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Três mães atípicas contam sobre as alegrias e os desafios da maternidade

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As mães são a origem de tudo. Por vezes, parece que até mesmo o amor só surgiu após a existência de uma mãe. Mas por debaixo do verniz da naturalidade em que a maternidade se coloca – como um cotidiano despretensioso – existem mulheres se esforçando, ao máximo, todos os dias, para proporcionar o melhor que podem aos seus filhos. A Tribuna ouviu a história de três mulheres que fazem jus ao ditado popular “mãe é quem cuida!”, e de cuidado elas entendem bem, afinal, a dedicação é uma característica dessas mães atípicas.

Mãe atípica é o termo comumente usado para se referir àquelas mulheres que possuem filhos com alguma deficiência ou síndrome. Elas são mulheres que, além de trilhar a trajetória de suas próprias vidas, também procuram abrir caminhos de um mundo mais inclusivo para os seus filhos.

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As aventuras de Ohanna e Renzo

Ohanna e Renzo, mãe e filho adoram andar juntos de skate (Foto: Arquivo pessoal)

Não existe qualquer dúvida ou titubeada quando o assunto é o que mais gosta de fazer junto ao seu filho. Para Ohanna Pereira Ferraz, 33 anos, andar de skate foi uma tradição passada de geração em geração, que deu certo. Renzo, 6 anos, se apaixonou pela possibilidade de fazer manobras e se divertir com a prática que todos da família compartilham o gosto.

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Os primeiros sinais de neurodivergência de Renzo aconteceram quando ele tinha um ano e meio. Mais tarde, aos 3 anos, a criança foi diagnosticada com transtorno do espectro autista (TEA). Um processo que foi desafiante para sua mãe. “Acredito que acontece com quase todas as mães atípicas inicialmente, passei por aquela fase da negação, um luto até entender a situação toda”, conta Ohanna.

A busca por informações para compreender a realidade do filho foi o meio encontrado por ela para entender as necessidades de Renzo. Ainda que complicado de início, o conhecimento a respeito do transtorno possibilitou a ela desmistificar o seu imaginário sobre o tema. “Ele é muito inteligente, uma característica do autista, e, a partir do momento em que identifiquei as necessidades dele, foi mais tranquilo.”

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Ohanna tenta passar para o filho a liberdade de crescer em um ambiente onde ele sinta-se feliz em se expressar. E carrega consigo o que foi transmitido pelo seu pai, o avô do menino: o amor por trabalhar com cabelo.

Segundo a mãe, ela praticamente cresceu dentro de um salão de beleza. Com cabelos azuis e sensibilidade de artista, ela brinca que, além de mãe atípica, é colorista nas horas vagas. Na sua profissão, Ohanna se enxerga como alguém que pode fazer diferença para além de transformar cabelos. “Acredito que minha missão é fazer diferença de alguma forma na vida das pessoas”, conta ela, que todos os dias transforma a vida do seu filho com tamanha dedicação à ele.

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A paixão curiosa de Joaquim e Manu

O programa favorito de Emanoelle Fernandes, 44, junto com Joaquim é um que ela, particularmente, não curte fazer sozinha. Mas quando se trata de ver a felicidade do filho, aquilo se transforma em um engraçado passatempo. Joaquim tem uma paixão curiosa: ama ir ao shopping! Em especial, em uma loja de brinquedos. Entretanto, quebrando todas as expectativas, ele não pede nenhum, o divertimento consiste, sobretudo, em passear pelos corredores da loja, conta sua mãe aos risos.

Manu compartilha que sua maior alegria é ser mãe do João e do Joaquim (Foto: Arquivo pessoal)

Manu é uma mãe orgulhosa. Se tornou mãe pela primeira vez já faz algum tempo, quando João, seu primogênito, nasceu. Desde então, ela passou a dedicar toda a sua vida a atender as necessidades do filho, que possuía paralisia cerebral e hidrocefalia.

