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Programa de prevenção à violência não chega a JF

carlos gasparete do sedecom explica que nucleo vai orientar endividados

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Cento e vinte e três mortes violentas já foram registradas em Juiz de Fora esse ano. O número representa 88% do total de todo o ano passado, quando 139 pessoas foram assassinadas na cidade. Os dados fazem parte de levantamento da própria Tribuna, que leva em conta todos os casos de morte que resultam em inquérito de homicídio ou latrocínio na Polícia Civil. Os crimes contra a vida, no município, que vêm crescendo ao longo dos anos, também foram tema do 1º Fórum de Segurança, realizado em setembro. Durante o evento, representantes da Prefeitura, das polícias Civil e Militar, Poder Judiciário e Ministério Público traçaram propostas para conter a escalada da violência, denunciando que medidas tomadas não têm surtido efeito. Os homicídios saltaram do total de 52, nos anos de 2010 e 2011, para 99 em 2012 e 139 em 2013 (ver quadro). Depois do debate, lideranças que participaram do fórum definiram como uma das propostas contra a violência a implantação do programa estadual “Fica vivo”. Esse projeto, cujo objetivo é controlar e prevenir a ocorrência de homicídios dolosos em áreas com altos índices de criminalidade violenta em Minas Gerais, melhorando a qualidade de vida da população, é o tema da segunda reportagem da série Desafios.

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Entre suas ações, o “Fica vivo” realiza acompanhamento especializado e oferece oficinas voltadas para o esporte, a arte e a cultura para jovens de 12 a 24 anos em situação de risco social. Com foco no social, as oficinas, implantadas em diferentes áreas, têm como estratégia a aproximação e atendimento aos jovens, levando em consideração as características das áreas atendidas, tais como aspectos criminais, culturais, sociais, históricos e geográficos. A meta é potencializar o acesso dos jovens aos serviços e aos espaços públicos, possibilitar a vivência do direito de ir e vir, o favorecimento da inserção e da participação dos jovens em novas formas de grupos, a discussão de temas relacionados à cidadania e aos direitos humanos e a criação de espaços de resolução de conflitos e rivalidades. Em junho de 2012, na ocasião de sua visita a Juiz de Fora, para inauguração da Base Territorial da Polícia Militar, na Praça Jeremias Garcia, em Benfica, Zona Norte, região que concentra atualmente 41 registros de mortes violentas só este ano, o governador Antonio Anastasia falou sobre a possibilidade de instalação do “Fica vivo”, no município. Na época, ele disse que era uma boa proposta e que ponderaria sobre sua implantação com a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds). Entretanto, a pasta informou que, naquele período, não havia previsão de inauguração de núcleo do projeto na cidade e que a previsão era para 2013, já que Juiz de Fora estava sob avaliação. Todavia, de lá para cá, não houve avanços nesse processo.

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Situação apenas em monitoramento

