Essa experiência para os docentes, tanto da rede pública quanto da privada, fez vir à tona novas atribuições e práticas, que, na opinião deles, emergiram para ficar e serem incorporadas ao ensino presencial. Mas a adoção do ensino remoto também deixou às claras as dificuldades do sistema de educação público, obrigando secretarias de educação a se adaptarem para oferecer aulas pela internet, pela TV, por aplicativos, por mensagens e por redes sociais.
O período também foi marcado por polêmica entre os que exigiam o retorno das atividades presenciais e aqueles que, por cautela, defendiam a modalidade remota. Professores e profissionais da área ficaram na berlinda enquanto lidavam com as novidades das aulas mediadas pela tecnologia e com os problemas que atravessam a educação brasileira muito antes da pandemia, como baixa remuneração e condições precárias de trabalho.
Na semana em que se comemora o Dia dos Professores (15), a Tribuna inicia hoje a série “Quem ensina”, com histórias pessoais de alguns desses profissionais, os motivos que os levaram a escolher a docência e como encararam os desafios impostos pela pandemia no âmbito educacional. Com essas reportagens, o jornal busca ressaltar a importância do papel do educador e valorizar a educação brasileira.
“Positivo e operante”
Uma nave-mãe que lidera outras naves menores pelo universo da aprendizagem. É assim que a professora Antônia Márcia Lemos Alves, de 61 anos, usando de sua criatividade e entusiasmo, conseguiu prender a atenção de seus alunos e se reinventou para adaptar-se às aulas remotas, durante o período de isolamento social em razão da pandemia da Covid-19.
“Eu brincava com eles, imaginando que eu estava na nave-mãe e era a comandante. E então falava assim: ‘atenção, atenção, meus aprendizes, comandante chamando, nave-mãe chamando: positivo e operante?’ Perguntava. Aquele aluno que não respondia, eu brincava que a nave dele estava dando pane e que precisávamos ajudá-lo.”
Era apostando no lúdico, transmitindo de uma sala de aula improvisada em sua casa, que Antônia, ou melhor, Toninha ou Tonica, como seus alunos gostam de chamá-la, venceu seus próprios limites para garantir as aulas e a aprendizagem durante o tempo de ensino remoto. “Foi uma maneira de trabalhar e prender a atenção deles. Eu não tive problemas com ausências nas minhas aulas e isso é muito bom”, ressalta.
Antônia, atualmente, é docente do Granbery, onde trabalha como professora regente para alunos do 5º ano e dá aulas de matemática para estudantes da 6ª série. Seus “meninos”, como ela gosta de falar, estão na faixa etária entre 10 e 12 anos de idade. Adaptar-se às tecnologias para transmitir suas aulas de casa não foi uma tarefa fácil para a professora. No entanto, segundo ela, o mergulho em um mundo até então desconhecido lhe rendeu muitos frutos positivos. “Eu entendia pouco dessas tecnologias e de computador. Usava computador só quando precisava digitar alguma coisa e, em sala de aula, quando precisava apresentar algo para os alunos, montar algum tipo de material, passar um vídeo com essas novas ferramentas. E eu contava com a ajuda de um suporte que sempre me atendeu. Mas aí chegou a pandemia e, com ela, o pânico, porque estava acostumada com as aulas presenciais e não tinha o conhecimento para essas tecnologias. Eu me reinventei, superando meus limites. A internet na minha casa caía, e eu ficava desesperada. Ligava para todas as pessoas pedindo socorro. E o mais interessante foi que meus alunos se transformaram em meus técnicos de computação. Eles falavam: ‘clica ali’. E eu: ‘clicar onde, pelo amor de Deus! Eu não sei o que é isso’. Eles diziam: ‘dá F5’, e eu aprendi o F5 de primeira.”
Segundo ela, as primeiras aulas foram como estar dentro de um pesadelo, devido à insegurança de estar diante de algo novo. “Mas hoje, depois de mais de um ano, eu faço tudo isso com tanta naturalidade! Adquiri confiança e procuro buscar mais conhecimento para eu mesma fazer e fazer melhor. Tive o apoio dos técnicos e dos meus alunos. Hoje eles brincam comigo e dizem que eu sou tecnóloga em informática”, conta entre gargalhadas a professora, que usava o notebook para transmitir as aulas da sala da sua casa. “Eu coloquei um quadro na parede e adaptei minha sala. Procurei um jeito para não dar reflexo no quadro e poder atender aos meus meninos do jeito que eles merecem. Não foi fácil, porque o espaço de casa não é adequado, a sala tem janela e dava reflexo no quadro. Tive que experimentar vários locais até conseguir. O notebook ficava em cima da minha máquina de costura.”
