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Inocentes incriminados por boatos nas redes

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Nos últimos dias, a fotografia de um jovem de Juiz de Fora, aparentando ter cerca de 25 anos, foi compartilhada centenas de vezes no Facebook e em grupos de WhatsApp. Conforme as postagens, que foram feitas como uma forma de alerta para a comunidade, o rapaz seria o autor de diversos crimes na Cidade Alta, inclusive roubos na UFJF, sendo apontado como de alta periculosidade. Diante da avalanche de comentários, alguns diziam que o reconheciam e que ele era perigoso, outros chegaram a falar até que iriam agredi-lo se o vissem na rua. Porém, segundo a Polícia Militar, o jovem em questão não é perigoso como estão apontando, ele seria morador de rua e autor apenas de pequenos furtos.

Também nos últimos dias vêm circulando na internet falsas imagens de palhaços macabros, que aterrorizaram os Estados Unidos e o Reino Unido, e que estariam nas ruas de Juiz de Fora. Outro caso recente de divulgação de informação falsa pelas redes sociais ocorrido em Juiz de Fora foram as imagens do caso da explosão da Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel), ocorrida em 16 de agosto. As fotos e os textos davam conta de que havia dezenas de feridos e muitos mortos em decorrência do fato e que seria necessário evacuar as áreas próximas à fábrica, que fica no Bairro Araújo, Zona Norte. Horas depois, viu-se que muitas fotos compartilhadas eram relativas a acidentes ocorridos em outros lugares do país e do mundo.

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Tais situações trazem à tona os perigos das informações inverídicas que circulam na internet. Ainda que, muitas vezes, esteja cercado de boas intenções, o gesto de compartilhar boatos web afora pode ter desdobramentos trágicos. Em maio, a foto de uma suposta sequestradora de crianças correu celulares do Guarujá, em São Paulo. Reconhecida na rua, a mulher acabou brutalmente agredida por uma multidão furiosa, que a matou sem chances de defesa. A vítima, porém, era inocente.

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Imagem apagada

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A imagem do jovem de Juiz de Fora acusado de roubos por internautas já foi apagada pela maioria das pessoas que a compartilhou. Muitos, eram estudantes da UFJF, assustados com os frequentes assaltos na instituição. Eles acabaram divulgando a foto como meio de proteger os colegas de possíveis roubos. A iniciativa de deletar a postagem aconteceu depois de ele ter sido reconhecido por pessoas da região, que sabiam que o rapaz não era perigoso e nem autor de roubos e alertaram aqueles que passaram a foto para frente. “Quando vi a foto no Facebook, fiquei muito assustada. Já conheço este menino há bastante tempo. Ele sempre vem aqui na minha loja, conversa. Desconfio que ele usa drogas e já ouvi dizer que furta em obras, mas ele não é este monstro que disseram”, contou a dona de um restaurante do São Pedro que pediu para não ter o nome divulgado.

A estudante de artes e fotógrafa, Paula Duarte, viu a foto do jovem em um grupo do Facebook e também se assustou com a proporção que a publicação estava tomando. “Eu já conhecia o rapaz, ele vive na rua e está sempre perto da casa da minha cunhada, no São Pedro.Na hora, pedi a uma menina que compartilhou a imagem para apagar. Os comentários que vinham acompanhando a foto eram assustadores. Eu e outros alunos começamos a pressionar, e a imagem foi retirada do ar. Essa menina chegou a criar uma enquete para saber se devia ou não apagar o post, a questão é que até se decidir uma enquete, algo já poderia ter acontecido com o menino”, comentou.