Apesar da promessa e da necessidade apontada pelos especialistas, considerando o “Fica vivo” como fator para conter a onda de violência em Juiz de Fora, a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) informou que, no caso do município, as estatísticas criminais ainda estão disseminadas de forma mais homogênea por todas as regiões e que, nas últimas implantações realizadas, foram priorizados municípios e bairros com maior concentração de homicídios dolosos, como por exemplo, a região do Bairro Jardim das Alterosas, em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, que apresentou uma taxa de 64,2 homicídios consumados por cem mil habitantes na faixa etária de 12 a 24 anos, e na região do Jardim Canaã, em Uberlândia, com taxa de 50,5 por cem mil, na mesma faixa etária. A partir das estatísticas criminais, a decisão pelos municípios e os respectivos bairros que receberão o Centro de Prevenção à Criminalidade, que compreende o “Fica Vivo”, compete ao Colegiado de Integração. A pasta ainda ressaltou que Juiz de Fora permanece sendo monitorada, mas ainda não há perspectiva de implantação na cidade. A Coordenadoria Especial de Prevenção à Criminalidade (Cepec) desenvolve outros dois programas em Juiz de Fora, que são a Central de Acompanhamento de Penas e Medidas Alternativas (Ceapa) e o Programa de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional (PrEsp), que, diferentemente do “Fica vivo”, não estão vinculados a determinados territórios, mas a todo o município, atendendo o público egresso do sistema prisional ou em cumprimento de penas e medidas alternativas. Para o chefe do 4º Departamento de Polícia Civil de Juiz de Fora, delegado José Walter da Mota Matos, o “Fica vivo” pode frear o crescimento dos crimes contra a vida no município. “Esse projeto busca atacar as causas de explosão da criminalidade, principalmente tentando compreender as características das vítimas, jovens, negros e do sexo masculino e sua inserção em ambientes onde proliferam homicídios, principalmente entre gangues e por motivos banais. Entendo que políticas públicas precisam ser desenvolvidas, permitindo a valorização desses jovens quanto a uma perspectiva de vida, podendo, assim, conciliar acesso ao trabalho e ao estudo. Nesse contexto, então, inserir projetos culturais, educacionais e oportunidades de geração de emprego e renda para que eles possam ser retirados das ruas e da marginalidade.”

Especialista cobra outras políticas públicas

Professora de direito penal e criminologia da UFJF, Ellen Rodrigues, considera que, a despeito de reflexões acerca das estatísticas e dos contextos sociais que ensejam situações de violência na cidade, os apelos pelo incremento nas políticas de segurança municipais terminaram por determinar uma resposta, nada original do Poder Público, ou seja, aumento da vigilância e do encarceramento, através do projeto “Olho vivo”, cuja promessa de implantação na cidade é antiga e só agora está em processo de instalação de câmeras de videomonitoramento em pontos estratégicos. Na visão dela, os idealizadores do “Olho vivo” não levaram em conta, ainda, o fato de que o incremento dos sistemas de monitoramento e a efetiva apreensão em flagrante dos sujeitos envolvidos nos crimes terá como consequência o aumento das apreensões e prisões provisórias, contribuindo para a superlotação das instituições prisionais locais. As inconsistências do “Olho vivo”, no entanto, afirma ela, não devem ser vistas com derrotismo, nem tampouco um recuo quanto aos apelos pela implantação do “Fica vivo”, pois, tal programa, na mesma esteira do que ocorre em Juiz de Fora quanto ao “Olho vivo”, também padece de problemas quanto à eficiência na implantação e fortalecimento de seu eixo social. Quanto ao eixo de repressão, o “Fica vivo” também deixou a desejar, haja vista que o número de homicídios não reduziu em muitos de seus núcleos de atuação em Belo Horizonte. Ellen Rodrigues ressalta o que vem destacando o coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas, Robson Sávio, para quem um dos principais problemas do “Fica vivo” é nunca ter sido assumido como prioritário pelo Governo de Minas, que preferiu terceirizar todas as ações de prevenção. Além disso, aponta ela, não existem avaliações sobre a efetividade do programa que possam dar indícios no sentido de que sua vinda para Juiz de Fora garantiria os resultados prometidos. Ela pontua que as avaliações feitas até hoje são questionáveis. Algumas, realizadas por profissionais comprometidos com o programa, portanto, carentes de isenção; outras, restritas a avaliar algumas ações ou centros de prevenção da iniciativa. Sendo assim, percebe-se que o enfrentamento da questão da violência em Juiz de Fora não se resume ao incremento do “Olho vivo”, nem tampouco sua substituição pelo “Fica vivo”. Ellen alerta para a importância de criação de políticas públicas comprometidas com a prevenção e melhoria das condições de vulnerabilidade social, as quais devem incluir a participação da comunidade, a articulação entre as várias agências públicas, a gestão integrada dos órgãos de segurança, investimentos focalizados e a elaboração de planos diretores que considerem a conflitividade social, algo que sempre foi negligenciado no município.

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