Problemas antigos relativos a desordem, excesso de barulho e perturbação de sossego voltam a, literalmente, tirar o sono de moradores do Bairro São Mateus, Zona Sul de Juiz de Fora. A situação, que ocorre há anos, foi atenuada durante o período mais crítico da pandemia, quando parte da população ficou reclusa, e o funcionamento de bares e casas noturnas, limitado. Entretanto, com a volta oficial do convívio social, as aglomerações recomeçaram de forma intensa, e a maioria delas tem acontecido em bares, a exemplo do que acontece na Avenida Presidente Itamar Franco, na esquina com a Rua Antônio Passarela. Conforme os moradores, principalmente de quinta-feira a domingo, é possível observar muitas pessoas reunidas nos canteiros centrais da avenida e em parte do asfalto, fazendo uso de bebida alcoólica e ouvindo som alto. De acordo com a comunidade, a situação volta a acontecer ao longo de todos os finais de semana, se estendendo por toda a madrugada, como era comum antes da pandemia.
Moradores voltaram a procurar a Tribuna para, mais uma vez, denunciarem as infrações e manifestarem insatisfação diante da falta de medidas por parte de órgãos públicos fiscalizadores. Reunidos com a reportagem, um grupo de residentes do local apresentou um dossiê, com mais de 40 páginas, elaborado por eles, que comprova, por meio de fotos, relatos e documentos, além de vídeos, a gravidade da situação, que persiste ao longo de anos. A concentração do problema, afirmam, acontece nas ruas do entorno dos bares Queens, Rise Together, Saideira e Pub Fogaça. Atualmente, segundo os moradores, alguns desses estabelecimentos têm baixado as portas entre meia-noite e 1h da manhã. Contudo, a população não se dispersa. “As pessoas têm comprado toda a bebida antes do bar fechar e, quando ele fecha, elas continuam bebendo. Muitos levam caixas de som ou mesmo carros de som, e o tumulto vai noite a dentro”, relata um empresário, 45 anos, que prefere não ter seu nome publicado, assim como os demais entrevistados pela reportagem, por receio de represálias. Outro locais, ainda segundo eles, realizam karaokês e mantém som alto até 3h da madrugada.
‘Já não sabemos mais o que fazer ou a quem recorrer’
Há anos, a população local tem denunciado a situação às autoridades competentes. Entretanto, até o momento, a comunidade alega que nenhuma medida foi tomada para atenuar ou mesmo erradicar o problema. Conforme o grupo ouvido pela Tribuna, frustrados com a falta de diligências, muitos moradores só encontram uma alternativa: se mudarem do local. “Muitos não aguentaram tanto barulho, bagunça e desordem. Muitos estão no limite, mas nem todos têm condições de se mudar, já não sabemos mais o que fazer ou a quem recorrer”, relata o homem de 45 anos. Ainda conforme ele, a comunidade já se reuniu com a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), por meio da Secretaria de Sustentabilidade e Meio Ambiente e Atividades Urbanas (Sesmaur), além de representantes da Polícia Militar e da Guarda Municipal, e vereadores.
“A Prefeitura está sendo omissa nesta situação. Estivemos reunidos com a Sesmaur, que nos prometeu uma fiscalização conjunta com a polícia. Mas nada mudou. Muitas vezes ligamos para o 190 para pedir uma viatura e nos alegam que não podem fazer nada, porque a responsabilidade seria da Prefeitura. Outras vezes já nem atendem ou falam que estão com baixo efetivo. No desespero, já saí de madrugada para ir até um posto policial, em vão”, reclama. Já uma comerciante, 37, mora há mais de uma década em um prédio na Rua Antônio Passarela. Há pelo menos oito anos, ela relata enfrentar problemas relativos à perturbação de sossego. “Eu cheguei a machucar o ouvido de tanto usar tampão para dormir, comecei a tomar remédio, mas precisei suspender porque já estava ficando viciada”, diz. O mesmo ocorre com uma dona de casa, que mudou para o local há dois anos. “Só durmo a base de remédios.” Ela conta que tenta se mudar do local, mas devido a uma condição física tem tido dificuldades em encontrar uma nova moradia adequada.
Além de som alto e bagunça até alta madrugada, casos de violência, pichação, brigas, tráfico de drogas e até disparos de arma de fogo já foram registrado no local. Matéria publicada pela Tribuna em janeiro de 2020 também mostrou os problemas. Após as “noitadas”, os canteiros e as bocas de lobo também acumulam lixo. Atualmente, segundo os moradores, também tem acontecido competição de velocidade entre veículos (rachas) na região e até relações sexuais entre frequentadores do local. “Os finais de semana têm sido o caos, e esse problema é uma tragédia anunciada. As pessoas tomam as ruas, bêbadas, não ligam para o trânsito, a qualquer momento pode acontecer um acidente ali”, alerta um morador.
PM diz que está ciente ‘dos problemas’
Em nota, a Polícia Militar, por meio da Assessoria de Comunicação Organizacional do 27° BPM, alegou que está ciente dos problemas relacionados aos transtornos causados por frequentadores de determinados estabelecimentos comerciais e bares no Bairro São Mateus. Por conta disso, a corporação afirma que “remanejou policiamento específico em dias e horários de incidência do problema, visando a fazer frente às situações que comprometem a ordem pública no local, como perturbação do sossego, uso e tráfico de drogas e transtornos ao trânsito”. Além disso, a Polícia Militar afirma estar realizando ações pontuais, juntamente com órgãos fiscalizadores da Prefeitura, “alcançando resultados satisfatórios na busca de uma solução que resgate a paz e a tranquilidade dos moradores”.
