A possível mudança do Núcleo do Cidadão de Rua e do Centro Pop (Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua) das ruas José Calil Ahouagi e Professor Oswaldo Veloso, no Centro, para um imóvel de três andares, também alugado, na Avenida Brasil, entre os bairros Costa Carvalho e de Lourdes, Zona Sudeste, tem causado muita polêmica. Os serviços são ligados à Secretaria de Desenvolvimento Social (SDS) da Prefeitura e executados pela Associação Municipal de Apoio Comunitário (Amac). Ambas afirmam que o atual albergue na Calil Ahouagi, voltado aos adultos em situação de vulnerabilidade que vivem nas ruas de Juiz de Fora, não tem mais condições de abrigar os cerca de cem usuários diários por questões estruturais e de segurança, já alvos de ações do Ministério Público. Por outro lado, representantes de moradores dos dois bairros e também do Poço Rico e Aracy, na mesma região, além de escolas e entidades próximas ao novo endereço, não querem receber o equipamento público, temendo aumento da violência. A própria Polícia Militar receia o disparo de ocorrências na área, cercada por zonas quentes de criminalidade, aliada ao fato de a 135º Companhia contar com a metade do efetivo no Centro, mesmo sendo responsável por garantir o policiamento desde o Vitorino Braga até Sarandira, na Zona Rural.
O tema esteve no centro de uma discussão no plenário da Câmara Municipal nesta sexta-feira (15), promovida pela Comissão de Segurança. Cerca de 30 representantes de entidades, setores da Prefeitura, escolas, instituições, empresas e bairros, além de PM e Corpo de Bombeiros, estiveram presentes. Ao fim do encontro, após três horas de exposições orais, o presidente da Comissão, Carlos Alberto Mello (Casal, PTB), informou que vai enviar um ofício ao Executivo “comunicando a responsabilidade dele como gestor público de estar colocando um equipamento sem estudo prévio de impacto social”. “O objetivo da reunião foi tentar traçar uma conversa sobre segurança pública. A instalação de qualquer tipo de equipamento público deveria ser estudada. Estão retirando um problema e levando para outro local, com outros problemas. Não foi feito um levantamento sobre aquela área, que fica ao lado de colégios, de posto médico (Regional Leste) e é mal iluminada.”
No documento são citadas as estatísticas de criminalidade no entorno do atual Núcleo, incluindo “alto número de ocorrências” de furto, tráfico e consumo de drogas, agressões, além de prisões de foragidos da Justiça. “Levando em consideração que o local pretendido para a instalação fica próximo a escolas, que juntas atendem a cerca de 1.360 alunos da educação infantil e ensino fundamental, ou seja, de 0 a 14 anos, essa Comissão julga imprudente a instalação sem nenhum estudo prévio de impacto social, o que poderá acarretar no aumento do índice de violência”, diz o texto. Só a Escola Estadual Batista de Oliveira, situada no Costa Carvalho, tem cerca de 800 estudantes.
O presidente da Amac, João Batista da Silva, revelou já ter assinado um contrato na última quarta-feira com a imobiliária responsável pela locação do prédio que possivelmente vai abrigar o novo Núcleo do Cidadão de Rua na Avenida Brasil. “Foi feita uma parceria para fazer as adequações do imóvel, com prazo de até quatro meses. Se forem realizadas, atendendo todas a necessidades de segurança, a partir daí começa-se a pagar aluguel e podemos consumar (a mudança).” Segundo ele, outro contrato foi assinado na quinta-feira com uma empresa especializada em segurança para desenvolver o projeto de prevenção a incêndio e pânico, conforme exigências. “O projeto deve dar entrada no Corpo de Bombeiros nos próximos 15 dias e, assim que for aprovado, as obras serão executadas.” Ainda de acordo com o presidente, outras intervenções serão feitas na construção para “humanizar o ambiente para a população em situação de rua”.
‘Não tem saída de emergência, é uma panela de pressão’
Apesar de o imóvel da Avenida Brasil ser maior, a capacidade de atendimento do novo Núcleo do Cidadão de Rua permaneceria em cem usuários. “Sabemos que, no último diagnóstico, a população de rua chega a 836. Mas quem procura primeiro o alojamento são os idosos, os debilitados, alguns trabalhadores”, informou o presidente da Amac, João Batista da Silva. Na visão dele, nesse aspecto, o impacto relacionado ao temor de aumento da violência é reduzido. “Qualquer lugar tem risco”, ponderou. Silva reforçou que o Núcleo não pode continuar na Calil Ahouagi. “Estamos sendo pressionados. Fomos notificados pelo Ministério Público e pelo Corpo de Bombeiros já de longa data, porque lá não tem condições adequadas. Até hoje Deus tem nos ajudado, porque lá não atende, infelizmente, às normas de segurança. Não tem saída de emergência, é uma panela de pressão.”
O presidente da entidade disse que a modificação de endereço não prevê impactos financeiros. Como outro exemplo da falta de estrutura na Calil Ahouagi ele citou o tamanho da escada, não adequado para instalar os dois corrimãos necessários. “Não tem como demolir para ampliar. E pode-se gastar um dinheiro muito alto para tentar fazer uma saída de emergência, dificilmente aprovada pelos bombeiros. Temos a lei para cumprir.” De acordo com ele, a permanência no imóvel atual implicaria no risco de não receber os repasses municipais e federais destinados ao atendimento dos moradores em situação de rua.
