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No ritmo de Juiz de Fora, os blocos do povo dançam

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A cultura é viva e, assim como os foliões que dançam, também se movimenta. Com os blocos de Juiz de Fora não é diferente. Eles passaram por transformações ao longo do tempo. Alguns se tornaram tradicionais, outros foram marcados por sua efemeridade singular. Seja como for, entre tambores e ritmos, os blocos da cidade tomam de volta as ruas para a maior festa do povo, o carnaval.

Nessa história de excentricidade e molejo, são muitos os blocos que mobilizaram as principais ruas da cidade. Ainda nas décadas de 1960 e 1970, o bloco Balaio de Gato agitava as pessoas por meio de sua bateria bem ensaiada e da fantasia. Apaixonada pelo carnaval e buscando resgatar a história dos foliões de sua família, Lucínia Altomar Scanapieco compartilha memórias de sua infância, quando mulheres e meninas procurando a liberdade no anonimato se fantasiavam e iam brincar pelas ruas. “Vestiam-se com ‘roupas de homem’ e usavam uma fronha na cabeça que não as deixava ser reconhecidas. Faziam apenas o furo para os olhos, nariz e boca e amarravam as pontas da fronha parecendo duas orelhinhas de gato. Daí talvez o apelido da fantasia”, ela explica.

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Outro bloco que tinha o hábito de usar fantasias semelhantes era o das Domésticas de Luxo. Foi há mais de 60 anos que Aécio Flávio Miranda de Azevedo criou o grupo. Na época, ele tinha voltado recentemente de Belo Horizonte, onde havia um grupo chamado Domésticas de Lourdes. “O nome vinha do fato de que o bairro era de classe alta. Inspirado nele nasceu o nome ‘Domésticas de Luxo’, a fim de retratar o estereótipo de funcionárias domésticas daquele tempo”, conta ele. Desde 2019, entretanto, o bloco não usa mais a “black face”, ou seja, o ato de pintar o rosto dos integrantes de preto. A tradição, que reforçava estereótipos negativos relativos a pessoas pretas, foi banida do bloco.

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Foi fugindo de fantasias montadas e padronizadas, e nascido de uma energia caótica orquestrada, que o bloco Parangolé Valvulado teve seu primeiro desfile em 2008. Se a ideia inicial era “desorganizar o carnaval”, a miscelânea entre frevo, cavaco elétrico e guitarras distorcidas com bateria de escola de samba conseguiu êxito em montar um arranjo para lá de singular.

Em 2009, ao som do verso “Desorganiza essa fila que o frevo é rasgado!”, que reflete bem a essência do grupo, as ruas iam sendo tomadas, em um movimento que ganhava mais adeptos a cada ano, até chegar à marca de 12 mil pessoas. Os criadores do bloco, a artista plástica Valéria Faria junto do músico Ângelo Goulart, queriam que a rua fosse ocupada com barulho! “Se tivesse instrumento, bem, se não tivesse, também estava tudo certo”, revela Danniel Goulart, guitarrista e integrante do grupo.

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Zé Kodak e Mamão, dois ícones dos blocos de carnaval de Juiz de Fora, fotografados em 2019 (Foto: Fernando Priamo/Arquivo TM)

Entre a renovação e a tradição

Foi nessa pegada que o Bloco Meu Concreto Tá Armado surgiu em 2007 e se mantém até hoje. O evento formado por estudantes das faculdades de Engenharia e Arquitetura da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) convoca quem quiser a apenas chegar e começar a fazer parte da bateria, seja batendo panelas ou sem estar muito no ritmo. A única contraindicação para fazer parte do instrumental do grupo – que não realiza ensaios prévios, é que não pode estar muito afinado, senão, a bateria sobe de nota e ela não deve passar disso: tem de ser uma “Bateria nota 3” (nome oficial da bateria). A abertura do bloco se expande também para as fantasias, o traje é livre. O lugar de desfile é na Praça Jarbas de Lery, no Bairro São Mateus.

O Bloco Afro Muvuka, um dos caçulas da cidade, foi criado em 2019, para recuperar a raiz do samba e levar para a folia a cultura afro. Embora nesta curta trajetória os foliões adeptos ao bloco já tenham aumentado, para o fundador Rick Guilhem a potencialidade é continuar expandindo. “Eu acredito que a gente é diferente de outros blocos da cidade porque somos um bloco afro, utilizamos do carnaval para empoderar e ressignificar o muito que temos da cultura afro-brasileira”, defende Rick.

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O Muvuka já é um bloco bem conhecido entre os jovens. Já os mais veteranos conhecem bem o clássico Bloco Pintinho de Ouro, que preenche as ruas com um amarelo da cor-do-sol de fevereiro e foi o primeiro a ter carro alegórico na cidade. Ao mencionar tradição, o Bloco Concentra Mas Não Sai vem para mostrar mais da sua trajetória, que já existe há 27 anos, e foi tombado como patrimônio cultural de natureza imaterial de Juiz de Fora. O presidente Wilian Choppinho comenta que, ao longo da sua história, pôde homenagear grandes nomes do carnaval como Sandra Portella, Zé Kodak, Mamão, Joãozinho da Percussão, Zezé do Pandeiro… Foram muitos, inclusive Chico Buarque, com o tema “Julinho da Adelaide”, pseudônimo do cantor durante a ditadura militar, inclusive com autorização do próprio Chico, hoje, estampada na sala de Choppinho. O grupo se reúne na Praça Ministrinho, no Jardim Glória, e tem como principal característica fazer jus ao nome e, literalmente, não “sair”.

Citado por Wilian, a Banda Daki chegou a ser um dos maiores blocos da cidade e sinônimo da folia juiz-forana. O General da Banda, José Carlos Passos, vulgo Zé Kodak, morreu em 2021 em decorrência da Covid-19. Fundada em 1972, a Banda Daki fará sua primeira reunião sem seu fundador e ícone no próximo sábado (18), no Largo Riachuelo, mas apenas em concentração, sem sair em desfile.

Com paetês e samba no pé, carnavalescos fazem revolução

É certo que os blocos de carnaval trazem músicas, marchinhas, ritmos, cores e contatos, mas não só. O sambista de gogó e carteirinha, o cantor Carlos Fernando Cunha, carioca radicado em Juiz de Fora, conta que essa tradição vem desde os blocos do século 19, e que, desde lá, características como críticas sociais nas letras e uso de fantasias permaneceram. Ao recuperar a memória do carnaval, ele nota, porém, algumas mudanças, como um crescimento das agremiações, a presença de carros de som e uma participação mais organizada, com a regulamentação e apoio da Prefeitura.

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Pesquisador da área, ele compartilha que a festa é revolucionária, promove a reflexão crítica e une coletivos, motivos pelos quais as festas foram tradicionalmente combatidas por aparelhos de estado e reprimidas por conservadores. Neste cenário, aparece em Juiz de Fora o Bloco do Beco, fundado em 1972. Foi a partir desse bloco que toda uma trajetória em relação à folia de Juiz de Fora passava os limites do carnaval e adentrava uma história que se mescla, também, com a de Armando Fernandes Aguiar, mais conhecido na cidade como Mamão, o homem que criou o bloco. Desde 2006, o Bloco do Beco é patrimônio cultural da cidade, bem como a Banda Daki.

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