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Pesquisa da UFJF estuda meios de reduzir as metástases 

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Professora Jacy Gameiro aguarda recursos da Fapemig para comprar reagentes e continuar estudos (Foto: Leonardo Costa)
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Os laboratórios ainda parecem ser, no nosso imaginário, lugares distantes, que não são familiares ou conhecidos da maioria dos cidadãos. A preocupação em aproximar a população desse espaço é uma das prioridades da doutora e professora do Instituto de Ciências Biológicas da UFJF, Jacy Gameiro. Ela começou a trabalhar com o câncer de mama em 2010, quando chegou à UFJF. Até aquele momento, a pesquisadora lidava com a imunologia em outras abordagens. Foi por meio do  trabalho de uma aluna, que tinha feito especialização em tumor de mama, no Rio de Janeiro, que o tema chegou às mãos de Jacy. Hoje, uma das linhas de estudo do laboratório é a metástase do câncer de mama, que, com o investimento necessário, poderá vir a facilitar o tratamento da doença em sua fase mais agressiva. Esse estudo é o tema da primeira reportagem da série “Outubro Rosa”, da Tribuna, que até o próximo domingo trará várias matérias sobre o câncer de mama e a necessidade de pesquisas e conscientização para combatê-lo.

A primeira abordagem de Jacy em relação a esta neoplasia foi uma interface com a obesidade como um fator não só de desencadeamento do câncer de mama, mas como um agravante no prognóstico. “O que sabemos hoje sobre a obesidade é que se trata de uma doença inflamatória, crônica, de baixo grau. É um indivíduo que tem um perfil inflamatório diferente do indivíduo magro. O câncer de mama parece ter essa relação complexa, que também está presente em outros cânceres. Ele se beneficia desses fatores inflamatórios para que possa crescer e chegar à metástase”, detalha a professora. A metástase é a fase em que o câncer sai de seu sítio primário e vai ocupar outros pontos, espalhando-se por outras partes do corpo. A inflamação, segundo ela, inclusive, pode modular as próprias alterações genéticas, que levam ao crescimento tumoral. Nesse sentido, a obesidade levaria a uma incidência maior de transformações. Depois da modificação da célula, com os fatores inflamatórios relacionados à obesidade, o ambiente é propício para o progresso do tumor. “A obesidade está muito ligada ao desenvolvimento rápido do tumor. Ela está tanto relacionada ao início do câncer, quanto a um pior prognóstico.”   Jacy explica que todos os estudiosos do câncer de mama analisam os nichos metastáticos, na fase mais grave da doença. Há, conforme a doutora, vários trabalhos que abordam os locais em que essas células se alojam. Nesse ponto, o estudo da metástase é fundamental, às vezes, mais importante do que o tamanho da massa tumoral, como indicaram testes feitos em camundongos. “A metástase óssea ocorria mais em animais obesos do que nos animais magros, então começamos a pesquisar quais moléculas poderiam estar alteradas, para então aumentar essa ocorrência. Vimos que essas moléculas poderiam ser alvo de tratamento terapêutico.”

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Por que se busca tanto o alvo terapêutico para impedir a metástase?

Responsável pelo espalhamento do câncer, a metástase representa a maior dificuldade de controle da doença. Quando uma pessoa está com câncer e faz o acompanhamento, se acontece a metástase óssea, por exemplo, é preciso descobrir de onde vem essa célula. Mas esse trabalho não é fácil. “Quanto mais agressivo é um câncer, mais diferenciada do seu estado normal está essa célula”, afirma Jacy Gameiro. No caso do câncer de mama, quanto mais próxima a célula ainda é de uma glândula mamária, menos agressivo ele é. “Geralmente, na metástase óssea, o formato das células é bem distante do perfil que elas tinham em relação a seu sítio primário. Isso ajuda a compreender porque essa fase é a mais grave para o paciente e porque o tratamento é muito mais difícil em estados metastáticos do que em estados não metastáticos. Temos uma taxa menor de sobrevida do câncer de mama no Brasil, em relação aos outros países, pois eles são diagnosticados muito tardiamente, quando já existe metástase”, explica a pesquisadora.

