Ícone do site Tribuna de Minas

JF está preparada para o envelhecimento de sua população?

IDOSO senado federal
Pictograma que representa a pessoa idosa vem sendo alterado para uma nova imagem, mais respeitosa, em todo o país (Imagem: Senado federal)
PUBLICIDADE

Com o aumento da longevidade e da expectativa de vida no Brasil nas últimas décadas, o envelhecimento se torna cada dia mais tangível para uma grande parcela da população. De acordo com dados divulgados este ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de pessoas com 60 anos ou mais no país cresceu cerca de 40% na última década, com essa parcela da população passando de 22,3 milhões, em 2012, para 31,2 milhões de pessoas em 2021. O fenômeno, que tende a se tornar uma constante nos próximos anos em outras faixas etárias, começa a acender um alerta diante de uma condição básica prevista na Constituição Federal de 1988: o direito de envelhecer com saúde, segurança, apoio e qualidade de vida.

Ainda que os dados do atual censo demográfico não estejam totalmente coletados e ordenados, é possível afirmar que Juiz de Fora também presenciou um aumento significativo na parcela de pessoas idosas em sua população nos últimos anos, tendo em vista que, em 2010, a cidade possuía a terceira população mais idosa do país dentre os municípios com mais de 500 mil habitantes.

PUBLICIDADE

Para o gerontólogo e assistente social José Anísio Pitico, o crescimento populacional desta faixa etária já é uma realidade há alguns anos na cidade. “Nós, idosos, estamos definitivamente vivendo mais. Isso é um fato. Mas não estamos vivendo de maneira melhor. Acredito que um dos maiores desafios atualmente para toda a sociedade é valorizar a questão da educação contra o preconceito e o estigma contra as pessoas idosas, além da valorização do próprio envelhecimento em si. Precisamos cada vez mais atender as pessoas que tanto fizeram por nós”, avalia.

PUBLICIDADE

Ainda nesta perspectiva, Pitico indica que alterações recentes nas legislações, como a adoção do termo “pessoa idosa” em regimentos oficiais, tais como o Estatuto da Pessoa Idosa, além da alteração do pictograma em vagas destinadas para pessoas idosas (que antes denotavam os idosos por pessoas com ombros caídos e com bengalas) reforçam e valorizam a dignidade e a humanidade dessas pessoas.

Foto: Felipe Couri

Possibilidade da alteração do marco etário dos idosos

Ainda que o Estatuto do Idoso tenha sido instituído em 2003 e rebatizado para Estatuto da Pessoa Idosa em 2022, algumas questões pertinentes à referida legislação ainda geram algumas discussões. Uma delas é constituída por um projeto de lei criado pelo deputado federal Bibo Nunes (PL/RS), que prevê a elevação da idade de classificação da pessoa idosa de 60 para 65 anos. A justificativa do projeto, que ainda segue em tramitação no Congresso Nacional, seria de que no ano em que a legislação específica para as pessoas idosas foi sancionada, a expectativa de vida era de 71 anos, contra os 76 anos atingidos em 2017.

PUBLICIDADE

Para Pitico, é inaceitável pensar na alteração da faixa etária em que uma pessoa passa a ser considerada idosa no momento atual. “O marco etário pode ser revisto em algum momento, mas, definitivamente, ainda não está na hora disso acontecer. Precisamos cada vez mais valorizar os direitos já garantidos pela população idosa, que deve ser vista com poder de autonomia, por que as pessoas estão envelhecendo de maneira diferente do que anteriormente. As pessoas idosas agora querem votar, ter direito à sexualidade e, claro, de poder usufruir de uma melhor qualidade de vida”, exclama.

O gerontólogo também aponta para inconsistências nas próprias legislações atuais. Apesar de o Estatuto da Pessoa Idosa considerar as pessoas com mais de 60 anos incluídas em suas políticas, o mesmo instrumento legal determina que a gratuidade nos transportes públicos municipais deve ser obrigatória somente a partir dos 65 anos de idade. Ainda que Juiz de Fora siga o padrão indicado no estatuto, o mesmo também prevê a possibilidade de que os executivos e legislativos municipais tenham autonomia para oferecer a gratuidade para a população acima dos 60 anos, por meio da aprovação de uma lei municipal específica.

