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Juiz-forana em busca da mãe

Mayara Araújo de Oliveira passou três dias na cidade à procura do seu passado
Mayara Araújo de Oliveira passou três dias na cidade à procura do seu passado
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Vinte e nove anos depois de ter sido doada ao nascer, Mayara Araújo de Oliveira retornou a Juiz de Fora em busca de suas origens. Ansiosa, ela veio do Rio de Janeiro, onde mora, à procura de quem se separou no primeiro dia de vida. Nas mãos, a professora de inglês trazia a carta de renúncia que sua mãe biológica assinou em 23 de julho de 1987, um dia antes de a doméstica Irenice de Fátima Silva dar à luz a menina cujo rosto ela não pôde guardar na memória. Bem criada, Mayara cresceu sem segredos e, desde a primeira vez que perguntou, soube que tinha sido adotada. Jamais foi privada de amor, mas a vontade de conhecer seu passado cresceu junto com ela. Ao fazer o caminho de volta, ela passou três dias no município. Vasculhou por conta própria o que podia, mas voltou para o Rio sem encontrar as respostas que precisava. Esta semana, porém, a Tribuna conseguiu localizar a família dela, e o final dessa busca deu início a um capítulo novo na história de Mayara.

Mayara com os pais adotivos (à esquerda) no dia de seu casamento, em 2014
Pezinho da recém-nascida no sumário de alta do hospital

Quando chegou à cidade no último dia 4 de agosto, acompanhada do marido Nicolas e da sogra Sônia, a professora foi direto para o Hospital e Maternidade Therezinha de Jesus, onde o documento de sumário de alta indicava que ela nasceu no dia 24 de julho de 1987, às 7h57, de parto normal, vindo ao mundo com 3 kg e 47cm. Lá, porém, não encontrou mais nenhuma pista que a ajudasse a chegar até Irenice, sua mãe biológica. Mayara também percorreu cartórios sem sucesso até chegar à Secretaria de Comunicação da Prefeitura. Lá, ela foi orientada a procurar o jornal, na tentativa de conseguir ajuda na sua jornada. “Eu só gostaria de conhecê-la. Estou preparada se ela não quiser saber de mim, mas precisava tentar”, disse durante a entrevista.

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Documento da maternidade confirma parto, mas trazia poucas informações

Emocionada, Mayara contou que uma amiga da mãe adotiva conhecia uma freira que trabalhava em Juiz de Fora e foi através dessa religiosa que os pais ficaram sabendo, no Rio, que ela nasceria. Quando o parto estava próximo, o casal da cidade carioca veio para cá buscar o bebê. Durante todo esse tempo, eles guardaram a carta assinada por Irenice, além do sumário de alta que tem, inclusive, um carimbo com o pé da neném feito ainda na maternidade.

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Os pais do coração jamais souberam onde localizar a doméstica. No entanto, quando a filha quis remexer o passado, eles apoiaram. “Minha mãe (adotiva) sempre me ensinou a ter gratidão pela minha mãe (biológica), pelo caminho que ela escolheu de me doar a uma família. Ela sempre me diz que recebeu dela o maior presente da sua vida: eu”, comenta a professora, cujo contato com sua cidade natal mexeu com ela. Nora Ney Araújo de Oliveira, mãe adotiva de Mayara, também comenta. “O que eu sinto por Irenice é gratidão, porque ela me permitiu ser mãe. Mayara é nossa filha.”

 

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Uma vida de renúncia por falta de condições financeiras

O que leva uma mãe a renunciar ao amor de uma criança? Como alguém pela metade lida com essa decisão ao longo da vida? Em busca dessas respostas, a Tribuna iniciou a procura por Irenice Fátima da Silva, mas logo o jornal percebeu que encontrar a mãe de Mayara não seria tarefa fácil. Sem o número do documento de identidade dela, parecia quase impossível conseguir alguma pista de seu paradeiro e entender por quais caminhos do destino mãe e filha se perderam uma da outra.

Relendo de novo a carta em que ela renuncia à filha, foi possível perceber que a doação estava sendo conduzida enquanto o bebê crescia na barriga de Irenice. Um dia depois de deixar o hospital sem a filha que carregou por nove meses, a doméstica compareceu ao cartório do 1º Ofício de Notas de Juiz de Fora para ratificar sua decisão.

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Naquele documento batido à máquina tinha sido traçada a sentença de dor que Irenice carregaria para sempre: “Declaro que, por falta de condições financeiras, renuncio a minha filha consciente da responsabilidade assumida. Com a certeza de que será feliz e bem criada, assumo o compromisso de renunciar em favor do casal Alves de Oliveira e Nora Nei Araújo Oliveira, nos quais confio que darão ao pequeno ser que gerei condições de vida saudável, cristã, amor e moral.”