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A partir desse quadro, a prioridade é conter o avanço da metástase. “Hoje, a presença de drogas que não tratem só do tumor, mas também olhem para o microambiente tumoral e impeçam que ele saia deste local primário e fique contido é muito promissora. Vimos que tínhamos duas moléculas alvo, duas metaloproteinases de matriz super expostas e começamos a pensar em um tratamento efetivo, mesmo porque o câncer de mama tem vários subtipos.” Atualmente, a maioria dos cânceres de mama são tratados com cirurgia, com quimioterapia e também com drogas relacionadas a receptores de estrógeno. Mas entre os tipos de câncer de mama, há um chamado de tipo negativo, que não responde à terapia hormonal. “A busca de moléculas que sejam efetivas nesse tipo de tumor é o foco. Elas poderão ser aplicadas em outros tumores também, elas serão essenciais no combate aos cânceres mais agressivos.

Segunda causa de morte entre mulheres

O ambiente para a pesquisa dentro da UFJF é favorável, segundo Jacy Gameiro, principalmente na área de saúde. “Departamentos como o de Química colaboram muito com o ICB (Instituto de Ciências Biológicas), eles produzem análogos, as moléculas que testamos aqui. Na Medicina também temos o apoio do corpo docente, que é muito bom. O curso de Medicina da UFJF é muito desenvolvido.” Agora, ela salienta que é preciso casar a pesquisa básica e a pesquisa aplicada.   “A pesquisa aplicada, principalmente voltada para o câncer de mama, na Medicina, é muito estatística. Ela se baseia em termos epidemiológicos, mas precisamos de mecanismos que levem às alterações, para que se possa fazer uma interferência maior, tanto medicamentosa, quanto terapêutica e de prevenção.” A vocação da UFJF para a pesquisa em saúde adianta muito esse processo. “Estar com essa pesquisa dentro do ICB da UFJF que tem esse direcionamento para a área da saúde é muito importante. Temos vários programas de pós-graduação na Medicina: um focado em saúde coletiva, outro em saúde brasileira, que têm olhares diferentes, mas podem trabalhar muito juntos. O câncer de mama tem uma incidência alta tanto em Minas Gerais, quanto no resto do país. É a segunda maior causa de mortes entre mulheres, então ter uma pesquisa desse porte, que pode gerar tantos resultados, acaba ratificando a posição da UFJF nesse setor, no qual ela é bem forte.”

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Entraves

O que faz com que o andamento da pesquisa não seja como o esperado é a dificuldade de acesso aos recursos. Embora exista cooperação entre as unidades acadêmicas e outras entidades, como a Embrapa, os recursos de agências de fomento não têm chegado aos laboratórios, em função da crise. “Tivemos uma aquisição importante de equipamentos pelos editais do CT Infra do CNPQ, quando o governo cooperava. Esses últimos dois anos dificultaram muito a situação, tivemos implicações muito sérias nos recursos financeiros. Equipamentos nós temos, mas precisamos fazê-los rodarem. Agora estamos precisando de dinheiro de consumo e estamos empacados nisso”, relata a professora Jacy. Ela relembra que o trabalho já tem verba prevista em edital da Fapemig, no entanto, os recursos ainda não foram liberados e não há previsão.

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As consequências sobre essa demora ainda não são calculáveis. “O que estamos perdendo é algo muito grande em termos de tempo, de formação de nova mão de obra especializada, em perpetuação ou movimentação daquela ideia. Não temos impedimento de estrutura física, nem de colaborações tanto de grupos internos, quanto externos. Precisamos de dinheiro para que possamos fazer o que sabemos fazer.” Se as condições fossem totalmente favoráveis hoje, Jacy estima que se chegaria em ensaios de fase dois em até quatro anos, o que é rápido em termos de ciência. É importante entendermos que um ano perdido em pesquisa implica em muitos outros de danos.”