PUBLICIDADE

Em entrevista à Tribuna na última quinta-feira (10), o diretor do grupo CSC – que assumiu a Ansal em 2015, atualmente participante do Consórcio Via JF -, Rafael Santana, afirmou que uma possível alteração do cenário de gratuidades afetaria de maneira bastante negativa o setor, que necessitaria de fontes de custeio a serem indicadas ou subsidiadas pelos órgãos municipais. “Caso essa possível mudança venha a acontecer algum dia, ela definitivamente geraria um impacto muito grande para todo o setor. Caso o município não venha a apresentar fontes de custeio para essa expansão nas gratuidades, os maiores afetados seriam os usuários em geral, que teriam que arcar com o custo geral dessas tarifas”, assegura.

Diferentes maneiras de envelhecer

A possibilidade de alteração na idade em que uma pessoa passa a ser considerada idosa também ignora, de certa forma, as diversas desigualdades existentes entre a população brasileira, que pode ser realçada e contrastada nas mais diferentes regiões do país. Desta forma, é possível conceber que as pessoas passam por diferentes experiências de envelhecimento, como sugere a advogada e presidente da Comissão de Defesa dos Direitos do Idoso da Ordem dos Advogados em Juiz de Fora (OAB/JF), Anna Maria Ede.

“Aos 60 anos, uma pessoa realmente já começa a adentrar o processo do envelhecimento. A grande diferença, porém, é que existem diferentes maneiras em que as pessoas enfrentam esse processo. E, claro, isso está diretamente associado à qualidade de vida e ao acesso aos equipamentos de saúde e atenção social que essa pessoa teve durante toda sua vida. Fico muito feliz por ser uma pessoa idosa, com 84 anos atualmente, sendo muito ativa e sem degenerações”, celebra Anna, que ressaltou à reportagem a importância de sua autonomia como chave importantíssima para o seu bem-estar.

PUBLICIDADE

Ela também indica que a questão do desrespeito às pessoas idosas precisa ser transformada, tendo em vista que algumas delas podem não ter determinado grau de independência pelas mais variadas questões. “Por outro lado, existem, infelizmente, as pessoas idosas que foram esquecidas e abandonadas por seus familiares, quaisquer sejam os motivos. Elas se tornam, desta forma, pessoas vistas como `rabugentas` pela população, tendo em vista que aparentam estar sempre entediadas ou insatisfeitas. Elas também podem requerer uma maior atenção dos outros devido justamente à sua falta de autonomia, que deve ser apoiada diretamente pelas outras pessoas”, indica Anna.

Apagão de dados municipais sobre pessoas idosas

Um dos principais caminhos para garantir um envelhecimento saudável e de qualidade às pessoas idosas passa pelo desenvolvimento de políticas sociais adequadas para este público. Desta forma, a Lei municipal 12.631/2012, que dispõe sobre a criação da Política Municipal de Diagnóstico da Inclusão voltada para as pessoas idosas, permite e indica que a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), por meio de sua Secretaria de Assistência Social (SAS), possa realizar o artíficio em questão a cada cinco anos, “para suprir a carência de dados relacionados ao cidadão idoso e facilitar o planejamento de políticas públicas nessa área”.

Desta forma, no mesmo ano da criação da lei, em 2012, a PJF executou, por meio de parceria com a Câmara Municipal e o Centro de Pesquisas Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), um censo demográfico com a população idosa do município. Entretanto, desde então, passados exatos dez anos da instituição do artifício legal, não existem dados apurados sobre as dificuldades e a diversidade desta população em Juiz de Fora. Questionada pela reportagem, a PJF alegou não ter intenção de desenvolver novas pesquisas sobre a população idosa no município, tendo em vista que as políticas públicas desenvolvidas pela SAS são baseadas nos levantamentos do IBGE, da UFJF e da Organização das Nações Unidas (ONU).

PUBLICIDADE

A reportagem também questionou ao presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa da Câmara Municipal, vereador Julinho Rossignoli (PP), sobre a intenção da realização do censo de diagnóstico da população idosa nos próximos anos, mas não obteve resposta até a edição desta matéria. Para Pitico, além da situação atual indicar um apagão de dados públicos sobre a população de pessoas idosas no município, é possível afirmar que Juiz de Fora não está preparada para o envelhecimento de sua população nos próximos anos e décadas. “Vivemos atualmente sob um apagão de dados públicos que precisamos eliminar. Nós não temos dados sobre quantas pessoas idosas estão acamadas ou institucionalizadas no município, além de não sabermos quantas moram na Zona Rural e quais são as condições e dificuldades delas”, alerta.

Sair da versão mobile