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Custos com pessoas com demência são arcados em maioria por familiares

DEMENCIA Marcelo Camargo ABr
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O Relatório Nacional sobre a Demência no Brasil, publicado em dezembro de 2023, revelou que ao menos 73% dos custos associados aos cuidados com pessoas com demência são arcados por familiares, amigos ou vizinhos, e as mulheres são, na maioria dos casos, as principais responsáveis por cuidar da pessoa que começa a apresentar esses sintomas e ficam debilitadas. A demência é caracterizada por um quadro que geralmente progride devagar, e que, conforme avança, faz com que o paciente se torne muito dependente de cuidados, não conseguindo mais realizar as atividades diárias sem auxílio. Nos casos mais graves, o indivíduo apresenta grandes alterações de linguagem e memória, com dificuldades para se comunicar e entender tarefas simples, progressivamente piorando a mobilidade, podendo até se tornar acamado e com dificuldades para engolir alimentos. Essa situação gera transformações na estrutura familiar, já que os pacientes que apresentam esses sintomas passam a necessitar de um cuidador dedicado a ele e altos custos para terem uma boa qualidade de vida.

O relatório foi feito pelo Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em parceria com o Ministério da Saúde, através do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS), e também deixa claro que muitas das mulheres que se tornam as cuidadoras, nesse tipo de situação, precisam até mesmo deixar de exercer sua atividade de trabalho remunerada.

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Esse é o caso, por exemplo, de Suely Marques, que cuidou do pai até o momento da morte dele e atualmente cuida também de sua mãe, que tem 96 anos. As demandas, como ela esclarece, são diversas: “É o cuidado com o idoso, com a casa, com a alimentação, com a higiene e com a marcação de médicos”, diz. No caso das pessoas com demência, há uma condição clínica que costuma ser progressiva e gera a incapacidade do indivíduo, e por isso é preciso de uma mudança na estrutura familiar. Os gastos, nesses casos, também costumam ser muito grandes. “Meu pai já tinha plano [de saúde], mas tinha muitos problemas, como insuficiência renal, problemas cardíacos, hipertensão, diabetes e os gastos com os cuidados mais diários. Gasta-se muito e não dá nem pra colocar no lápis. Há nove anos, minha irmã parou de trabalhar fora para cuidar dos nossos pais idosos, e há oito anos eu também parei”, conta.

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Anos de vida perdidos

Eduardo Borato é especialista em cardiologia, terapia intensiva e mestre em gestão de cuidados em saúde (Foto: Arquivo pessoal)

No caso do pai de Suely, os primeiros sintomas foram de confusão mental, quando ele começou a “confundir a cortina” e achar que ela era, na verdade, sua mãe. Como ele, de acordo com informações do Ministério da Saúde, são mais de 2 milhões de pessoas no Brasil – um número que pode triplicar até 2050. A demência está entre as principais causas de anos de vida perdidos e de anos vividos com incapacidade na população mais velha, sendo a sétima causa de morte no mundo e a quarta causa de morte em pessoas com 70 anos ou mais no Brasil. Muitos dos casos das pessoas que têm demência, no entanto, não foram diagnosticadas ainda, como explica Eduardo Borato, especialista em cardiologia, terapia intensiva e mestre em gestão de cuidados em saúde pela MUST University, porque os sintomas iniciais podem ser confundidos pelas famílias até com o envelhecimento natural.

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Em todo caso, ele deixa claro que a demência é uma condição que impacta muito o núcleo familiar. “A família passa a ter que dedicar parte do seu tempo a cuidar da pessoa com o quadro demencial, mesmo que no quadro inicial, porque a pessoa idosa assim já pode precisar tomar remédios com mais regularidade e demandar mais cuidados por conta de um quadro que pode trazer maior risco, o que exige uma vigilância maior dessa pessoa”, conta. As adaptações nesse momento incluem camas apropriadas, suportes de apoio, abertura de espaços para passagem de cadeiras de roda e banheiros adaptados, por exemplo, o que pode gerar uma sobrecarga grande. Apesar da predominância feminina em estar à frente desses cuidados e a abrir mão das suas carreiras para se dedicar aos idosos com esses sintomas, até por questões culturais, é de se observar que a realidade está se alterando. “Hoje isso tem mudado um pouco, vemos na prática médica que os homens têm participado mais e as famílias têm ficado menores”, diz Borato.

