Ícone do site Tribuna de Minas

Projeto distribui casulos para proteger população em situação de rua do frio

destacada casulo
PUBLICIDADE

As ondas de frio que têm atingido o país aumentaram a preocupação com a população mais vulnerável, principalmente com as pessoas que vivem em situação de rua e estão expostas às baixas temperaturas. Entre as iniciativas voltadas para esta população em Juiz de Fora está o projeto Rede Nobem, que iniciou a distribuição de “casulos” que promovem proteção térmica e contra a umidade. As peças são utilizadas como uma espécie de saco para dormir, mas também se transformam em uma bolsa, podendo ser facilmente carregadas durante o dia. Cerca de 70 unidades já foram distribuídas, mas o projeto precisa de doações para continuar o trabalho.

No seu exterior, o casulo tem uma cobertura de nylon com uma camada de borracha, que é impermeável. Por dentro, é forrado com uma tela espessa, que funciona como um isolante térmico. Na última camada interna, que fica em contato com o corpo, há um tecido de nylon resinado, que tem um toque mais agradável e confortável para a pele. O fechamento do casulo é em velcro, o que facilita a abertura. O artigo também possui um travesseiro, que também funciona como um bolso secreto, no qual a pessoa pode guardar objetos pessoais, como documentos e roupas. Quando dobrado, o casulo se assemelha a uma bolsa, leve e fácil de carregar. Além disso, os materiais são antichamas e podem ser lavados. Para os casais, há ainda a possibilidade de juntar dois casulos para que eles possam dormir juntos.

PUBLICIDADE

A ideia nasceu em São Paulo, pelas mãos da estilista Bibi Fragelli e de sua sócia, Patrícia Curti, que criaram o artigo pensando em atender às principais demandas dessa população no período mais frio do ano. Além da proteção térmica, a dupla prezou pela facilidade de transporte e pelo conforto para quem precisa dormir no chão duro e frio.

PUBLICIDADE

Ao tomar conhecimento da iniciativa por meio da internet, o diretor da Partner Produções e responsável pelo projeto, Emerson Laender, fez contato com a dupla de São Paulo para trazer o projeto para Juiz de Fora. A partir desta primeira conversa, ele recebeu as orientações para a confecção dos casulos, desde o material necessário até o contato dos fornecedores dos insumos. Junto com uma amiga, ele providenciou um protótipo e começou a arrecadar doações, inicialmente entre amigos e, depois, pela internet, para fazer as peças em quantidade maior. Em seguida, ele entrou em contato com profissionais de Juiz de Fora para fazer a produção dos casulos, gerando renda e valorizando o trabalho local, outra premissa da ação.

Artigo é revestido com várias camadas, que garantem isolamento da umidade e das baixas temperaturas (Foto: Emerson Laender/Arquivo Pessoal)
(Foto: Emerson Laender/Arquivo Pessoal)

Doações

No dia 24 de julho, os primeiros casulos produzidos por meio da Rede Nobem foram distribuídos para a população de rua em Juiz de Fora. Atualmente, o projeto já entregou mais de 70 unidades do objeto. Entretanto, cada peça custa R$ 158, incluindo o valor da mão de obra, que, de acordo com Laender, é remunerada de acordo com a dificuldade da produção. “Alguns estavam com suas rendas comprometidas por conta da pandemia. Isso tem ajudado nesse sentido também. É importante remunerar a pessoa, é um material difícil de lidar pelo tamanho e pela complexidade. (Os casulos) são mais pesados e nem todas as máquinas conseguem costurar. É uma maneira de reconhecer e dar suporte também a esses trabalhadores.”

PUBLICIDADE

Desta forma, o projeto tem se mobilizado para captar mais recursos. A arrecadação é feita para que mais casulos possam ser confeccionados. Os interessados em colaborar podem fazer doações via Pix (pix@partnerproducoes.com.br) ou por meio da conta no Banco Bradesco (237), agência 3832, conta corrente 14048-1 – Partner Produção e Marketing Juiz de Fora LTDA.

Dignidade e valorização

Para Emerson Laender, oferecer um artigo que atenda as pessoas em situação de rua é uma forma de entregar dignidade a esses cidadãos. “Eu fico sensibilizado por essas pessoas, porque elas são invisíveis, ou mais que isso, são rejeitadas pela sociedade, são vistas como algo que atrapalha a paisagem. Ao invés de buscar conversar, conviver pacificamente e entender a vida delas, a sociedade adota a arquitetura hostil para diminuir a área em que elas costumam dormir, ou ficar, para expulsá-las, tirá-las de perto.”