Dessa experiência on-line, Antônia diz que muito será aproveitado no modo presencial. “Terá uma conduta de cobrança do próprio profissional e do aluno para se levar muito do on-line para as aulas presenciais. Acho que as aulas, com certeza, vão mudar com a incorporação dessas experiências”.
Impacto no aprendizado
Apesar de seu empenho para tentar aproximar suas aulas virtuais o mais perto possível das aulas reais, Antônia pontua que a pandemia e o ensino remoto afetaram o aprendizado. “Vamos pensar nos alunos que têm grau de dificuldade, mas são aprovados para o próximo ano. Eles levam algumas dificuldades para a próxima série. E eu tenho como conduta a retomada de conhecimento, de conceitos, para que eu possa melhorar a aprendizagem deles, principalmente na área de matemática, e penso que vou adotar a mesma conduta com esse retorno a fim de minimizar esse déficit”, enfatiza.
Na opinião dela, não adianta achar que a volta será do ponto onde parou, pois será preciso rever conteúdos. “Houve o ano de 2020 em que os meninos foram promovidos para a próxima série, mas sabemos que existiram diversas dificuldades, como a falta de acesso à internet, ansiedade por estar distante do professor, insegurança, inclusive na hora de realizar uma prova longe, e isso eu percebi durante esse tempo. Há uma perda, sim, provocada pela falta de tecnologia, famílias sem recursos para dispor dessas tecnologias. O Brasil está em crise, e não ter acesso a essa tecnologia compromete o desenvolvimento dos alunos. Compete ao profissional da área de educação fazer uma avaliação e uma retomada. Não é perder tempo, mas ganhar em conhecimento, em aprendizagem. Com a pandemia, houve perdas em todos os sentidos, e não é diferente na educação, basta agora ter compreensão e traçar ações para anular esses prejuízos.”
Relação de troca
Segundo Antônia, a relação dela com os alunos é marcada pela reciprocidade de aprendizado. “Não encaro a questão de ministrar uma aula apenas como a ação de passar conteúdo. Ao longo do meu tempo de sala de aula, eu aprendo com eles a cada dia, pois eles me estimulam a buscar mais conhecimento, resultando sempre em um compartilhamento de conhecimento”, diz ela, afirmando que está muito emocionada com a entrevista.
A professora observa que, atualmente, existe uma diferença grande do trabalho em sala de aula, quando se compara com anos atrás. “Eu percebo muito essa relação professor e aluno e vice-versa, porque, antigamente, era apenas o professor falando, e os alunos tinham apenas que acatar. E hoje eles questionam muito, há uma participação maior, o que promove uma troca. A cada ano que passa, sinto-me mais realizada, mas também uma aprendiz, porque meus alunos me ensinam muito.”
Para Antônia, essa troca garante novas maneiras de ensinar. “Eles fazem os seus questionamentos, tentam me explicar a forma como enxergam determinado tema, e isso faz a professora também mudar de foco, quando necessário. Eu nunca me arrependi dessa profissão que eu escolhi ao longo de 35 anos em sala de aula.”
“A sala de aula é o retrato da sociedade”
E por falar em tantos anos de experiência na docência, Antônia lembra que decidiu ser professora aos 9 anos de idade. “A menina Antônia tinha medo de não aprender, tinha medo de não decorar, porque naquela época tinha que decorar os fatos, mas ela sempre quis fazer o melhor. E foi nessa época, que era ainda chamada de primário, que hoje é o ensino fundamental 1, que encontrei meu pai na rua, a caminho de casa, e disse: ‘Pai, eu quero ser professora’. Ele me perguntou o motivo, e eu respondi: ‘Olha, pai, eu tive muitos professores que tiveram muita paciência comigo. Quando eu entrei na primeira série, por exemplo, eu chorava muito, pois sentia muita falta de casa. Eu quero fazer a diferença na vida das pessoas estando dentro de uma sala de aula'”.
Antônia disse que seguiu com os estudos sem nunca mudar de ideia.
“Sei que posso não acertar sempre, mas minha meta era fazer da sala de aula algo diferente daquilo marcado só pela fala do professor, sem diálogo. Com o passar do tempo, fui verificando que realmente estava certa na minha escolha e nunca mais larguei”.
Ela fez magistério e especialização em matemática. A professora é de Recreio (MG) e veio para Juiz de Fora com a família, em 1979, para que os irmãos pudessem estudar. Aqui a docente teve sua vida pautada na educação. “A sala de aula é o retrato da sociedade, porque ali convivem crianças diferentes, de famílias distintas e de situações econômicas desiguais. E não é assim nossa sociedade? Então, o professor, nesse contexto, é muito importante, na medida que pode estimular o respeito às diferenças e o convívio fraterno. Por isso, o professor é importante na sociedade, porque forma cidadãos”, avalia orgulhosa. “Espero que a educação seja valorizada no Brasil, porque o país só se engrandece em desenvolvimento quando tiver um grau de educação elevado.”