O ponto em que se pretende chegar com esse estudo é conseguir abrir conversas com empresas de saúde, da área farmacêutica que possam fazer os testes clínicos de fase um, dois e três, que são os mais avançados e são aplicados antes de o medicamento chegar ao mercado. “Temos muito potencial, mas o que acontece hoje, no Brasil, são medicamentos descobertos por grupos estrangeiros. Precisamos investir nesse desenvolvimento agora, para ter retorno financeiro no futuro. O câncer é uma doença que assola, independente da cor, raça, estado financeiro. É claro que ela vai ser mais grave para uns, menos grave para outros, mas, ainda assim, o impacto seria muito grande. Inclusive no SUS, que poderia usar os nossos recursos, brasileiros, com um custo muito menor.”

A população e os cientistas

Jacy defende que é preciso mudar o olhar que se tem para a ciência e a tecnologia, que não entende a pesquisa como patrimônio brasileiro, mesmo possuindo uma diversidade grande de plantas, princípios ativos e pessoas com formação necessária para avançar nesse âmbito. “As pessoas precisam tomar consciência sobre o que a ciência pode fazer por elas. Melhorar a comunicação entre a população e os cientistas é fundamental. Então, junto com o trabalho de prevenção, que é feito, as pessoas precisam abraçar a causa. Quando temos pesquisas com humanos, as pessoas se mostram abertas, permitem a coleta do sangue, tudo com acompanhamento da comissão de ética, assinatura do termo de consentimento e esclarecimento. Mas notamos essa receptividade muito forte. Faltam as pessoas compreenderem a dimensão da ciência no tratamento de doenças importantes.”

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“Queremos uma incidência menor de câncer de mama, mas também precisamos lembrar que isso é algo global, que envolve educação e prevenção, melhor fator nutricional, melhorares condições de vida, porque o estresse pode gerar a doença e que as pessoas também entendam que também há mutações genéticas que favorecem o desenvolvimento do câncer. No entanto, é importante salientar que há muitas pessoas trabalhando incansavelmente em busca de novas terapias” (Foto: Leonardo Costa)

Impacto positivo

Há em toda terapia um grupo de indivíduos cujo organismo não responde. Isso acontece, inclusive, com vacinas. A possibilidade de conseguir atingir até as pessoas que são resistentes a esses medicamentos, com um tratamento que não seja tóxico como alternativa, é uma aspiração do estudo do grupo de Jacy Gameiro. “Essas moléculas poderiam diminuir o tempo de quimioterapia, radioterapia, o que traria benefícios não só para os pacientes, quanto para os planos de saúde e para o SUS, porque teriam uma terapia muito mais efetiva e menos tóxica. Colocar uma alternativa como essa no mercado e possibilitar que alguém que no momento não é atendido pelas opções existentes possa ser, é algo incrível.”

Exames

A prevenção continua sendo fundamental, apesar das alterações que foram acontecendo com o tempo. O autoexame já não é tão massivamente recomendado, porque indica tumores em tamanhos em que eles representam um risco maior, então a maneira mais incisiva e eficaz seria a realização de ultrassonografias e mamografias regulares. Fora isso, qualquer alteração deve ser vista com rapidez. A incidência sobe progressivamente em mulheres com mais de 35 anos, especialmente nas que têm mais de 50 anos. As mulheres que engravidaram tardiamente, menstruaram antes dos 12 anos e/ou tiveram menopausa depois dos 55 anos também devem ficar muito atentas. “Queremos uma incidência menor de câncer de mama, mas também precisamos lembrar que isso é algo global, que envolve educação e prevenção, melhor fator nutricional, melhores condições de vida, porque o estresse pode gerar a doença e que as pessoas também entendam que também há mutações genéticas que favorecem o desenvolvimento do câncer. No entanto, é importante salientar que há muitas pessoas trabalhando incansavelmente em busca de novas terapias.”

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