Ícone do site Tribuna de Minas

A cada 4 armas apreendidas em JF este ano, uma é de uso restrito

armas
armas
Armas de uso restrito, mesmo quando adquiridas de forma legal, muitas vezes acabam na ilegalidade e são usadas em ações criminosas (Foto: Marcelo Camargo/ABr)
PUBLICIDADE

Uma a cada quatro armas apreendidas em Juiz de Fora este ano são de uso restrito, aponta levantamento feito pela reportagem com dados disponibilizados pela Polícia Militar. Isso ocorre no mesmo momento em que a cidade passa por uma “mudança na dinâmica criminal”, com a presença de armas cada vez mais letais. É o que evidenciam os dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), segundo os quais, entre os anos de 2013 e 2023, o número de pistolas apreendidas (sem especificação do calibre) desponta em 2022, alcançando o maior patamar em dez anos. Em contrapartida, a quantidade de uso de revólver caiu no mesmo ano.

Para o especialista em segurança pública Paulo Fraga, coordenador do Núcleo de Estudos de Políticas de Drogas, Violência e Direitos Humanos (Nevidh) e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), isso significa uma espécie de substituição nas armas escolhidas por criminosos, que passam a optar por outras que são mais eficientes e mais letais. A Polícia Civil, entretanto, considera que a preferência está associada à facilidade de acesso, “devido à proximidade com São Paulo e Rio de Janeiro, onde tais armas são encontradas com mais facilidade”, explicou o órgão em nota enviada à reportagem.

PUBLICIDADE

O acesso ilícito a armas mais letais também vem chamando atenção porque tais artefatos, de maior potencial de periculosidade, são geralmente de uso restrito. Os armamentos que fazem parte desse grupo são de acesso permitido apenas a órgãos ou indivíduos designados, com vínculo a atividades específicas como segurança pública, defesa nacional, caça, esporte ou colecionismo. Ainda quando adquiridas legalmente, não raro elas aparecem, posteriormente, ligadas ao crime.

PUBLICIDADE

Difícil rastreio

Entre janeiro e agosto de 2023 foram apreendidas 209 armas de fogo em Juiz de Fora. Deste total, 57 eram de uso restrito. Segundo a Polícia Civil, embora seja feito o exame pericial nessas armas, a maioria tem a numeração adulterada para impedir o rastreio da origem, o que dificulta a identificação.

PUBLICIDADE

Ainda que não se possa afirmar a ascendência dessas armas de uso restrito apreendidas, ou seja, a qual possuidor legalmente autorizado ou órgão de segurança elas pertenceriam anteriormente, é possível, por meio de dados da PM, identificar o destino que elas tiveram. Ao menos 19 armamentos restritos, por exemplo, foram apreendidos em posse do tráfico de drogas este ano. De forma semelhante, seis foram utilizadas em homicídios.

Cresce também o número de apreensões de armas

Comparado com os oito primeiros meses do ano passado, 2023 já registrou 50 ocorrências de apreensões/recuperação a mais do que o mesmo período de 2022. O delegado titular da Delegacia Especializada de Homicídios, Samuel Neri, atribuiu o crescimento de apreensões à repressão policial. Segundo ele, associado a esse fator está o crescimento natural da cidade. Conforme divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a população juiz-forana aumentou 4,75% em relação a 2010.

PUBLICIDADE

O delegado admitiu, contudo, que é difícil mensurar a evolução da circulação de armas. A Polícia Militar, por sua vez, atribui a alta à intensificação do combate ao tráfico de drogas, participação da comunidade com denúncias via 181 e ocupação pela PM dos locais onde ocorrem conflitos de grupos por disputa de território para venda de entorpecentes.

O especialista em segurança pública Paulo Fraga observa que esse aumento pode estar associado principalmente a dois fatores. O primeiro corrobora o posicionamento da PM sobre ações mais ostensivas. O outro, por sua vez, seria ligado a um possível aumento da circulação de armas na cidade. “Com o aumento de armas circulando, a tendência é que mais sejam apreendidas”, argumenta.

Fraga acrescenta que, diante desse cenário, é necessário uma apuração intensiva. “Tem armas que são de uso restrito, mas que não foram registradas. Nos casos das que foram, é necessário saber por qual via ela saiu do seu uso legalizado e por que caiu na ilegalidade. Isso é grave e pode indicar desvio de dentro das instituições”, afirma Fraga.

PUBLICIDADE

Flexibilização
Dentre as armas de uso restrito mais encontradas pela polícia está a pistola .9 mm, que se tornou de acesso permitido para quem possuía porte em 2019. A flexibilização ocorreu a partir de um decreto assinado pelo então presidente Jair Bolsonaro, rompendo com a legislação que vigorava desde os anos 2000 no país. Com a posse do presidente Luís Inácio Lula da Silva em 2023, um novo decreto sobre controle responsável das armas foi assinado, e a .9mm voltou a ser de uso restrito.

Esse modelo corresponde a 47 das 209 apreensões feitas pela Polícia Militar este ano na cidade. Isso é quase a totalidade das armas de uso restrito recuperadas pelos militares em uso ilegal, que, somadas, chegam a 57. Outra arma que apareceu em cinco das ocorrências policiais foi a pistola .40, que passou por processo similar, com o fim do uso restrito há quatro anos. Com o novo Programa de Ação na Segurança (PAS) do atual Governo federal, essa arma também foi restringida.

Acesso a armas no Brasil

Definido como “uma política armamentista de descontinuidades” pelo professor Paulo Fraga, outras alterações foram feitas com relação ao porte de armas na passagem do Governo Bolsonaro ao Governo Lula. Essas rupturas simbolizam também uma mudança de “narrativa”, conforme avalia o cientista político Jorge Chaloub.

PUBLICIDADE

“O fato de ter uma política armamentista de incentivo ao armamento, de desregulação das armas, é uma parte importante de como o Governo Bolsonaro se vendia para a sociedade. Como um governo que armava os cidadãos de bem – categoria que ele colocava contra o bandido -, como quem dava arma para que a população pudesse se defender”, diz.

Segundo Chaloub, graças a uma política inspirada em raízes norte-americanas, durante aquele período foi ampliado o número de armas permitido para cada pessoa. De mesmo modo, a quantidade de munição também aumentou, tanto para caçadores quanto para colecionadores e atiradores (CACs). Outra medida foi tornar acessíveis armas que antes eram de uso restrito de órgãos de segurança, com a .9mm e a .40, o que, segundo Chaloub, aumentou a circulação de armas em todo o território brasileiro.

No novo regramento do PAS, já em 2023, além da volta da restrição de determinados armamentos, foi acrescentada também a proibição de transitar com arma de fogo carregada no território nacional, chamado de “trânsito desmuniciado” – prática que havia sido liberada durante o governo de Michel Temer. A partir da implementação desse provimento, ocorreu um crescimento de 12 vezes no número de pessoas que portavam arma, de acordo com dados do Anuário de Segurança Pública de 2023. O Anuário evidencia, ainda, que aproximadamente 6 mil armas de calibres restritos não foram recadastradas no país. Desse modo, armas que foram adquiridas por via legal acabaram na ilegalidade.

LEIA MAIS: Adolescente é apreendido com granadas e arma de fogo em Juiz de Fora

Sair da versão mobile