Aos 37 anos, ela teve seu segundo filho, Joaquim. Manu compartilha que teve receio que ele também tivesse a mesma deficiência do irmão. Não faltava amor, mas não era uma jornada fácil. Joaquim não teve. Ela relata que uma das maiores felicidades de sua vida foi a possibilidade de seus dois filhos, seus dois amores, se conhecerem, antes da prematura partida de João, ainda com 18 anos.

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Já Joaquim, atualmente com 6 anos, possui síndrome de down e cardiopatia, o que não impede que o menino seja um exímio tocador de bateria, conforme observa Manu. Sua mãe descreve que os jeitos e os gestos do menino transformam a vida em felicidade, seja quando ele diz que a ama, toca bateria, pede bênção ou quando dá um sorriso de sapeca. Ao lembrar disso, Manu se emociona e compartilha que sua maior alegria é ser mãe. “Abrir o olho e ver que meu filho está aqui comigo. Eles vieram pra me ensinar, cada dia, a ser uma pessoa melhor e mais cuidadosa”, conta.

Manu tem dois empregos, um com delivery de almoço e outro como RH de uma casa noturna. Seu alto astral perpassa os obstáculos que já passou na vida. Ela confessa, no entanto, que tem dificuldade, às vezes, em se enxergar no mundo contemporâneo. Essa ambiguidade, tão humana, constrói uma mulher forte, mas também sensível. Nessa entrelinha é que ela encontra o equilíbrio para continuar lutando para sanar as adversidades que aparecem no caminho de seus filhos. Apaixonada por dançar e abraçar os amigos, Manu também é conhecida por inspirar. A mãe segue sendo o deslumbre de seu filho.

A modéstia de uma mãe extraordinária

Patrícia conta que ser mãe de seus 5 filhos fazem dela uma pessoa melhor, na foto ela está com Hanniel, seu caçula (Foto: Arquivo pessoal)

É quase unanimidade que comida de mãe tem tempero especial e disso Patrícia Manuela de Souza Ferreira, 39, entende bem. Seu momento favorito com seus cinco filhos é “inventar moda na cozinha”, expressão que ela usa para caracterizar o momento de reinventar receitas que atendam às restrições alimentares de alguns dos seus filhos e colocar a criatividade na mesa, na forma de refeições saudáveis. Esse momento acaba virando também uma confraternização, uma fotografia em sua memória de uma vida dedicada totalmente aos filhos.

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Patrícia teve o primeiro de seus cinco filhos aos 19 anos e ele é o único que não tem autismo, mas Transtorno de Déficit de Atenção. Passados cinco anos, ela teve duas gêmeas, Débora e Yasmin, uma com autismo nível um e a outra com autismo nível dois, respectivamente. A segunda possui também paralisia cerebral e déficit intelectual. Aos 30 anos, nasceu a Sarah, com déficit intelectual, e, cinco anos depois, veio ao mundo Hanniel, os irmãos têm autismo nível dois.

Cada particularidade de seus filhos exigiu dela uma atenção específica, a qual ela não mede esforços em atender. “Tudo que a gente faz por eles parece ser pouco. Filho não pede para vir ao mundo, principalmente filhos atípicos. Quando eles sofrem algum preconceito, a gente vira uma leoa, tira forças de onde não tem”, conta. Com uma voz suave que entoa sua personalidade carinhosa, Patrícia descreve que o amor dos filhos, por vezes, não vem em palavras, mas de olhares sinceros que recebe e que aquecem seu coração.

Ela acrescenta que seus filhos a fizeram ter outra perspectiva sobre a vida. De fato, Patrícia também proporciona à família uma concepção profunda do que é o amor. “As conquistas das crianças são as minhas conquistas, e as realizações delas são as minhas”, falando sobre a doação necessária para melhorar a qualidade de vida dos filhos.

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Dona de casa, Patrícia passa 24 horas cuidando dos filhos. Isso faz com que a coloquem como uma mulher extraordinária – que ela mesmo não se considera. O trabalho não remunerado e uma rotina intensa fazem com que ela eventualmente se sinta sobrecarregada. “Mas quando olho para os olhinhos brilhando deles, o sorriso espontâneo que surge depois de uma crise… Vejo que está dando certo e fica tudo bem. Eu esqueço a sobrecarga e vejo que está valendo a pena todo o esforço”, confessa Patrícia. Uma mãe extraordinária.