Gastos envolvidos

Rosiley Luduvice é médica geriatra da Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora (Foto: Arquivo pessoal)

Conforme a médica geriatra da Santa Casa Rosiley Luduvice Ribeiro, uma pessoa com demência apresenta muitas demandas, principalmente nos estágios mais avançados, quando precisa de um cuidador 24 horas por dia. “Esse cuidador pode ser formal, quando a família contrata um profissional de fora para prestar os cuidados para o paciente; ou pode ser um cuidador informal, quando um membro da família passa a assumir essa função, geralmente algum filho, cônjuge, sobrinho ou irmão”, esclarece. Nos casos em que há a necessidade de uma das pessoas parar de trabalhar, esse é o primeiro grande impacto financeiro. “O paciente evolui com uma fragilidade progressiva, sendo comum ao longo da evolução apresentar intercorrências clínicas com necessidade de internações e consultas médicas mais frequentes, fatores que oneram mais o sistema de saúde”, explica Rosiley.

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Além disso, como ela esclarece, por se tratar de uma doença crônica ao longo da evolução, necessita do uso de medicações. “Algumas são fornecidas pela Secretaria Estadual de Saúde, mas outras precisam ser adquiridas pela família. Assim, além dos gastos relacionados à alimentação, alguns pacientes ainda evoluem com uso de vias alternativas de alimentação, por exemplo se alimentando por sondas devido à dificuldade de deglutição, e nesse caso precisam de dietas enterais especiais.” Há ainda os cuidados com a pele e o uso de fraldas geriátricas, que costumam somar na balança dessas demandas. Sobre esse assunto, Eduardo Borato ainda observa que, nesta fase da vida, geralmente os ganhos dos idosos são reduzidos, e grande parte dos recursos da aposentadoria acaba sendo gasta com medicamentos, deixando muitas vezes a renda familiar bastante comprometida. “A gente sabe que muitas dessas famílias não têm essa estrutura ou as condições financeiras para fazer uma adaptação para um cuidado mais centrado no paciente”, conta. Isso, como nota, acarreta ainda o risco de abandono que acomete diversos idosos no Brasil.

Sintomas que chamam atenção

A demência gera uma incapacidade cognitiva que se caracteriza por três principais sintomas, conforme Rosiley destaca: o declínio funcional, o declínio cognitivo e as alterações de comportamento. No primeiro caso, a pessoa passa a ter dificuldades em realizar coisas que antes conseguia fazer bem, como dificuldade na administração financeira, erros ou atrasos em alguns compromissos. Já no declínio cognitivo, existe uma alteração nas funções cognitivas como memória, atenção, função executiva, surgindo sintomas de esquecimentos mais frequentes, dificuldade na organização das coisas e desatenção. Por fim, as alterações de comportamento fazem com que as pessoas mudem o jeito de ser, tornando-se, em vários casos, mais paradas ou mais agitadas, podendo também enfrentar quadros de ansiedade, depressão ou alterações de pensamento com ideias delirantes e alucinações.

Ela destaca, ainda, que existem vários tipos de demência e diversas causas. Há inclusive causas reversíveis e irreversíveis para os pacientes. “Existe alguma causa orgânica que gera os sintomas de demência, mas que é possível ser corrigida. Aqui encontramos causas estruturais que geralmente são identificadas em exames de neuroimagem, como alguns tipos de tumor, sangramentos ou hidrocefalias. Algumas deficiências de vitaminas, alterações hormonais, doenças psiquiátricas e doenças infecciosas também podem gerar sintomas que se confundem com quadros demenciais”, detalha Rosiley. Por isso, todo paciente com quadro sugestivo de demência precisa passar por uma avaliação médica e exames que serão solicitados para excluir essas causas e adotar medidas específicas visando ao tratamento adequado. Já nas causas irreversíveis, que são a maior parte dos pacientes, a demência é causada por doenças neurológicas primárias associadas a quadro neurodegenerativos. “Não sabemos ainda exatamente qual fator leva uma pessoa a desenvolver doença de Alzheimer, demência frontotemporal, demência associada a parkinsonismo e outros quadros neurológicos que são, na verdade, multifatoriais.”

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Iniciativas públicas em JF

Apesar de a maior parte das famílias arcar sozinha com os custos de uma pessoa com demência, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) informa que o Serviço de Saúde do Idoso (Sasi) realiza assistência específica aos usuários portadores da Doença de Alzheimer (DA), que é um transtorno neurodegenerativo progressivo e que é um dos principais causadores desses sintomas. De acordo com a Secretaria de Saúde, o acesso ao serviço poderá ocorrer através de encaminhamento das Unidades Básica de Saúde (UBS) ou por demanda espontânea, nos casos em que o usuário não possua uma unidade de referência em seu bairro. “As UBS também realizam o encaminhamento dos usuários com diversos tipos de necessidades para os serviços adequados. Os pacientes podem também ser encaminhados para o serviço do Departamento de Internação Domiciliar (DID) pelas unidades conveniadas com a rede do Sistema Único de Saúde (SUS), mediante avaliação clínica, nos casos em que preencherem os critérios estabelecidos em portaria do Ministério da Saúde”, afirma a PJF, através de nota.

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