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3ª idade surge repaginada para aproveitar a vida

jovem aos 80 anos geralda lima diz que e preciso manter a cabeca boa
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“Jovem” aos 80 anos, Geralda Lima diz que é preciso manter a cabeça boa

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Segundo a classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS), ser idoso no Brasil significa ter mais de 60 anos de idade. Tal divisão cronológica e muitos estereótipos remetidos ao termo, no entanto, parecem perder o sentido para designar os jovens senhores que adentram à terceira idade. O aumento da expectativa de vida é apontada como o divisor de águas desse processo de mudança. Se antes eles queriam descansar dos anos vividos na juventude, hoje, querem continuar aproveitando a vida. A “velhice” ficou no passado. Muitos se valem das novas técnicas da medicina para aparentar menos idade, outros, nem precisam disso, continuam com tudo em cima graças aos cuidados e exercícios. E vai muito além da aparência. Os “novos velhos”, expressão cunhada pela ciência, mantêm o frescor da juventude nas atitudes e na cabeça, são ativos e estão prontos para curtir novas experiências.

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Juiz de Fora abriga, aproximadamente, 83.606 idosos, conforme contabilizou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no pleito do ano passado. A porção corresponde a 15% do número de moradores da cidade, revelando média superior à nacional, que é de 12,6% de idosos no país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No Brasil, temos quase 23 milhões de pessoas com mais de 60 anos, cifra que deve quadruplicar em pouco mais de 30 anos.

“A imagem do idoso de bengala, decadente e preso em casa não faz mais sentido. Hoje eles são ativos, atuantes e participativos na sociedade. No entanto, a comunidade está despreparada para recebê-los, não acompanha a dimensão que a conquista da longevidade traz. Os idosos de hoje largaram o tricô e o crochê, querem mais do que ficar sentados em um banco do Parque Halfeld. Faltam políticas públicas, principalmente urbanas, que os englobem. Mais do que viver cronologicamente, eles querem viver mais e melhor”, defende o gerontólogo e assistente social da Prefeitura, José Anísio Pitico da Silva.

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‘Viver tudo que há pra viver’

Há os que dizem que é após os 60 que se vive a “melhor idade”. Muitos desses novos velhos vêem nela a possibilidade de resgatar sonhos antigos, hobbies e exercer aptidões que foram enterradas pelas rotina e carga horária do mercado de trabalho. Conforme pesquisa realizada em setembro pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), nas 27 capitais brasileiras, seis em cada dez idosos entrevistados disseram que têm como prioridade atual “aproveitar a vida”. O levantamento aponta também que a poupança da vovó ficou para trás. Hoje, os novos velhos preferem consumir ao invés de poupar.

O perfil de consumo deles também mudou: antes, destinavam seus recursos aos cuidados com a família e com o lar. Agora, 41% deles afirmam gastar mais com produtos que gostam e desejam do que com itens relacionados às necessidades básicas da casa. Gastam a renda com atividades físicas, viagens, roupas e tratamentos estéticos. A alteração no comportamento, segundo o gerontólogo, comprova o “renascimento” da terceira idade. “Eles voltam a se ver como pessoas, querem investir neles e gastar em benefício próprio, ao invés de destinar tudo à família. A longevidade possibilitou essa redescoberta. A realidade econômica dessas pessoas também melhorou, elas querem e podem gastar, mesmo que em pequenas proporções. Entretanto, falta oferta de produtos e serviços que considerem seus anseios contemporâneos”, diz Pitico.

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‘Passear e não dar ouvidos para conversa fiada’

São 80 anos “muito bem vividos”. Geralda Lima se mudou de Descoberto, cidade mineira com cerca de quatro mil habitantes, para Juiz de Fora aos 16 anos, quando se casou com um militar do Exército, “casca dura”, seu primo de primeiro grau. “Na roça isso é comum”, diz. Os quatro filhos do casal foram criados com “dinheiro de costura”, atividade a qual se dedicou por cerca de 40 anos.

Os olhos ciumentos do marido reprimiam os belos olhos azuis de dona Geralda, que “sempre foi moça bonita”. Ele controlava gastos, saídas, roupas e amizades. Por volta dos 60 anos, veio a viuvez. Após superar o luto, ela decidiu aproveitar o dinheiro conquistado com muito trabalho e a pensão deixada pelo esposo. Vaidosa, faz questão de manter as longas unhas sempre bem feitas, o cabelo arrumado e tem sempre um batonzinho novo. Gosta de roupas “bonitas, coloridas e com bom caimento. Nada de coisa de velho”. Aliás, ela “não é velha”, e gaba-se disso.

