o estudante

O processo de adaptação ao ensino remoto teve obstáculos, mesmo para quem já tinha algum domínio da tecnologia. Os professores, assim como os estudantes, tiveram que lidar com as dificuldades de migração para o virtual e adequar a dinâmica da “sala de aula”. A mudança resultou em uma diversidade de práticas pedagógicas, e as soluções foram construídas a partir de escolhas de professores e alunos e variaram de escola para escola. “A sala de aula é muito mais do que só um espaço destinado a aprender conteúdos de língua portuguesa e matemática, por exemplo. É um local de socialização. E, se é possível falarmos em algo de bom que aprendemos com esse período de isolamento social, é que está provado que escola é importante sim, o contato, cara a cara, do professor com o aluno.”

Marisa confessa que se assustou ao ter que interromper o convívio presencial. “Deu muito medo. Mesmo para quem já tinha um certo domínio da tecnologia, como é meu caso.” Com a mudança para o modelo virtual, os professores tiveram que passar por diferentes treinamentos até encontrar um estilo de aula que atingisse o aluno. “Não dava mais para ficar muito tempo só com o livro didático. O ambiente era outro, então, as estratégias didáticas também deveriam ser outras. Era preciso fazer com que o menino que estava escondido atrás de uma câmera e sem coragem de ligar microfone se sentisse ativo, resistisse ao celular, aos joguinhos e à cama. Aí entram aulas criativas com uso de gamificação, vídeos, músicas, aula invertida, atividades em grupo, projetos, etc.”

PUBLICIDADE

Projetos interdisciplinares

Nas instituições em que leciona na rede privada, Marisa conta que trabalhou em diferentes projetos interdisciplinares. Para ela, esse tipo de prática possibilita o diálogo entre múltiplas áreas, além de romper com a ideia de que a construção do conhecimento deve ser feita de maneira fragmentada e ampliar o pensamento crítico do estudante.

Um dos exemplos foi a realização de um trabalho interdisciplinar que pegou carona nos jogos olímpicos de Tóquio: a Olimpíada Sustentável. Conforme Marisa, a proposta de uma das etapas foi separar materiais recicláveis e levar para a escola, para que fosse coletado e doado. Dentro da sua disciplina, a professora sugeriu a elaboração de uma revista eletrônica, a Planeta Sustentável, que contém reportagens, entrevistas, artigos de opinião, crônicas, memes, charges, cartas do leitor e podcasts – gêneros textuais trabalhados por ela em sala de aula.

Em outra escola, onde leciona redação, também desenvolveu projeto interdisciplinar intitulado “Colagens e Contrastes”. A ideia, conforme conta, era despertar nos alunos o olhar atento para o contraste social entre realidades distintas. “Inspiradas pelo trabalho do fotógrafo turco Ugur Gallen, que denuncia o horror da guerra e a desigualdade social por meio de montagens fotográficas, e também com a incumbência de trabalharmos o livro paradidático daquele bimestre, pedimos que os alunos selecionassem uma foto de um fotógrafo consagrado e, em seguida, produzissem uma montagem denunciando um contraste social. Nas aulas de língua portuguesa, eles discutiram o livro, conheceram o trabalho do Ugur Gallen, fizeram as montagens e postaram em um mural virtual. Já nas nossas aulas de redação, eles produziram um texto argumentativo, destacando a mazela representada na colagem deles.”

Como será o amanhã?

Neste semestre, com o avanço da vacinação em Juiz de Fora, as escolas estão aos poucos retomando as aulas presenciais, ainda que mescladas ao ensino remoto, no chamado sistema híbrido. Além da preocupação com o coronavírus, que continua em circulação, há as incertezas sobre como se dará o funcionamento deste modelo. Durante as aulas virtuais, os estudantes tiveram aprendizagens diferentes, e, por isso, será preciso readaptar o ensino e estudar novas estratégias para atender tanto os estudantes que estarão em sala de aula, quanto aqueles que estarão em casa, no ensino à distância.

“Tenho conversado com vários professores, e todos pensam da mesma forma. A escola que os alunos estão encontrando agora não é mais a mesma. Não pode haver compartilhamento de materiais e de merendas. As brincadeiras exigem um distanciamento social, não pode existir abraço caloroso como os adolescentes adoram, e temos que seguir os protocolos sanitários. Afinal de contas, o vírus continua aí, e todos estamos com muito medo. É momento de aprender novamente e adaptar, para esse novo modelo, recursos e estratégias que davam certo no presencial e no remoto. O que fazer para colocar nosso aluno no centro da aprendizagem? Como atender o aluno que está na sala conosco e o aluno que está em casa? Como fazer com que os dois interajam? São perguntas que estão rondado a cabeça de todos nós.”

Sair da versão mobile