Representando a Secretaria de Desenvolvimento Social (SDS), Carla Salomão enfatizou que o Núcleo não pode permanecer no mesmo imóvel. “Não estamos em lados opostos. A situação é complexa e envolve vários atores. Nosso papel é a gestão dos serviços prestados pelo chamamento público, dentro de regras. Não escolhemos o novo endereço, mas apontamos para a Amac que, onde está, não pode continuar. Há questão de risco mesmo.” Conforme ela, o novo espaço será maior e promoverá atendimento com mais qualidade. “É uma população que causa sim questões, mas com o serviço melhor, a rua também vai ficar melhor. O futuro local é tecnicamente adequado.”
O superintendente da Amac, Alexandre Andrade, destacou as notificações de várias frentes sobre a situação atual e a necessidade de promover condições mais favoráveis também aos funcionários. “Estamos sonhando com esse imóvel, amplo, de três andares. São serviços complicados mesmo, mas em que local instalar? Entendo os problemas da comunidade envolvida, mas temos que nos dar as mãos, porque é um trabalho necessário. Em qualquer bairro de Juiz de Fora nós teremos problemas.”
‘É preciso outro olhar para essas pessoas’
De acordo com o presidente do Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS), Rogério de Souza Rodrigues, há um processo de reordenamento dos serviços aprovados em 2014 para receber aporte de recursos. “O Município fez um compromisso com o Governo federal de dar segurança de acolhida aos seus usuários. O Núcleo do Cidadão de Rua atendia a 150 usuários e reduziu para cem. O Conselho tem como obrigação legal cumprir as resoluções nacionais e municipais, monitorar as entidades e fiscalizar suas ofertas, inclusive os recursos. E hoje corremos o risco de perdê-los, não por vontade da gestão, mas por não ter outro imóvel para fazer o atendimento.” Com sua experiência de diretor de unidade prisional, ele aponta não haver 5% de moradores em situação de rua presos. “Temos que repensar os nossos conceitos, para que a gente não caia no pré-julgamento, na discriminação e no preconceito contra a população de rua. Precisamos somar esforços para garantir a dignidade dessas pessoas.”
Na mesma linha, a representante do Centro de Referência em Direitos Humanos, Fabiana Rabelo dos Santos, alertou: “Os moradores em situação de rua têm que ser inseridos nessa sociedade. Precisamos de políticas públicas. E o Município precisa efetivar o Plano Municipal. Temos um problema muito maior do que simplesmente escolher o local. A maior parte da população de rua é de pessoas que têm uma história e que querem sair dessa situação.”
Para o presidente da Associação Habitacional Vida que Segue, Gero de Novais, que já esteve em situação de rua, o Poder Público deveria estar discutindo a implantação de políticas públicas efetivas voltadas à proteção desse público. “Precisamos é de medidas sociais para habitação e geração de emprego e renda, mas ficam discutindo aluguel de imóveis e colocando as pessoas em situação de rua em condições de preconceito. É preciso outro olhar para essas pessoas. É preciso dar para essas pessoas moradia e dignidade”.
Situação preocupa vizinhança
O primeiro-secretário da Associação de Moradores do Bairro de Lourdes, João Wagner de Siqueira Antoniol, afirma que a mudança de endereço dos equipamentos de atendimento ao cidadão de rua para a Avenida Brasil é motivo de preocupação para a vizinhança. “Nosso questionamento é se o novo local é realmente adequado. A preocupação não é só a segurança dos moradores, mas das pessoas em situação rua. A região Sudeste comporta 17 bairros e é a mais violenta de Juiz de Fora. A área está sob responsabilidade da 135ª Companhia da PM, que tem um efetivo reduzido. Dentre o público em situação de rua existem usuários de drogas, de bebida alcoólica, que não seguem as regras dos equipamentos públicos. A Amac, que responde por esses equipamentos, não consegue disciplinar esse público. Existem problemas de convivência e comportamento, e isso vai acabar dentro de uma região que já tem problemas relacionados ao tráfico de drogas”, considera João Wagner. Ele salienta que, atualmente, na Rua Calil Ahouagi, onde funciona o Núcleo e o Centro Pop, há a possibilidade de cobertura de patrulhamento das câmeras do Olho Vivo, o que não irá acontecer com o novo endereço. “Sabemos da necessidade desses equipamentos, sabemos que é um problema social, mas é preciso estudar um local ideal. Ainda haverá a implantação de mais um viaduto na região, o que vai deixar o trânsito mais intenso e, ao mesmo tempo, haverá a concentração de mais moradores em situação de rua e de andarilhos, aumentando os riscos de acidentes.”
Já o presidente da Associação de Moradores do Poço Rico, Alexandre Reis, pondera que o bairro vive um momento de dificuldade devido à concentração destas pessoas nas ruas. “Tirar o abrigo da Calil Ahouagi e trazê-lo para esta região pode contribuir para aumentar ainda mais a concentração de moradores de rua, pois, se o abrigo tem cem vagas e, num determinado dia, 30 pessoas não conseguirem entrar, elas irão permanecer nas ruas da região. Nossa preocupação é que existem três escolas próximas ao imóvel para onde se pretende levar os equipamentos. É uma área já fragilizada e tende a ficar mais”, enfatiza Alexandre. Ele ainda argumenta que o Poço Rico já conta com três pontes que funcionam como atrativo para este público. “Há mais um viaduto para sair, mais alça e a linha férrea, que também são locais que atraem as pessoas em situação de rua, e essa transferência dos equipamentos para cá pode ampliar essa concentração. Não queremos ser encarados como preconceituosos, mas nossa preocupação é com as consequências que isso vai causar em um bairro que já vem tentando minimizar os impactos que vem sofrendo em relação à concentração da população de rua e de andarilhos.”