A carta assinada por Irenice não foi redigida por ela que tinha pouquíssimo estudo. Provavelmente, o texto é da freira que aparece como testemunha na certidão de nascimento de Mayara, registrada em nome dos pais adotivos três dias depois de a menina nascer. O registro acabou legalizando a adoção à brasileira, muito comum até o final da década de 1980. Antes da publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente, ocorrida em julho de 1990, bebês eram doados sem o conhecimento da Justiça e sem que os candidatos a pais estivessem inscritos em um cadastro nacional de adoção.

Com o nome da freira em mãos, a reportagem pesquisou se havia algum registro sobre a religiosa na Cúria Metropolitana de Juiz de Fora, mas o nome dela não foi localizado pela assessoria de imprensa da entidade. Na Maternidade Therezinha de Jesus, hoje sob gestão da Suprema, o diretor Ricardo Campello autorizou a total abertura do arquivo, mas nada foi possível saber além das informações que Mayara já tinha.

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Através de programas de consulta de nomes incluídos no Serasa, por exemplo, também não havia nenhuma informação sobre Irenice, nem em processos em andamento na Justiça. Ela também não aparecia nas redes sociais. Foi então que o jornal percebeu no envelope da carta renúncia uma outra grafia para o nome da doméstica: Erenice. A troca da letra “e” pela letra “i” foi fundamental para entender que havia dois registros no documento de identidade da mãe de Mayara. A informação nova permitiu, ainda, descobrir o ano de nascimento da mulher que gerou a criança: 1959. Com essa data, foi possível conhecer os nomes dos pais dela e também chegar a uma provável parente da mulher que tinha um endereço registrado em Barbacena. Nesse endereço, foi possível encontrar um telefone residencial naquele município. Quando a pessoa atendeu, a equipe de reportagem perguntou se havia algum grau de parentesco entre ela e Irenice. “Sim, somos irmãs”, respondeu a mulher do outro lado da linha que prefere não ter o nome publicado. Na conversa, ela revelou toda a história por trás da doação que marcou a vida da doméstica para sempre.

Segundo a parente de Irenice, a mãe delas expulsou a filha de casa por causa da gravidez. Na época, a doméstica trabalhava na casa dos padres e, provavelmente, foi por causa do emprego que uma freira acabou tomando conhecimento da situação de Irenice, que era mãe solteira. “Ela era muito pobre e sofreu demais por ter dado a filha. Na época, nos contou que não teve sequer a oportunidade de olhar para o rostinho dela. De vez em quando, manifestava a vontade de conhecer a menina e ter informações dela. Depois que deu à luz, ela voltou para Barroso, para a casa de nossa mãe, e, mais tarde, acabou se mudando para Goiânia com o filho mais velho”, disse uma das irmãs.

Quando a Tribuna solicitou o telefone de Irenice, ela informou que não havia meios de encontrá-la. “A Irenice morreu há quatro anos”, revelou.

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Um capítulo novo começa a ser escrito

Irenice: mãe biológica

A notícia da morte da mãe biológica de Mayara foi inesperada. Foi preciso reunir coragem para contar o ocorrido à professora, já de volta ao Rio, sobre o que havia ocorrido. Quando recebeu o telefonema da equipe de reportagem na última segunda-feira, Mayara se encheu de esperança. “E aí?”, perguntou. A euforia deu lugar a um choro compulsivo. “Se eu tivesse procurado ela antes, teria tempo de conhecê-la”, lamentou a professora ainda sobre forte impacto. Mais tarde, descobriu que a mãe biológica havia morrido no mesmo dia do aniversário de sua mãe adotiva.

Mas Mayara, que sonhava localizar sua mãe, acabou tendo a chance de encontrar toda a sua família. Naquela mesma noite, ela falou com suas primas, recebendo por WhatsApp a foto que esperou por toda a vida. Finalmente, conheceu o rosto de sua mãe. Também soube que seu irmão mais velho mora em Goiás e foi recebida de braços abertos por duas tias. “Fiquei meio em choque”, disse para o jornal Amanda Nathália da Silva, sobrinha de Irenice que reside em Barbacena. “Não parava de pensar em minha tia e no quanto ela iria ficar feliz por reencontrar a filha”, disse Amanda por e-mail.

A emoção daquela noite foi sendo registrada por Mayara, que classificou o momento como um dos mais tristes e felizes de sua vida. “Estou sem palavras”, dizia a cada instante. “Todo mundo está dizendo que eu me pareço com minha mãe. O que me conforta é saber que todas as vezes que orei por ela, com certeza, me ouviu”, disse, iniciando um capítulo novo em sua biografia.

No dia em que conheceu a mãe morta, Mayara entendeu que ela precisou entregar a filha, mas jamais renunciou ao sentimento que nutria por ela.

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