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Há dez anos, venceu um tumor no cérebro, retirado em uma complicada cirurgia. Por conta de uma infecção adquirida no hospital, parte do osso do crânio precisou ser removido posteriormente. Apesar de imperceptível, o fato abalou a jovem senhora, que se preocupa em fazer jus à fama de moça bonita. Depois veio um câncer de mama, que resultou na perda de um seio. Na época, ela optou por não se olhar no espelho e, quando se viu, não se reconheceu. “Faltava sempre alguma coisa”, declara.

A reconstituição da mama, feita com prótese de silicone, voltou a animá-la. “Mas estava feio, um caído e o outro em pé”, diverte-se ao lembrar. Em novembro, dona Geralda decidiu se submeter a uma nova cirurgia. “Dessa vez por um bom motivo”, garante. Sem dar ouvidos à família, procurou um cirurgião plástico para fazer um lifting mamário. No procedimento, totalmente estético, foi retirado o excesso de pele e gordura do local, reformou o formato e deixou os seios simétricos. Após a operação, está se sentindo mais bonita. “Saí sorrindo do centro cirúrgico, vou mostrar para todo mundo”, brinca a jovem senhora.

A matriarca também não abre mão das aulas de hidroginástica e de pintura, gosta de boa conversa e viaja sempre que pode. Dos irmãos, só ficou ela e mais um. “Roque Miguel, mais velho, que adora uma cachaça e vai pra roça todos os dias para fazer queijo. O Roque não é fácil”, conta, sorrindo.

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A vitalidade é proporcional ao número de anos vividos. Para conservar a boa forma física e emocional é preciso “manter a cabeça boa, passar creme nas pernas, passear e não dar ouvidos para conversa fiada”. Fica a dica.

Aposentar não significa envelhecer

A entrada na terceira idade também é marcada pela aposentadoria do trabalho. Em uma pesquisa com idosos, realizada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), 55% dos entrevistados afirmaram que a aposentadoria é um fator para isolamento social, e 83% relataram que viver sozinho diminui a qualidade de vida. A ruptura com o vínculo empregatício também pode causar depressão, responsável pela maioria das doenças adquiridas na terceira idade. Não é raro, segundo o gerontólogo José Anísio Pitico, o suicídio entre os aposentados, sobretudo, nos homens. De acordo com ele, ainda existe no Brasil a concepção equivocada de que aposentar significa envelhecer, e que envelhecer significa, apenas, esperar pela morte. Tornar-se um idoso ativo e útil também é um cuidado com a saúde.

O tempo e os cabelos brancos trazem mudanças nos papeis sociais. No caso dos homens, o envelhecimento e a aposentadoria podem remeter à improdutividade e perda do caráter e do posto de “chefe de família”. Por isso, eles são mais propensos à depressão nessa fase da vida. A negação da nova etapa também pode culminar em alcoolismo, uso de drogas e suicídio. O gerontólogo defende que as empresas devem preparar seus funcionários para aposentadoria com cerca de cinco anos de antecedência para evitar a mudança abrupta no dia a dia deles.

“A aposentadoria traz quebras em vários âmbitos, principalmente no social. Mas é preciso ter em mente que se aposenta do trabalho, e não da vida. Para muitos, se afastar do ambiente de trabalho pode significar perder dinheiro, ganhe-se menos quando aposentado; não ser convidado para festividades, como confraternizações de final de ano ou happy hour; aniversários param de ser lembrados; perde-se convivência com várias pessoas. Isso leva ao isolamento, que pode levar à depressão. Não nos preparamos para a velhice, e a sociedade também não sabe lidar com ela, chega a ser hostil”, argumenta o gerontólogo.

‘Reinventar a vida’

Para evitar as possíveis mazelas e garantir, de fato, a melhor idade, as pessoas não devem esperar chegar aos 60 anos para decidir como será a vida dali para frente. Devem fomentar habilidades e desenvolver projetos prazerosos, que podem, inclusive, se tornar fonte de renda quando os fios brancos prevalecerem, orienta o gerontólogo.

“Muitas pessoas não se permitem ficar à toa. Acham que isso é errado ou improdutivo, mas não é. A capacidade produtiva nessa idade assume outras formas, pode ser direcionada a exercícios, voluntariado e atividades simples e que dão prazer às nossas vidas. O idoso pode e deve reinventar sua vida. Fazer e cultivar amizades, investir no bem-estar. Não é preciso ter medo de envelhecer, esse é um processo natural que acontece para todos, é uma caminhada que temos que fazer. Acredito no protagonismo dos ‘novos velhos’ na construção, ou retorno, de uma sociedade melhor, mais compreensiva e fraterna”, finaliza Pitico.

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