PUBLICIDADE

Segundo Laender, nas primeiras entregas foi possível perceber que os casulos podem contribuir para uma série de necessidades das pessoas em situação de rua, e aquelas que receberam os artigos ficaram encantadas, porque perceberam que é algo pensado e criado para este público. “Eles estão acostumados a receber apenas o que sobra. É o troco, o resto de uma refeição, um agasalho que não serve mais, um calçado que não é mais tão novo. O casulo não é um saco de dormir que eu tinha e não vou usar mais. É algo projetado para suprir as necessidades das pessoas que estão nessa situação. Isso dá dignidade, faz com que eles se sintam valorizados, isso é o que tem me encantado nesse projeto.”

Ao fazer as primeiras entregas, o projeto recebeu, inclusive, alguns feedbacks positivos, como o do casal identificado como Gilberto e Roseli, que deu um depoimento em vídeo captado pelo projeto. “Muitos podem ajudar, mas criticam, e vocês fizeram algo inexplicável. Tem pessoas que poderiam pegar algo assim para vender. Mas esse é diferenciado”, disse Gilberto. Roseli comentou que foi a primeira vez que viu algo assim. “Às vezes, olhamos para um canto, não tem um papelão, não tem um cobertor, não tem nada. Dormimos no chão frio. E eu não largo ele (Gilberto), ele não me larga, sempre dormimos juntos.”

Outro beneficiado pelo projeto, que não foi identificado, disse que, sem o casulo, seria obrigado a dormir com frio. “Não sei o que fosse de mim amanhã (sic), se ia acordar vivo, doente, com a saúde normal. O casulo é muito importante. Dê valor, só a gente que mora na rua sabe o que passa.”

PUBLICIDADE
Artigo é revestido com várias camadas, que garantem isolamento da umidade e das baixas temperaturas (Foto: Emerson Laender/Arquivo Pessoal)

Outras carências

O responsável pelo projeto conta que já costumava oferecer escuta e troca de ideias às pessoas em vulnerabilidade, e o casulo se tornou mais uma forma de se fazer presente. “Acredito, até mesmo, que tenhamos preservado vidas. No dia mais frio (na madrugada do dia 30 de julho, quando os termômetros de Juiz de Fora marcaram a menor temperatura dos últimos 21 anos, chegando a 5,6 graus), encontramos duas pessoas sem qualquer proteção. Uma estava deitada em uma calçada, e outra estava encostada no mármore frio de uma fachada de banco. Eles não conseguiam nem falar de tanto frio que sentiam e não conseguiram entrar nos casulos sozinhos. Tivemos que ajudá-los. Vimos eles voltarem à vida pouco tempo depois”, narra Emerson Laender.

Entretanto, o frio não é a única demanda das pessoas em situação de rua, e outras necessidades ficam ainda mais evidentes no contato com elas, diz Laender. “É uma vida muito cruel. Não sabem se vão conseguir comer, se vão conseguir dormir. Pedem água, pedem alimento. Antes, eu levava só os casulos, agora ando sempre com leite, biscoito, água. Eles não precisam só do dinheiro ou de doações. Precisam que as pessoas parem, conversem, troquem uma ideia. Eles não estão na rua porque querem. Há uma série de fatores que os levam para esse estado. Na maioria esmagadora dos casos, há problemas familiares de relacionamento, e eles têm dificuldade de reverter a situação.”

Nessa lida, Laender percebeu também que há uma série de tabus que envolvem essa população. “As pessoas não enxergarem quem está em situação de rua como integrantes da sociedade, ou generalizando, é muito prejudicial. As pessoas pensam que eles estão na rua porque querem, porque são bandidos, ou rebeldes. Mas são circunstâncias que levam as pessoas para essa situação, e elas não têm força para sair.”

PUBLICIDADE

Mudança de perfil

Outro aspecto que Lander observou é a mudança no perfil da população em situação de rua. Atualmente, há também famílias que não conseguiram pagar o aluguel e foram despejadas, assim como pessoas que vieram para Juiz de Fora em busca de oportunidades e não conseguem se estabelecer. A partir do que descobre nessas conversas, ele tenta mobilizar outras maneiras de colaborar. “Sabemos que não vamos resolver os problemas deles. Seria ideal que todos tivessem acesso a um abrigo, ou voltassem para suas famílias. Mas isso não depende só da gente. Enquanto essas muitas questões não estiverem resolvidas, buscamos levar um pouco mais de dignidade a eles.” Ele arremata dizendo que há também a dificuldade de encontrar dados que informem sobre as condições dessas pessoas que possam ajudar a direcionar ações como essa.

Sair da versão mobile