
Entre um chope e outro, a ciência ganhou espaço nas discussões de mesa de bar nos dias 8 e 9 de novembro, por meio da primeira edição pós-pandemia do “Pint of Science”, um dos maiores eventos de divulgação científica do mundo, realizado em pubs, restaurantes e cafés. A UFJF, organizadora do evento na cidade, retomou, após dois anos, a cultura de levar de forma leve e descontraída produções acadêmicas das mais diferentes áreas para além dos muros da universidade. Na noite do dia 8, aqueles que estavam no Bar do Luiz, no Bairro Aeroporto, enquanto degustavam uns petiscos, puderam acompanhar o bate-papo entre a professora da Faculdade de Serviço Social da UFJF, Viviane Pereira, e a professora de psicologia do UniAcademia e doutoranda na UFJF, Kíssila Teixeira, sobre o tema “População invisível: e eu com isso?”.
A jornalista da Diretoria de Imagem Institucional da UFJF Laís Fernandes, que fez a mediação no Bar do Luiz, conta que a equipe do evento sempre se preocupa em deixar os pesquisadores o mais à vontade possível. “Além disso, estabelecemos um diálogo com as pessoas que vão ao bar acompanhar o evento ou, por acaso, estão lá quando ele acontece. Abro o microfone para todos que querem fazer perguntas e também deixo folhas em cada mesa para quem for mais tímido e preferir escrever e me passar as questões. Só com essa união – levar os pesquisadores pro bar para falar de ciência e viabilizar essa conversa com as pessoas presentes – que o propósito do ‘Pint’ é cumprido.”
Uma das garçonetes do bar, Karen Kamper, 19, que ajudou a receber as professoras e os interessados, estava muito contente por trabalhar em um espaço preocupado em propagar a ciência. “Acho legal trazer discussões como essa que normalmente a gente não escuta por aqui.” Enquanto atendia o público presente, Karen refletia: “Se todos sofremos nesses quatro anos, imagina as pessoas invisíveis…”.
Desnaturalizando a pobreza
A chuva caía sem parar na terça-feira, mas não impediu que as convidadas e outros interessados comparecessem para beber uma cervejinha e se inteirar acerca do tema proposto. Kíssila Teixeira levou o conceito de pessoas invisíveis para o debate e o problematizou em seguida. “São aquelas pessoas que não estão no meio formal de produção do capital, gerando valor. Ou seja, mesmo trabalhando muito, ficam nessa posição da desigualdade social. No entanto, quando essas pessoas incomodam, não são tão invisíveis assim, talvez o termo mais adequado seja ‘naturalizado’, pois a gente naturaliza tanto a questão da desigualdade que acha que é natural essas pessoas estarem nessa situação.”
Viviane Pereira, por sua vez, contextualizou a pobreza, que, segundo ela, sempre existiu. No entanto, após a Revolução Industrial, esse fato deixou de ser provocado pela escassez de recursos naturais. “Se antes não tínhamos condições de alimentar toda população, hoje a gente tem e de sobra. A pobreza, atualmente, não é fruto de escassez, mas sim da forma de produzir, que expulsa uma máquina cada vez mais crescente da população para fora. Quantas pessoas eu atendi que eram moradoras de rua e, quando crianças e adolescentes, foram contempladas com programas da Prefeitura. Não são políticas públicas que vão exterminar esse problema, mas sim a forma como a gente se organiza e vive.”
Apesar da solução ser complexa, as pesquisadoras reconhecem que as políticas públicas podem ser um caminho para amenizar o problema. Viviane, inclusive, está desenvolvendo um censo diagnóstico da população de rua que é uma parceria da UFJF com a Prefeitura. “Já fizemos coletas de dados e agora estamos fazendo a sistematização desses, que serão fundamentais para produção de políticas públicas.”
Até o momento, já existem alguns projetos na cidade para pessoas invisíveis, como observa Kíssila. “Entre elas, o Consultório na Rua, que é uma espécie de UBS itinerante; o Caps AD, um serviço especializado em saúde mental que, apesar de não ser exclusivo para essa população, a atende; os albergues, ou casas de passagem, que são para acolhimento noturno temporário; e o Centro Pop, que compõe o SUS e é um serviço exclusivo da assistência social para a população em situação de rua.”
Amigos reunidos pela ciência
Em uma mesa do bar, dois casais de amigos foram trocar ideias e assistir ao bate-papo das professoras. Uma das integrantes da mesa, Thaís Parreira, 28, que trabalha no Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da UFJF (Caed), reconhece a importância em participar de eventos como este. “Ainda mais nesse momento em que estamos em um governo tão invertido para o individual… É bom poder pensar no coletivo e partilhar experiências novas.” A amiga dela, Bia Pena, 26, que também trabalha no Caed, concorda plenamente, “pois estar em um bar democratiza o debate acadêmico, que, muitas vezes, fica restrito a uma parcela tão pequena”.
Ainda naquela mesa de amigos, estava o matemático José de Paulo, 31, que ficou muito interessado pelo tema do encontro, porque, em sua área, debates como os das docentes são deixados de lado. “Eu, enquanto professor, penso muito nisso, mesmo minha área não sendo focada no social. Os estudantes precisam, antes de saber o teorema de Pitágoras, fórmula de Bhaskara e função de segundo grau, eles precisam saber que eles existem e têm uma consituição.” Felipe Cardoso, 30, também presente na roda de amigos, concorda que essa discussão precisa estar em todos espaços e enxerga um aumento da invisibilidade. “Eles são a minoria forçada, porque, na verdade, eles são a maioria.”