Já a PJF informou apenas que blitze são realizadas em parceria entre fiscais de Posturas, Guardas Municipais, agentes de Transporte e Trânsito e Polícia Militar nas regiões e nos bairros da cidade. A Administração municipal mencionou que possui canais de comunicação específicos para denúncias, que “podem ser recebidas através de mensagem para o WhatsApp da Fiscalização de Posturas (3690-7984) e também pela Guarda Municipal, através do telefone 153, ambos disponíveis 24 horas por dia”. A Tribuna questionou se outras ações poderiam ser tomadas pelo Município, mas não houve retorno. Ainda conforme a Prefeitura, “não houve nenhuma denúncia referente a esses estabelecimentos entre janeiro e maio de 2022”, por meio do número 153 (central da Guarda Municipal).
Cobrança por maior engajamento da PJF e da PM
O que a população residente no local deseja é a maior atuação da Polícia Militar no combate à perturbação do sossego. De acordo com a legislação vigente, após as 22h, são permitidos, no máximo, 60 decibéis. Além disso, a vizinhança cobra ações mais severas por parte da fiscalização da Prefeitura. O ex-presidente do Conselho Comunitário de Segurança Pública do Bairro São Mateus, José Luiz Britto Bastos, acompanha há anos a situação. Na opinião dele, os problemas relativos à perturbação do sossego poderiam ser solucionados se a Prefeitura cumprisse rigorosamente as leis já em vigor.
“A Prefeitura não deveria conceder alvará de funcionamento para que bares e similares operem em áreas residenciais. Além disso, a lei não é seguida. Hoje, os bares seguem a prerrogativa de que podem funcionar em horário livre, como bem entenderem e isso é inadmissível. Ou a Prefeitura suspende o alvará desses estabelecimentos ou então age para que o horário de funcionamento e a fiscalização sejam cumpridas”, diz.
Presidente da Associação de Moradores do Bairro São Mateus, Homero da Silva Adário, afirma que a entidade voltou a receber reclamações de diversos moradores e que já entrou em contato com a Prefeitura e a Polícia Militar. “O problema é recorrente, como todos sabem. Infelizmente nada é feito. Aquela região é mais residencial do que comercial. Os poucos comércios que têm fecham no máximo 22h. Então os bares deveriam encerrar o funcionamento nesse horário, e a Prefeitura tinha de fiscalizar isso”, diz.
A Tribuna questionou a Prefeitura sobre estes pontos e também solicitou um levantamento a respeito das reclamações formalizadas por meio do canal da Fiscalização de Posturas (3690-7984). A Administração municipal, no entanto, não respondeu. O jornal também solicitou à PM o levantamento do número de reclamações/solicitações feitas por meio do 190, relativas à região. Até a publicação deste texto, contudo, a corporação não havia retornado.
Empresários afirmam que problema ocorre independente de bares
Marcelo Fogaça, proprietário do Pub Fogaça, reconhece que existe o problema de aglomeração e barulho nas ruas, mas afirmou que isso ocorre independente do funcionamento dos bares. “O barulho que mais incomoda é o que vem da rua, das pessoas que ficam ali com som alto e consumindo bebidas, que já trazem. Mesmo o bar estando fechado, as pessoas vão ali para beber. Colocam carro de som no estacionamento (de uma farmácia no local) e ficam”, diz. Apesar disso, Fogaça afirma que seu estabelecimento vai passar por uma readequação.
“O Pub Fogaça não vai existir mais, estamos passando por uma readequação, vai mudar nome e perfil da casa. Não abrimos no último fim de semana e não iremos abrir neste”, afirma. Além disso, o proprietário diz que o espaço está passando por adequações orientadas pelo Corpo de Bombeiros e que já possui adequação acústica. Quanto às reclamações sobre som alto de madrugada, ele afirma que “o pouco de som que sai é pela porta da frente. O som de uma moto barulhenta é muito mais alto do que o que sai do bar. É um absurdo quererem atribuir isso aos bares, sendo que o som que vem da Independência (Avenida Itamar Franco) é muito pior”.
Proprietário do Bar Saideira, Felipe de Oliveira Vasconcellos reconhece que a aglomeração no trecho existe e disse que entende a insatisfação dos moradores com o barulho, mas pondera que isso ocorre independente do funcionamento do bar. “Nosso horário de funcionamento é até meia-noite, às vezes passa um pouco. Tentamos cumprir o máximo possível o horário”, garante. Segundo ele, antes da pandemia, o horário de funcionamento do bar se estendia até 2h, mas agora, diante destes problemas, ele optou por baixar as portas mais cedo.
“O que a gente tem observado muito e, inclusive, passamos para a fiscalização da Prefeitura, são pessoas que compram muitas bebidas em supermercado e ficam do lado de fora, na rua, bebendo. O local se tornou um ponto de encontro, às vezes a pessoa nem consome no bar. Ou, depois que o bar fecha, pedem bebidas de outros locais, e o motoboy entrega na rua”, conta.
Quanto a som alto, Felipe nega que haja caixas de som no estabelecimento. “Único som que tenho no bar é o que sai da televisão, nem caixa de som tem lá”, afirma. Na avaliação do proprietário, atualmente a fiscalização no local melhorou. “Tem tido patrulhamento da PM e fiscalização da Prefeitura. Dessa vez, têm sido mais presentes”, avalia.
A Tribuna tentou contato com os demais bares citados pelos moradores, mas não obteve retorno dos estabelecimentos.