‘A luta de todas as mães atípicas é contínua’

O pulso firme de Manu, uma mulher doce, se manifesta com veemência quando se trata de garantir o melhor para seus filhos. “A luta de todas as mães atípicas é contínua.” Ao falar sobre a busca por ambientes mais inclusivos, a coletividade de mulheres que estão na mesma batalha ganha ainda mais notoriedade. “Nós, como mães, continuaremos lutando para um bem maior de nossos filhos. Ninguém solta a mão de ninguém!”

Quando Manu discorre sobre a necessidade de brigar por direitos que já deveriam ser garantidos, a sua fala ecoa também por outras vozes. Como a de Ohanna, que confessa que a maior dificuldade de ser uma mãe atípica é ver que o mundo não está preparado para lidar com pessoas com deficiência.

Patrícia também desabafa sobre os obstáculos ainda dispostos quando o assunto é acessibilidade. “Eu não tenho como pagar plano de saúde para todos os meus filhos. Por isso, está difícil o acesso a terapias e consultas de especialistas, entre outras coisas. Mesmo com o direito do autista à prioridade a atendimentos, previsto em lei, não é tão fácil”, desabafa.

Maior incidência de quadros como depressão e ansiedade

De acordo com a professora de psicologia da Estácio, Maira Leon, as mulheres são as mais sobrecarregadas, de modo que elas apresentam a maior incidência de quadros como depressão e ansiedade. “Vários motivos levam a este sofrimento, como dupla jornada de trabalho na tentativa de conciliar carreira profissional e trabalho doméstico, cobrança estética, maternidade, relacionamentos, muitas vezes abusivos, machismo, cuidados com a família dentre outras questões”, explica.

Diante disso, tempo para sua própria individualidade, espaço para lazer, qualidade de vida, saúde e bem-estar são pilares para uma mãe se sentir valorizada, assim como a distribuição justa de tarefas domésticas. “Outra questão importante é ouvir o que esta mãe tem a dizer, ou seja, é criar um ambiente de acolhimento e segurança para que esta mãe possa expressar seus sentimentos, emoções, e frustrações”, aponta a psicóloga. Maira acrescenta que a importância de pessoas que auxiliam ao redor aparece como um elemento fundante de uma rede de apoio, de modo a proporcionar um ambiente de troca de experiências e aprendizados.

Maternidade como afeto e trabalho

Ohanna, Manu e Patrícia fazem parte da parcela de mães que possuem uma rede de apoio. Entretanto, essa não é uma realidade de todas as mulheres no que concerne à maternidade. Célia Arribas, doutora em Sociologia e coordenadora do grupo de estudos e pesquisa Geni – Gênero e Interdisciplinaridade – da Universidade Federal de Juiz de Fora, destaca que o termo “rede de apoio” tem que envolver também políticas públicas.

Outra dimensão apresentada pela professora trata-se de um recorte de renda. Esse fator interfere diretamente nos múltiplos papéis que as mulheres desempenham na sociedade e a sobrecarga embutida a elas.

Quando se trata de mães atípicas, mais esforço é empenhado. A demanda por organizar as tarefas do dia e as consultas dos filhos afeta o psicológico dessa mãe e impacta o cotidiano, segundo Célia Arribas. “De modo geral, a maternidade significa afeto, mas também muito trabalho. Além de obviamente ser uma identidade, não podemos valorizar e nem idealizar a maternidade”, explica a doutora.

Diante dessas vivências, as mães ainda carregam um peso externo, oriundo das cobranças sociais do que é ser mãe e ao que a sociedade limita como aceitável ou não dentro desse papel. “É preciso rever a forma de maternidade”, esclarece. Célia Arribas também traz ao debate algo que, muitas vezes, é deixado em segundo plano: Mães também precisam de cuidado, descanso e acolhimento.

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