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Perda de limites

O advogado Lair de Castro Júnior, especialista em direito da tecnologia da informação, afirma que o crescimento de boatos na internet é exponencial e assustador. “As pessoas parecem que perderam o limite e não entendem o tamanho do dano que podem causar. A internet deu voz a todo mundo, mas nem todos sabem usar a voz que têm. É preciso ter bom senso.” Para ele, a pseudo omissão que a internet proporciona é usada como escudo para aqueles que propagam falsas informações e cometer crimes virtuais. “As pessoas se encorajam atrás da tela. Porém, elas precisam saber que a internet não é terra sem lei, não há como se esconder totalmente. Já há mecanismos técnicos para se chegar a quem fez.” O advogado citou o exemplo de uma cliente de Juiz de Fora que teve fotos montadas e publicadas em sites de cunho pornográfico. “A vida dela se tornou um caos. Ela precisou trocar de telefone, passou a receber diversas mensagens. Nós tomamos as medidas judiciais cabíveis e já conseguimos localizar o computador de onde partiu essas imagens. O próximo passo é punir a pessoa responsável por isto.”

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O especialista alerta que quem compartilha falsas imagens e informações é coautor do crime. “É preciso estar ciente da fonte que publicou a informação. Não se deve acreditar em publicações de pessoas sem credibilidade naquele determinado assunto. Quando você propaga uma imagem, dá amplitude ao fato. Até que se prove o contrário, todos são inocentes, porém, a internet tem acabado com isso e colocado inocentes como culpados de coisas que nem fizeram.”

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Disseminação atrapalha inclusive ações policiais

O comandante do 27º Batalhão da Polícia Militar, tenente-coronel Oterson Luis Nocelli, chama atenção sobre os riscos de tamanha exposição. Ele destacou que a disseminação deste tipo de falsa informação atrapalha inclusive o trabalho policial. “No caso deste jovem, sabemos que ele é suspeito de alguns pequenos furtos, nada que foi comprovado ainda. A divulgação deste tipo de imagem causa sensação de insegurança que a comunidade cria em torno do fato. A pessoa tem acesso a esta mensagem, não estava se sentindo insegura, depois de ver, passa a sentir medo. Se a intenção ao difundir era precaver, ela acaba tendo um efeito contrário”, comentou.

O comandante destacou ainda que exposição indevida destes indivíduos, muitas vezes apontados como ladrões, estupradores e sequestradores, acaba gerando violência. “Estas pessoas acabam condenadas sumariamente e sem provas, isso acaba gerando um ambiente de hostilidade e discriminação. Esta pessoa pode inclusive ser agredida, isso tudo atrapalha nosso serviço”, comentou.

O oficial comentou ainda sobre mensagens que tratam de crimes mirabolantes. Nos últimos meses, circularam em Juiz de Fora mensagens de uma suposta van que estaria sequestrando crianças, de um ambulante que vende água ‘batizada’ para roubar carros e de bandidos que usam ácidos para danificar os vidros de carros e depois roubá-los. “As pessoas não checam se o fato está ocorrendo aqui em Juiz de Fora. Muitas vezes, ocorreu em outro local, muito distante e fora do nosso contexto. As pessoas divulgam sem realmente pesquisar fonte, e isto é muito perigoso: quando você repassa uma informação, você está concordando com ela e a está convalidando, você está sendo a ponte. No caso da exposição da imagem, quem compartilha também está passível dos efeitos penais.”

‘Mundo sem lei’

O jornalista e professor universitário Evandro Medeiros acredita que, ao mesmo tempo em que a internet trouxe avanços e deu voz aos que não tinha, ela é um “mundo sem lei”. “Há muita gente que produz sem os padrões mínimos. O acesso a estas ferramentas de produção está amplificado uma coisa que não é novidade, que é uma série de questões que dizem respeito ao mais íntimo e ancestral, que é contação de histórias e aumento daquilo se ouviu.” Para ele, seria importante que as pessoas entendessem como são produzidos os conteúdos. “Muitas pessoas tomam o Facebook, por exemplo, como um jornal de credibilidade e acreditam naquilo tudo que é postado. Checar as informações é um critério básico antes de se compartilhar qualquer coisa. É ideal que as pessoas olhem sites confiáveis, veja quem está espalhando uma notícia, de onde veio, olhe se esta fonte tem certeza do que está falando”, conclui.

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